Carisma - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

A disciplina do jejum de Clara nos primórdios da vida em São Damião

Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM

Sempre temos diante dos olhos a biografia de Clara escrita por Chiara Giovanna Cremaschi, clarissa de boa cepa. Hoje, nos deteremos na prática do jejum vivido por Clara (p. 58-60). Não estamos fazendo uma tradução ad litteram, mas captando o essência do livro Chiara d’Assisi. Un silenzio che grida.

1. O jejum sempre fez parte do elenco das disciplinas ascéticas dos cristãos, mormente daqueles que abraçam a vida religiosa consagrada. No passado houve exageros. Hoje, a prática parece tida em pouco apreço. Clara consegue não tocar em alimento algum três dias por semana. Nos outros dias se alimenta com grande parcimônia. Dorme pouco e sua cama é constituída de ramos de videira. Melhor fora se dormisse no chão. Usava uma roupa de pele de porco em contato com o corpo. Algumas irmãs, experimentando a vestimenta, tinham-na como impossível de se ser usada. Uma mulher de penitência. No Processo de Canonização da santa, as testemunhas falam de tais comportamentos como sinais de santidade. Algumas das irmãs achavam que Clara exagerava. Lembram que a Plantinha nunca impôs tal tipo de penitência às irmãs. Ao contrário, era compreensiva e bondosa para com elas. Estas, embora fizessem penitência, não chegavam ao nível praticado por Clara.

2. Num determinado momento, Clara começa a ficar doente devido ao excessivo jejum. Francisco sente-se na obrigação de intervir. Pede que, nos três dias de jejum absoluto, Clara coma ao menos um pão. Parece que, sempre tão afeita à obediência, não escutou a advertência. Francisco busca auxílio junto ao bispo Guido. A insistência desta mulher é querer viver só de Cristo e para Cristo. Neste momento de sua caminhada talvez ela não tenha ainda compreendido o que significava padecer com Cristo. O jejum e o sofrimento físico aproximariam Clara de Cristo, padecente e ressuscitado. Alguns admitem, neste aspecto, uma certa diferença entre Francisco e Clara. São duas sensibilidades. Francisco, é verdade, fazia uma série de quaresmas cheias de penitências e jejuns. Mas, ao mesmo tempo, andava, caminhava, se cansava, suava, dormia mal. Acolhia as “penitências” que aconteciam. Ao mesmo tempo, tinha que recorrer ao expediente humilhante de bater de porta em porta para ter o pão de todos os dias. Era seu jeito de fazer penitência e unir-se ao Cristo sofredor.

3. Clara, ficando em casa, permanecendo o tempo todo no mesmo lugar, não tem essas ocasiões de “fazer penitência”, de acolher os incômodos que a própria vida se encarregava de colocar. Vive envolvida com seu corpo na oração, no trabalho, no cuidado com as irmãs. Isto parece não lhe bastar. Há um fogo dentro dela. Ela quer se aproximar e se assemelhar ao Cristo crucificado. Por isso, insiste nos jejuns e penitências corporais. Estamos diante de uma jovem mulher que ainda não aprendeu a ter para com seu próprio corpo aquela benevolência que ela mesma derramava sobre ela e suas irmãs. “Não se pode esquecer a dimensão mística do amor pelo Esposo Crucificado, que é contemplado no abismo de seu doar-se por nós, pequenas criaturas e leva ao desejo ardente de sofrer com ele, numa partilha total de seus sofrimentos que só chega a compreender aquele que ama”

4. Ainda a propósito do jejum em São Damião devemos sempre ter em mente sua estreita ligação com a pobreza. Em sua Forma de vida Clara adota a Regra de Hugolino. Que as irmãs jejuem em todo o tempo (RSC 3,8). Clara dá a esta afirmação uma interpretação um tanto diversa. A preocupação do cardeal Hugolino era de ordem ascética. Tem em mente dizer aquilo que as irmãs devem comer cada dia. Para Clara, a preocupação era outra: partilhar a condição das pessoas da classe mais pobre que passou a ser a sua. Nessa classe se come uma só vez ao dia. Assim, os alimentos quaresmais consumidos em São Damião eram os mesmos que os pobres comiam. Assim, as excessivas penitências de Clara devem ser entendidas como esforço de participar da vida dos últimos da sociedade.

5. E o grupo foi crescendo. Relatando a graça dos começos Clara atribui ao Senhor o aumento do grupo das irmãs. Olhando as coisas do lado humano, vemos que, aos poucos, vai se difundindo o estilo de vida abraçado por estas três irmãs. Depois de alguns meses, em setembro, um nova irmã vem se juntar às outras: Benvenuta de Perugia, uma jovem que conheceu Clara no exílio perugino, morando então na mesma casa. Criaram-se entre as duas, com o contato em comum, laços que não foram rompidos, mas como fundamento de um liame maior, estabelecido a partir do amor de Cristo. Os laços de amizade, de relacionamentos humanos estarão na base da iluminação interior que levará muitas mulheres a São Damião.

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