Mês após mês procuramos vivenciar a espiritualidade da primeira-sexta-feira que significa contemplar as grandezas do Coração de Jesus. Nas últimas primeiras sextas-feiras temos refletido sobre encontros do Senhor com personagens e que são relatados nas páginas dos evangelhos. Nesses encontros, revela-se a profundidade do Coração do Redentor. Hoje queremos refletir sobre o encontro de Jesus com Nicodemos. Quem quer ingressar no mundo de Jesus precisa nascer do alto. A carne é carne. O Espírito é espírito.
Texto evangélico
Antes de ler a reflexão o leitor haverá de ler calmamente João 3, 1-21 (texto ao lado)
Reflexão
Estamos diante do belo encontro de Jesus com Nicodemos. O quarto evangelista procura traçar o perfil de Nicodemos. Era um fariseu importante. Encontrou-se com Jesus à noite. Seria receio de ser criticado pelos seus colegas da seita dos fariseus por ter se interessado por Jesus? Aproxima-se de Jesus desejoso de saber como ingressar nesse mundo novo de que falava o Mestre, nesse Reino. “Rabi, sabemos que vieste como Mestre da parte de Deus, pois ninguém pode fazer os sinais que fazes, se Deus não estiver com ele”.
João 3, 1-21* 1 Entre os fariseus havia um homem chamado Nicodemos. Era um judeu importante. 2 Ele foi encontrar-se de noite com Jesus, e disse: «Rabi, sabemos que tu és um Mestre vindo da parte de Deus. Realmente, ninguém pode realizar os sinais que tu fazes, se Deus não está com ele.» 3 Jesus respondeu: «Eu garanto a você: se alguém não nasce do alto, não poderá ver o Reino de Deus.» |
Todo mundo, ou quase todo mundo, conhece Nicodemos. Para muitos, ele passou a ser “padroeiro dos ingênuos”, pelo fato de ter colocado uma “cândida” pergunta a Jesus: “Como pode um homem nascer quando já é velho? Pode entrar novamente no seio de sua mãe e renascer?”
É possível que tenha procurado Jesus no cair da tarde porque naquela terra fazia muito calor. Talvez também porque nesse momento do dia a palavra costuma ser mais livre e mais verdadeira.
Nicodemos era certamente um homem piedoso e fiel a Deus. Desde o começo da conversa com Jesus ele afirma: “Ninguém pode fazer os sinais que colocas se Deus não está com ele”. Precisamente porque este fariseu já havia estabelecido um liame entre Deus e Jesus, o Mestre está em condições de lhe fazer uma revelação essencial: “Quem não nascer do alto não pode nascer do alto, não pode ver o Reino de Deus”.
Importantíssimo para um homem ver o Reino de Deus. A terra parece ser o reino do mal com suas manifestações de violência, ódio, injustiças, enfrentamentos e escravidões. Quando pedimos a Deus que ele permita vir o Reino, esse seu Reino é porque constatamos sua ausência e temos saudade dele dentro do coração. Quando em certas ocasiões o amor supera o ódio, o serviço dos outros destrói a vontade de dominação, quando o espírito de unidade vence a violência e a desunião somos possuídos da certeza de que o Reino está próximo. Neste, os pobres de coração são felizes, os mansos possuem a terra, os aflitos são consolados, onde se vive a misericórdia.
Será que Nicodemos havia se dado conta de que o jovem profeta de Nazaré vivia neste Reino e os “sinais” de que falavam eram estes acima mencionados? Diante desta fé, Jesus lhe faz a luminosa proposta de entrar no Reino, neste Reino. Para tanto deveria renascer.
Perfeitamente compreensível a admiração de Nicodemos e sua pergunta: “Como isto pode se fazer?”, perguntou Maria ao anjo, eterna pergunta que o homem dirige a Deus. E Deus responde que é necessário renascer.
Para que isso aconteça será preciso ter em si um verdadeiro espírito de infância. Trata-se de começar uma nova vida, ou melhor, levar a mesma de maneira diferente, levá-la à maneira de Jesus de Nazaré. Para tanto será necessário efetuar uma passagem, uma páscoa, abandonar o que se tem em si de velho, de gasto para reencontrar uma juventude nova na água vivificadora e o Espírito que renova todas as coisas: “O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espirito”. Aos que aceitam empreender esta aventura será dado “ver” os contornos do Reino. O Reino está no meio do mundo, tesouro escondido nos campos do mundo. Não é ingenuidade procurá-lo, mas grande sabedoria: “O vento sopra para onde bem entende: tu ouves o barulho mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim é todo aquele que nasceu do Espírito”.
Nicodemos pergunta ainda: “Como pode acontecer isso?” Jesus, por sua parte, admira-se: “Tu és Mestre em Israel e não compreendes estas coisas?” Nesse momento, Jesus revela algo do mistério de Deus e de sua própria missão no meio dos homens: “Deus amou tanto o mundo que lhe entregou seu Filho único”.
Nicodemos não veio em vão ter com Jesus. Seu horizonte se tornou mais amplo. Guardará como um tesouro a mensagem de Cristo: “Quem pratica a verdade vem à luz”. Nicodemos terá de defender esse Mestre que veio da parte de Deus (Jo 7, 50-52). Quando tudo estiver consumado, Nicodemos levará ao túmulo de Jesus trinta quilos de uma mistura de mirra e aloés (cf. Jo 19,39).
Inspirado em François Montfort, “Rencontres avec le Christ – Fêtes et Saisons”, n. 312, p. 11