Carisma - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

OFS

A delicada arte de inventar a vida

Até agora nada fizemos…ou muito pouco

Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comunidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa numa emaranhado de obsessões e procedimentos. Se alguma coisa deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido de vida. Mais do que o temor de falhar,espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que se transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: “Dai-lhes vós mesmos de comer”(Mc 6, 37).
Papa Francisco, A alegria do Evangelho, n. 49

1. Melhor seria dizer: a arte de reinventar a vida. Viver. O mais importante que existe é a vida. A única coisa necessária. Viver e conviver. Cantar o hino de exultação da vida. A vida é dinamismo, força impulsionadora, sempre apontando para frente. Viver intensamente. Não pela metade. Vida, uma longa ou nem sempre tão longa viagem. Tudo começou quando o pai e a mãe fizeram uma promessa de amor e desenharam o projeto de nossa vinda ao mundo. Existíamos antes de ver a luz do dia. O ser humano é aquele que é fadado a viver. Existíamos no sonho do pai e da mãe. Existíamos no sonho do Presente/Ausente.

2. É curto o espaço entre o nosso nascer e o fim do tempo que nos é dado percorrer os caminhos do existir. Tudo passa. Passa depressa, passam as pessoas, passam as modas, passam as meias verdades que pensávamos que fossem eternas. Fomos meio enganados por elas. O menino, o rapaz maduro, a moça que andava sonhando de olhos abertos. Depois da maturidade, o declínio. Ouvidos fracos, voz fanhosa, bengala. Há um momento em que achamos que as coisas não são tão importantes quanto tínhamos pensado e temos a tentação de deixar as coisas correrem. Tentação de deixar as coisas rolarem. Deixar que carro role sob o comando do de piloto automático. Entre o momento que fomos concebidos no seio da mãe e aquele em que somos levados ao cemitério ou ao crematório terá passado a vida, nossa vida que ninguém vive em nosso lugar. Afinal de contas, o que estamos fazendo de nossas vidas?

3. Sim, a vida borbulha dentro de nós: anseios, desejos, busca de realização, colocar em ato as melhores possibilidades escondidas dentro de nós, nossas potencialidades que o Evangelho costuma chamar de talentos. Conviver. Costurar a trama da vida com outras pessoas. Amar e ser amado. No meio de tudo isso, aqui e ali, parece que o Senhor anda à nossa volta fazendo suas sugestões. Pedindo audiência em nossa agenda tão cheia de coisas desnecessárias. Sentimos a inquietação agostiniana: “Irrequieto é o nosso coração enquanto não descansar em Deus”.

4. Fizemos o propósito de viver cristãmente. Nossos pais, provavelmente, nos orientaram. Fomos batizados, crismados, fizemos a primeira comunhão. Pode ser, não sei, que tudo isso tenhamos vivido sem profundidade, sem uma dimensão maior de consciência da beleza e do fulgor de um estilo de vida cristão. Talvez num determinado momento tenha brotado em nós o desejo de viver cristãmente de maneira mais densa. Paixão pelo Senhor, sede interior, saudades de Deus? Nasceu em nós o desejo de sermos cristãos de verdade e não de nome. “Sede santos como vosso Pai do céu é santo”.

5. Entramos na família franciscana, família suscitada na Igreja pelo Espírito que tem o costume de acordar os sonolentos. Os franciscanos seculares conhecem as linhas mestras de seu viver: “No seio da dita família ocupa posição específica a Ordem Franciscana Secular que se configura como uma união orgânica de todas as fraternidades católicas espalhadas pelo mundo e abertas a todos os grupos e fiéis. Nelas, os irmãos e irmãs, impulsionados pelo Espírito a atingir a perfeição da caridade no próprio estado secular, são empenhados pela Profissão a viver o Evangelho à maneira de Francisco e mediante Regra aprovada pela Igreja (Regra, n.2).

6. Tudo em nossa vida começou com a certeza de que somos amados pelo Senhor e somos convidados a amar. “O Senhor não esperou os teólogos para se explicar em poucas palavras. Todo esforço de Deus desde a criação tem sido, por todos os meios, fazer o homem compreender que o amava. Esgotados todos os argumentos, apresenta a maior prova. “Não há prova maior de amor do que dar a vida por aqueles que amamos”. Eis tudo. Depois disso não há mais nada a dizer. Quem quiser que compreenda. Aí está o livro aberto sobre a cruz. Toda a infelicidade dos homens vem de atinarem com o peso do amor que Deus tem. O único pecado é o da recusa” (Jean Sulivan, Provocação ou a fraqueza de Deus, Herder, 1966, p. 111).

7. A fé cristã não é questão de mandamentos e verdades a serem decoradas e repetidas com os lábios. É um estilo de viver. Os evangelhos são relatos de conversão. Foram escritos para produzir fé em Jesus Cristo, para suscitar discípulos e seguidores. São relatos que nos convidam a entrar num processo de mutação, de criação de uma identidade, de uma decisão de viver seu projeto de Reino. “A primeira coisa que se aprende de Jesus nos evangelhos não é a doutrina, mas um estilo de vida: uma maneira de estar na vida, uma forma de habitar o mundo, de interpretá-lo e de construí-lo; uma maneira de tornar a vida mais humana. O característico deste estilo de viver é que ele se inspira em Jesus. Nasce da relação com ele. É-nos transmitido seu Espírito. Aprendemos sua maneira de pensar, sentir, amar, orar, sofrer, criar, confiar e morrer. Pouco a pouco vamos nos convertendo em discípulos e discípulas de Jesus” (Pagola, Voltar a Jesus, p.65).

8. Os cristãos e os franciscanos apostam suas fichas no Evangelho. O Evangelho se converte na força mais poderosa que a comunidade cristã possui para sua transformação. Os evangelhos fazem pensar, interpelam, nos obrigam a reler nossa existência à luz de Jesus e nos dão força para reproduzir hoje seu estilo de vida, abrindo novos caminhos ao reino de Deus e recriando pouco a pouco a vida da comunidade eclesial a partir de seu Espirito. Aprender o estilo de vida de Jesus é fundamental para recuperar nossa identidade de discípulos e seguidores seus” ( Pagola. Voltar a Jesus, Vozes, p. 66).

9. Não adotamos e aceitamos expedientes pastorais e espirituais pomposos, grandiloquentes. Cremos que a ação de Deus nas pessoas é discreta. Não queremos unanimidade tola. Queremos construir um mundo feito a partir de coisas simples, do cotidiano Identificamo-nos com Jesus quando fala do sal, do fermento e da luz. Desta forma, os cristãos e os franciscanos gostamos de ter uma presença discreta no meio do mundo. Irradiamos, com a força de Deus, nas coisas simples: no jeito de falar, na maneira de rezar, no modo de organizar nossa vida familiar, no falar, no chorar, no ajudar, no olhar. Carregamos nossas dúvidas e caminhamos com pessoas que portam interrogações sobre a arte de viver.

10. Uma palavra para terminar com a certeza de que muito precisaria ser dito a respeito da reinvenção da arte de viver. Nunca como em nossos tempos tivemos tanta consciência de que somos hóspedes da terra. Olhamos com cuidado e carinho para a terra, as fontes, a terra, as matas. Não queremos continuar respirando poluição. Franciscanos e cristãos somos criaturas que confraternizamos com o criado. Nossa casa de viver não pode ser depredada. Quando deixarmos o mundo para cada um que Deus inventa queremos deixar tudo em ordem para os próximos habitantes.

11. Não queremos parar. O Papa Francisco pede que saiamos de nosso mundo pequeno e acanhado. O Deus da novidade precisa tomar conta de nós. Vamos dar ainda a palavra ao Papa Francisco: “Deus é sempre novidade, que nos impele a partir sem cessar e a mover-nos para ir além do conhecido, rumo às periferias e aos confins. Leva-nos ainda aonde se encontra a humanidade mas ferida e aonde os seres humanos, sob a aparência da superficialidade e do conformismo, continuam à procura de resposta para a questão do sentido da vida. Deus não tem medo! Não tem medo! Ultrapassa sempre os nossos esquemas e não lhe metem medo as periferias. Ele próprio se fez periferia. Por isso se ousarmos ir às periferias lá o encontraremos: Ele já estará lá. Jesus antecipa-se no coração daquele irmão, na sua carne ferida, na sua vida oprimida, na sua alma sombria. Ele já está lá” (Papa Francisco, Gaudete et exsultate, n. 135).

12. A hora é de inventar o novo a partir da sabedoria dos séculos precedentes e de nossa própria historia. “Peçamos ao Senhor a graça de não hesitar quando o Espirito nos exige que demos um passo em frente; peçamos a coragem apostólica de comunicar o Evangelho aos outros e de renunciar a fazer de nossa vida um museu de recordações. Em qualquer situação, que o Espírito Santo nos faça contemplar a história na perspectiva de Jesus ressuscitado. Assim, a Igreja em vez de cair cansada, poderá continuar em frente acolhendo as surpresas do Senhor” (Papa Francisco, Gaudete et Exsultate, n. 139).

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