XI – Em tempos de Capítulo
Para onde os ventos sopram…
♦ Os frades da Imaculada se reúnem em Capítulo Provincial a partir desta segunda, 22 de novembro de 2021. Momentos de encontro, de se inteirar da vida de uns e de outros. Oração mais ampliada, mas sem firulas. Um olhar que paira sobre alguém que há muito não tínhamos visto. Vontade conversar. Tempo de nascer e renascer neste organismo vivo que é a Província, que antes de tudo se constitui de histórias, de frades, de sonhos, de expectativas. Continuamos a caminhada. Afinal de contas é nossa vida em que está em jogo. Continuar diferentemente? Parece necessário. Juntos precisamos, com a luz do Espírito Santo, abraçar o novo. Que tarefa difícil! Não podemos ser preguiçosos. Os irmãos que chegam e que enxergam as coisas com outros olhos, não nos perdoarão se os encerramos na rotina das coisas que se repetem sem alma, sem brio, sem garra e nas quais nem sempre nós mesmos acreditamos. Ou, que é pior se eles adotarem cegamente o que já tem marcas de esgotado.
♦ “Deus nasce todos dias em Jesus Cristo. Claro, historicamente nasceu uma vez por todas no Natal, bem como morreu uma vez por todas a sexta-feira santa. “Jesus nasce todos os dias” é reconhecer o poder eficaz da ressurreição. Hoje, a cada instante, Jesus é fonte de vida” ( Pierre Talec).
♦ No fundo, todos os seres humanos, em todas as culturas, em todos os tempos, carregam em si os mesmos sonhos que em Francisco se encarnaram. Esta e não outra é a derradeira razão da admiração que todos lhe devotam. Ele é o homem que todos gostaríamos de ser: humano, afável, fraterno, portador da paz porque em paz. Às vezes ensaiamos uns poucos passos. Tentamos. Outras vezes ficamos a meio caminho (Reviver o sonho de Francisco e de Clara de Assis no chão da América Latina e do Caribe, CEFEPAL 2009).
♦Somos pessoas fascinadas pelo Altíssimo. Aprendemos com Francisco a contemplar o Cristo nas estações de vida, na singeleza de seu nascimento, na crueza de sua morte e como esse andarilho foi expandindo o perfume do amor de seu Pai. O Pai de Jesus nos convoca à oração a contemplação. Oração não formal, com todos os frades, celebrações que expressem a vida da Fraternidade e não meros momentos, meio secos e obrigatórios. Horários para a leitura espiritual e para a meditação, quase que diariamente. Partilha de oração entre os frades e leigos. Retiro anual ou semestral. Liturgias belas, sem pompas da corte real, mas momentos em que os participantes compreendam o significa em sua vida… esse corpo que é dado por todos e com o qual entramos em comunhão. Todos precisamos ter a certeza que os frades rezam e não são apenas delegados para celebrar missa para o povo. Nossas casas serão focos onde irmãos buscam resolutamente o Senhor.
♦ Todos os frades precisamos revisitar o nosso interior. Seus espaços estão desocupados e com teias de aranha. Tempos de oração no eremitério. Ajudar o povo a rezar em nossos espaços. Urge que façamos ou tenhamos encontros pessoais com Cristo. Criar espaços físicos de oração.
♦ Fraternidade….muitos esforços foram feitos. Muito há ainda que fazer. A Fraternidade é um pouco mais do que um grupo que se entende, em que seus membros se tratam com civilidade e um não atrapalha a vida do outro, em que tudo funciona: o frade marcado cumpriu seu tempo na portaria, o outro fez as compras e verificou a condição dos carros da casa, o mais velho entregou o dinheiro de sua aposentadoria. Fraternidade é mais. Necessário expressões de estima: respeito, interessar-se pelo confrade, colocar gestos de apreço, chorar com os que choram, estar perto dos que perderam o fôlego, festejar suas vitórias, carregar os pesos e nunca perder a esperança de que ele supere tudo e seja um amigo de Deus. Criar laços fraternos com os leigos que nos cercam. Buscar outros para se acercarem de nós tais quais são. Fraternidades hospitaleiras. Para todos.
♦ Mais do que nunca os tempos pedem, como queria Francisco, nosso “ir dois a dois pelo mundo”. Dois que se deslocam fisicamente por todos os cantos. Dois que se estimam, confiantes, alegres e próximos. Mobilidade. Inventar maneiras novas de dizer o querer bem a todos, que eles, esses dois ou mais missionários peregrinos, estão ávidos de lhes dizer que carregam uma Boa Nova que não cabe em seu peito. Deus se tornou uma pobre criança com os bracinhos estendidos e um crucificado de braços abertos doido por nos abraçar. Com palavras e o testemunho.
♦ Penso que esse ir dois a dois não clama necessariamente o deslocamento físico. Os irmãos que trabalham numa paróquia aberta, franciscana, que ensaiam sendas novas, que mostram caminhos novos para os que se separaram e se recasaram, para os jovens cansados de tantas mensagens e de desgaste de seu brio intimo…. Os frades, juntos, em fraternidade são andarilhos ardorosos com pouco coisa na mochila da vida. Há na Ordem, é verdade, experiências de vários deslocamentos novos bem-sucedidos. Em nossa Província há paróquias onde podemos belamente fazer a experiência de andarilhos a partir do interior dos frades.
♦ Cabe-nos reinventar lugares gratuitos. Promover encontros sem pequenos interesses nossos e da instituição. Interessar-se pela vida de cada um. Inaugurar a civilização da experiência. Lugares onde seja possível a amizade. Tudo isso torna a fraternidade mais verdadeira. Lugares onde possamos renascer. Esses “espaços” não precisam ser geográficos. Num canto dos prédios da paróquia. No refeitório da firma em que se trabalha. Dois ou três reúnem na fé do Ressuscitado e se realiza o mistério de Emaús.
♦ Frades despojados. Não miseráveis. Pobres de espírito e desapegados dos bens edos requintes. Despojados. Sóbrios no comer, no beber, no uso dos avanços, nos carros… Pessoas sem aparatos exteriores. A comida que todo mundo come. Usar quando possível dos transportes públicos. Colocar em vigor de verdade o sistema da caixa comum. Desapropriar-se de si. Restituir ao Senhor o que ele deu e não desejarmos aplausos vestindo-nos com penas que o Senhor nos deu. Não roubarmos do Senhor. Afabilidade. Não murmuramos. Nada de pessoas “reclamonas”.
♦ Organizar a vida de tal forma que as pessoas mais desmunidas ocupem os lugares preferenciais: os doentes, os pobres envergonhados, os que não sabem se defender, os “diferentes” com vergonha de serem “diferentes”, os que precisam de pão ou colchão, as mulheres maltratadas e os que vivem numa atmosfera de pavor, os bem situados que andam cultuando o dinheiro e o poder e precisam de uma voz profética.
Uns poucos pensamentos para concluir:
♦ “O homem não se torna verdadeiramente homem a não ser quando se liberta de si mesmo e vai ao encontro de uma Presença que vai além dele” (Maurice Zundel).
♦ “Uma vida espiritual profética não requer uma empresa ou um campus, prédios enormes ou instalações espaçosas para mudar o mundo. Hoje, o chamado é para que uma voz alta, nítida e comum, desafie opressão e discriminação de qualquer tipo. Uma voz que denuncie a injustiça e a invisibilidade de qualquer espécie. Uma voz que ampare, grupo após grupo, contra o racismo e preconceitos virulentos surgidos com o movimento de populações inteiras num planeta árido, ressecado e economicamente escravizado e em guerra. É esta a voz profética pela qual o mundo está à espera. São as vozes de Amos e Oséias, de Isaías e Miqueias, de Jeremias e Ezequiel – e agora a sua – aquelas necessárias para mudar o mundo” (Joan Chittister).
♦ “A proximidade junto aos seres humanos, tão própria da família franciscana, é de grave importância para aquilo que chamamos aqui de sintonia com o coração do mundo e dos homens, pelo qual nos colocaríamos em condições de captar afetiva, analítica e praticamente os reais apelos das reais necessidades de um mundo e de pessoas reais (Doc. CEFEPAL 2009).
Frei Almir Ribeiro Guimarães