Carisma - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Carisma franciscano – XIII

Imagem: Philip Fruytiers, São Francisco de Assis, Royal Museum of Fine Arts Antwerp (Wikipedia, domínio público)

O Deus Altíssimo de Francisco

O Deus de Francisco não é resultado de uma reflexão, de um postulado da teologia ou de acomodação ao ambiente. É fonte que lhe brota do coração, depois vai se expandindo, exuberante. A fé em Deus é como um manancial de vida.

Na sua oração poesia, Louvores do Deus Altíssimo, Francisco atribui a Deus uma série de qualificativos que são bem a experiência de uma vivência fontal: “Tu és o santo, Tu és o forte, Tu és o grande, Tu é o Altíssimo… Tu és trino e Uno… Tu es bom, todo bem, o sumo bem, Tu és amor. Tu és caridade, Tu és sabedoria, Tu és humildade, Tu és paciência, Tu és formosura, Tu és mansidão, Tu és serenidade, Tu és quietude… Tu és gozo, Tu és esperança. Tu es alegria. Tu és justiça e temperança; Tu és toda nossa riqueza e saciedade”.

Esses atributos, jorrando aqui torrencialmente, aparecem em seus escritos e mostram claramente quem e o que era Deus para Francisco: presença, força, vida, dom, libertação, beleza, beatitude, gozo, amor, felicidade, plenitude.

Uma das experiências mais significativas é que Francisco vive Deus como plenitude do bem. Deus não é só Pai bondoso e providente; não é só Senhor Altíssimo a que se deve toda a reverência, homenagem e adoração, mas ele é o próprio Bem. Muitos teólogos viram Deus como o Summum Bonum, mas o original é que para Francisco o Summum Bonum não é um conceito, mas, verdadeiramente, a experiência da suma felicidade em relação pessoal. Deus não é uma realidade longínqua e inadequada ao homem, mas seu anelo, a sua meta, a sua intimidade, a sua delícia, a sua festa.

“No coração da vida franciscana encontra-se a experiência de fé em Deus no encontro pessoal com Cristo (…) Sob qualquer aspecto que se aborde – oração, fraternidade, pobreza, presença no meio dos homens – todo projeto evangélico remete continuamente para a fé (…) As motivações propostas para todos os comportamentos dos irmãos – contemplação, jejum, oração, forma de vestir, pobreza, trabalho, mendicidade, alimentação – todas mostram que, na base de uma tal vida, existe uma experiência única de fé em Deus que é amor” (Declaração sobre a Vocação da Ordem nos dias de hoje, Capítulo geral dos franciscanos celebrado em Madrid em 1973).

Não são somente as formas do viver franciscano que brotam dessa experiência. Dela brotam também os valores que hoje admiramos em São Francisco: o respeito pela pessoa, dignidade do indivíduo, fraternidade entre os homens, a missão da paz, a solidariedade, a igualdade, o universalismo, a simplicidade e o encanto perante as criaturas, tendo todos esses valores sua raiz na experiência religiosa do Poverello. Esquecida esta todo o edifício espiritual franciscano se desmoronaria.

Essa experiência está tanto na raiz de sua existência que podemos dizer que toda a sua vida é oração. Francisco dirige-se a Deus não somente mediante as orações oficiais da Igreja como a liturgia e outros exercícios aconselhados pela tradição, mas seu movimento existencial abarca todo o seu ser, todos os seus comportamentos e também. toda a criação num ato permanente de adoração e de louvor.

“A existência religiosa de Francisco não foi um construção pensada, projetada, montada, peça por peça, mas algo que nascia nele. Nisso se revela uma atitude espiritual bem diferente da atitude quantificante, matemática, tecnicista, e pré-fabricante do homem moderno. A de Francisco é uma atitude receptiva e poética através da qual a vida brota agradecida, feliz, jovial, desimpedida, corrente, fecunda. Esta distinção entre fabricação e fecundidade, entre coisa e vida é de importância crucial. O enfeitiçamento do homem – principalmente do homem industrial – pela quantificação, pela exploração e pelo domínio, é uma das deformações mais perturbadoras do desabrochar da experiência religiosa”.

Um salto do mundo da matemática para o mundo da vida. Um novo salto acontece quando a vida se apreende – era o caso de Francisco – não como algo nosso, resultante da fecundidade imanente das forças cósmicas, materiais ou biológicas, mas como um dom, dom de Alguém, força e ternura de um Amor que nos envolve. Com esse salto passamos de um movimento linear para um movimento relacional e, por isso, pessoal. Uma coisa é a fecundidade biológica, por mais assombrosa que seja a proliferação da vida vegetal e animal – e outra infinitamente mais nobre e aconchegante – é a intimidade e a comunicação interpessoal.

Texto todo inspirado em: “Francisco de Assis nosso irmão”, David de Azevedo OFM, Editorial Franciscana, Braga, p. 47-51


Frei Almir Ribeiro Guimarães

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