O Verbo de Deus não curou apenas nossas enfermidades com o poder dos milagres. Tomou sobre si nossas fraquezas, pagou nossa dívida mediante o suplício da cruz, libertando-nos dos muitos e gravíssimos pecados, como se ele fosse o culpado, quando na verdade era inocente de qualquer culpa. Além disso, com muitas palavras e exemplos, exortou-nos a imitá-lo, na bondade, na compreensão e na perfeita caridade fraterna. ( Das Cartas de Máximo, o confessor, abade).
1. Os que se aproximam de Cristo, sabem que estão diante do homem da misericórdia, da bondade e do perdão. Nunca os discípulos de Jesus de hoje deixam de olhar para o Ressuscitado que vive no meio de nós, na fé dos seus, continuando a exercer a misericórdia. Pensar em Cristo é pensar no bom pastor e no bom samaritano. Cristo é o pastor bom e o samaritano exalando o perfume da misericórdia.
2. A expressão mais acabada da misericórdia de Deus se manifesta na cruz. Nunca, nós franciscanos, contemplaremos suficientemente o Cristo crucificado. Nosso pai Francisco se extasiava diante de tanta bondade. “Um dia, no princípio de sua conversão, ele rezava na solidão e, arrebatado por seu fervor, estava totalmente absorto em Deus e apareceu-lhe o Cristo crucificado. Com esta visão sua alma se comoveu e a lembrança da Paixão de Cristo penetrou nele tão profundamente que, a partir daquele momento, era-lhe quase impossível reprimir o pranto e suspiros quando começava a pensar no Crucificado” (Leg.Maior I,5). Sim, na cruz Jesus é bondade, paciência, misericórdia, dom, entrega. Lá se torna abjeto, coberto de chagas, cheio de feridas, ensopado de sangue, feito, na verdade, uma única chaga. Naqueles momentos, nas horas de desolação, ele toma a decisão de se entregar pelos seus. Ninguém lhe tira a vida. São Máximo recorda: tomou nossas fraquezas, pagou nossa dívida mediante o suplício da cruz. Aquele que foi obediente até o fim, obediente até a morte de Cruz, teve o seu peito aberto pela lança do soldado e todas as gerações de corações retos contemplaram e contemplam essa fenda no coração do Senhor. Tropegamente, mas com confiança, os pecadores de ontem e de hoje buscam instalar-se no albergue do coração do Mestre.
3. Para manifestar a sua misericórdia e a bondade do Pai que ele encarnava contou a parábola do bom samaritano: “Àquele homem que caíra nas mãos dos ladrões e fora despojado de todas as vestes, maltratado e deixado semimorto, atou-lhe as feridas, tratou-as com vinho e óleo, e tendo-o colocado no seu jumento, deixou-o numa hospedaria para que cuidassem dele; pagou o necessário para o seu tratamento e ainda prometeu dar na volta, o que porventura se gastasse a mais” (São Máximo). Ele, o Mestre dilacerado no alto da cruz, é o bom samaritano, misericordioso samaritano. Ousamos dizer que a hospedaria de que fala a parábola pode bem ser o espaço cavado no coração de Jesus pela lança do soldado. Ali se abrigam os desventurados buscados pelo Senhor.
4. A Igreja é santa e pecadora. Todos fazemos essa dolorida experiência. Queremos seguir a Cristo, queremos viver o espírito do Sermão da Montanha. Não agüentamos mais tanta mediocridade em nossa vida e à nossa volta. Sentimos que somos um povo que busca a santidade, mas também carrega o pecado, o dilaceramento. Não podemos endurecer o coração. Precisamos acolher o perdão do Senhor que se dá quando nosso coração vive a contrição. A Igreja é santa e pecadora. Precisamos, de verdade, nos aproximar do albergue e da hospedaria da Igreja onde nos é concedido, pelo ministério dos sacerdotes, o perdão do pecado que nos agonia e angustia. Temos certeza de que seremos bem recebidos na hospedaria da Igreja.
5. Vamos pedir a São Máximo que continue nos ajudando a refletir. O santo abade continua descrevendo a misericórdia do Senhor: “… reconduziu ao redil a ovelhinha que se afastara das outras cem ovelhas de Deus e fora encontrada vagueando por montes e colinas. Não lhe bateu, nem a ameaçou, nem a extenuou de cansaço; pelo contrário, colocando-a nos próprios ombros, cheio de compaixão, trouxe-a sã e salva para o rebanho”. Na verdade, a parábola do bom pastor nos encanta, nos fascina. Há festa no céu quando um pecador se converte. Temos sempre a terrível tentação de pensar que os pecadores são os outros. Deveríamos experimentar um júbilo sem par quando o Senhor nos dá a graça da contrição e assim podermos nos jogar nele e solicitar à Igreja o perdão. Ela recolheu em suas mãos o sangue e a água que correram do peito aberto daquele que havia se feito chaga para sanar nossas chagas.
6. Numa primorosa obra sobre a experiência de desolação e de fé do exílio, Éloi Leclerc fala do coração contrito. Não posso me privar ao prazer de transcrever algumas de suas linhas e pensar que aquela experiência diante de Javé e sua santidade se aplica ao coração contrito diante de Cristo feito abandono, chaga e abrigo no alto da cruz: “O coração contrito é primeiramente isto: um coração deslumbrado pela santidade de Javé. Maravilhado e ferido. “Ai de mim, estou perdido porque sou homem de lábios impuros” (Is 6,5). No principio há a irradiação da santidade de Deus, sobre a alma. E, por repercussão, manifesta-se em toda a realidade o pecado e a miséria do homem. Perante essa dupla revelação, a da santidade de Deus e a do próprio pecado, a alma é sacudida por um arrepio ao mesmo tempo de amor e de horror. O coração parte-se” (Éloi Leclerc, O povo de Deus no meio da noite, Braga, p. 81). Sim, o coração contrito é o coração partido. Mas não se desespera. Procura abrigo no Coração do Redentor.
7. Ainda São Máximo: “E deste modo, exclamou: Vinde a mim todos que estais cansados e carregados de fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo (Mt 11,28-29). Ele chamava de jugo os mandamentos ou a vida segundo os preceitos evangélicos; e, quanto ao peso, que pela penitência parecia ser grande e mais penoso, acrescentou: O meu jugo é suave e o meu fardo é leve (Mt 11,30).
São Máximo, Confessor e Abade foram extraídas do Lecionário Monástico II, p. 380-382
Não podemos deixar de repetir a mais não poder: Cristo tem um coração repleto, transbordante de misericórdia. Possa a Igreja ser espaço onde se manifesta claramente a misericórdia do Senhor.