Frei Almir Guimarães
Os discípulos de Jesus, às primeiras sextas-feiras de cada mês, têm o cuidado de contemplar a cena final da vida do Mestre. Tudo termina na colina do Gólgota. Algumas pessoas, os soldados encarregados de executar o condenado, dois salteadores, um à direita e o outro, à esquerda. Duas palavras finais segundo a tradição: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” e “Pai, em tuas mãos eu entrego o meu espírito”. João, o evangelista, lembra que os corpos deveriam ser tirados do patíbulo. Para terem certeza de que estavam mortos, os soldados quebraram as pernas dos ladrões, talvez para acelerar a morte e ter certeza de que ocorrera. “Quando, porém, chegaram a Jesus e viram que estava morto, não lhe quebraram as pernas, mas um dos soldados traspassou-lhe o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água” (Jo 19, 33-34).
A cena da transfixão insiste na simultaneidade da morte de Jesus e do brotar da vida. Na cruz o que se contempla é, na verdade, um coração morto e ferido de morte. No mesmo instante em que é aniquilado, no entanto, deixa prorromper a fonte da vida, a Água e o Sangue, sinais da Ressurreição. Como afirma Orígenes, o novo Adão adormecido na cruz, “não foi como os outros mortos”; mas, do mais profundo da morte, manifestou sinais de vida na água e no sangue e foi, por assim dizer, um morto novo”. Necessário se faz compreender bem a radical novidade do evento que se realiza acenando para o antigo sono. Tal constitui um desses sinais gloriosos que João gosta de inserir em todo o relato da Paixão. Aquele cadáver suspenso no patíbulo maldito já era o corpo da ressuscitado”.
Precisamente nesse sinal do lado traspassado, a representação do mistério vida-morte atinge a máxima intensidade: “… logo saiu sangue e água”. Logo significa continuidade. Na mais estreita unidade temporal opera-se uma dupla ação histórica e simbólica: de um lado, a transfixão que constitui o último rito de imolação do verdadeiro Cordeiro pascal e havia a proibição de quebrar qualquer um de seus ossos (Jo 19,36; Ex 12, 46). De outro lado, a abertura da fonte de água viva que representa a primeira efusão do Espírito, profetizada pelo próprio Jesus: “No último dia, o mais importante da festa, Jesus falou de pé, em voz alta: ‘Se alguém tiver sede venha a mim e beba. Quem crê em mim, como diz a Escritura, do seu interior correrão rios de água viva. Referia-se ao Espírito que haveriam de receber aqueles que cressem nele. De fato, ainda não tinha sido dado o Espírito, pois Jesus ainda não tinha sido glorificado” (Jo 7, 37-39).
Tal evento, paradigma de toda efusão vital do Espírito se dá no próprio coração da história do mundo, no momento em que o Filho, na sua humanidade histórica, passa deste mundo ao Pai. Morrendo na fraqueza da carne, Jesus derrama o Espírito.
Texto de apoio
Charles André Bernard
Il Cuore di Cristo e i suoi símboli
Edizioni AdP, Edizioni AdP, Roma 2008, p. 41-42