I. Para que tudo “funcione”
Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Vamos refletir sobre um caminho de espiritualidade cristã que leigos podem percorrer e que se chama Ordem Franciscana Secular (OFS). Sabemos todos que a nomenclatura atual dada à Ordem Terceira de São Francisco acentua, com toda razão e toda propriedade, o caráter secular desse grupo de cristãos na Igreja e no mundo. Nada de pensar que esse grupo queira ter semelhanças muito forte com religiosos e religiosas.
♦ O título que demos a esta nossa reflexão é incorreto, errado mesmo… não basta que as coisas “funcionem”… não basta cumprir os estatutos, fazer atas das reuniões, pagar o que deve ser pago, fazer isso e aquilo, realizar impecavelmente visitas fraterno-pastorais às fraternidades. Necessário, antes de tudo, que cada irmão e cada irmã comecem a ser “fisgados” pelo Senhor Jesus ressuscitado. O importante não é que a máquina gire. Necessário que tudo seja feito com alma, a partir do interior. O certo seria: “Para que tudo dê certo e não entremos numa canoa furada, não tenhamos perdido o tempo de nossa vida”. Não somos apenas membros de uma associação com camisas com estampas religiosas, usando ou não usando o tau. Nossas vísceras precisam ser evangélico-franciscanas.
♦ Não basta dizer que pertencemos à Igreja Católica ou à Ordem Franciscana. Fizemos a experiência de um chamado que não dependeu de nós. Respondemos a um apelo. Vocação para sermos cristãos à maneira de Francisco e de Clara. Houve um Sopro. Sopro com s maiúsculo. Sopro do Espírito. Se não cuidamos do Sopro, as regras e constituições não nos ajudam. E tudo, mesmo o Evangelho, é letra morta.
♦ Queremos eliminar todas as caricaturas de Deus que nos ensinaram a construir… Queremos abraçar cotidianamente o Mistério. Que ele nos envolva inteiramente. Queremos, de fato, que a Ordem nos ensine a apaixonarmos pelo Senhor que nos envolve amorosamente. Que a Ordem seja um espaço onde possamos aprender a rezar, a fazer uma experiência da proximidade de Deus, saborear os salmos, sentirmo-nos amados pelo Senhor sem o “eu te dou para tu me dares”. Não queremos apenas fórmulas e melodias cantadas afinadamente, mas experimentar uma urgência tal que sem a oração venhamos a murchar e morrer. Oração, segundo, José Tolentino Mendonça, é abraçar a vida como ela é.
♦ Estamos fartos do barulho, da agitação, do estridente volume das vozes, das coisas pela metade… por isso queremos que a Ordem nos ajude a arrumar as coisas por dentro, a partir do interior e não do exterior das vestes que resolvemos usar para tapear a vida, para fingir que vivemos..para sermos gente de verdade. Queremos simplificar nossa vida. Como fazer? Revisões de vida, assunção de planos mais ousados para fazer o bem, para sermos gente de verdade, em suma, para simplificarmos a vida. Jogar fora o que anda nos atravancando.
♦ Para que tenhamos uma vida que valha a pena temos que usar muitas vezes, na fala, o verbo gostar: gostar de ter nascido, gostar de viver, de ser homem, de ser mulher, de viver em família, de tomar um copo de cerveja com amigos, de colocar uma rosa diante da imagem de Nossa Senhora, de saborear um panetone, de São Francisco, de Santa Clara… Sabemos que por vezes precisamos fazer das tripas coração…É a vida. Quem sabe em tudo isso o doce venha a se tornar amargo e o amargo, doce…
♦ Gostar de nossas reuniões e encontros com os irmãos, de lembrarmo-nos de suas alegrias e de seus apertos de coração. Gostar da verdade, da verdade de verdade, não formalmente, educadamente, contidamente. Gostar de nossas reuniões com a presença de todos, reuniões sempre bem preparadas com a presença de todos, sem protagonismo dos mesmos que passam a ideia de serem os “gerentes” de uma firma, reuniões realizadas no melhor e no melhor horário para todos… reuniões que, uma vez terminadas deixam em nós um desejo de “quero mais”. Quando vamos nos encontrar uma outra vez?
♦ Importante, nas reuniões dos leigos franciscanos, a presença amiga, orientadora, perseverante, desarmada de um irmão da Ordem Primeira. Será companheiro da caminhada e não deixará que o grupo perca o sopro franciscano e clariano e se sinta ligado a esse “movimento” que nasceu em Assis com Francisco, o Poverello e Clara, a transparente.
♦ Os franciscanos seculares, num determinado momento da caminhada, pedem para fazer, no seio da Igreja, a profissão de seguir o Evangelho, segundo jeito de viver de Francisco. Nessa ocasião fazem vir à tona o melhor de seu interior, desse espaço que chamamos de vida. Na profissão, celebram a vida e não realizam apenas a um rito religioso documentado em incontáveis fotografias. Com esta profissão, queremos, na Ordem, continuar a matar o homem velho que começou a morrer com nosso batismo e que morrerá definitivamente se fizermos da Ordem um espaço de conversão de vidas.
♦ Não existimos para nós mesmos. Existimos para…. Esperamos que a Ordem nos ajude precisamente a ser para… a lutar contra toda sorte de mesquinharias, de condenar os que têm os celeiros cheios de bens (quem sabe nossos próprios), que nos ensine a prestar atenção nos jogados à beira da estrada, que nos dê meios de inserirmo-nos em tudo a tudo o que ajude o ser humano a ser humano…por mais paradoxal que possa ser essa afirmação.
♦ Para que as coisas “funcionem” de verdade os franciscanos da terceira Ordem nunca esquecerão que são leigos e que circulam em ambientes bem deles: casa, trabalho, educação dos filhos e toda sorte de cuidados, luta pelos direitos dos cidadãos, respeito pela casa comum, amor sempre renovado entre marido e mulher, família como Igreja doméstica, engajamento em tudo o que possa defender os mais abandonados…
♦ Não basta, pois, que a coisas “funcionem” … é preciso que tudo se revista de alma….