1. O nosso coração e o coração do Senhor? Aí estamos nós mergulhados na trama da vida. Corremos, lutamos, compramos, vendemos, rimos, choramos, solteiros, casados, padres e consagrados. Há dias em que semeamos, outros que regamos, outros ainda em que colhemos. Dias luminosos e dias de escuridão, sem saber para onde ir, sem vontade de levantar, sem sinal para onde olhar. E no afã da vida vai batendo esse coração dentro do peito. Por vezes colocamos a mão do lado e vemos que ele anda agitado. Coração de carne, coração de músculos? Sim, coração de carne, mas também lugar secreto, mais íntimo de nós mesmos a partir de onde amamos, temos sede de plenitude e fazemos projetos de atingir as estrelas.
2. E nosso pensamento voa para longe, para muito longe, para um lugar onde um dia, há muitos anos, esteve suspenso o mais belo de todos os filhos dos homens, o filho da Virgem Maria. Ele também, não encontrando posição no leito duro do madeiro da cruz, teve aceleradas as palpitações e seu coração bate, bate muito. Coração de carne, coração de músculo? Um coração que batia de amor. Há um momento em que ele se acalma. Quase no fim. Sempre se contorcendo, resolve cessar de fazer esforços. No mais íntimo de si, no segredo mais secreto entrega tudo, vida, história, passado, presente, num dom cheio de amor. Dá a vida. Foi levando seus discípulos por vários caminhos e nos colocou ali diante dele, de seu gesto de amor, humano e divino. Dom de si, dom do Filho da Virgem Maria, dom do Verbo encarnado. Num determinado momento não havia mais nada a fazer. Chega a hora do trespasse. E amando os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim. Inclinando a cabeça ele deu o seu espírito ou deu o Espírito com e maiúsculo?
3. Por vezes, nesse viver, nos sentimos sozinhos, mergulhados em dúvidas, cansados de tanto caminhar. Estamos derramados nas coisas, errantes, vestidos de fantasia e cobertos de ilusões. Buscamos amores que não satisfazem, aspiramos o perfume de todas as flores que por vezes nos entorpecem e paralisam nossos movimentos. Nosso coração anda de um lado para o outro, errantemente, sem ninguém que nos ame e sem ninguém para amar. Agitados, sem calma, sem paz.
4. “Onde encontrar repouso tranqüilo e firme segurança para os fracos a não ser nas chagas do Salvador? Ali permaneço tanto mais seguro,quanto mais poderoso é ele para salvar. O mundo agita, o corpo dificulta, o demônio arma ciladas; mas não caio, porque estou fundado sobre a rocha firme” (S. Bernardo, L.Horas III, p. 106).
5. Os discípulos de Jesus fixam sua morada na intimidade do Coração do Redentor. “Levanta-te, pois, tu que amas Cristo, sê como a pomba que faz o seu ninho no rochedo (Jr 48,28). E aí, como o pássaro que encontrou sua morada, não cesses de estar vigilante: aí esconde com a andorinha os filhos nascidos do casto amor, aí aproxima teus lábios para beber as águas nas fontes do Salvador. Pois está é a fonte que brota no meio do paraíso, e dividida em quatro rios, se derrama no coração dos fiéis para irrigar e fecundar a terra inteira” (São Boaventura, Liturgia das Horas III, p. 571).
6. Cristo, do coração aberto, tesouro de nossas vidas e água que mata a sede: “Queres compreender mais profundamente os poder do sangue de Cristo? Repara de onde começou a correr e de que fonte brotou? Começou a brotar da própria cruz, e a sua origem foi o lado do Senhor. Estando Jesus já morto e ainda pregado na cruz, diz o evangelista, um soldado aproximou-se, feriu-lhe o lado com uma lança, e imediatamente saiu água e sangue: a água como símbolo do batismo; o sangue, como símbolo da eucaristia. O soldado, traspassando-lhe o lado, abriu uma brecha na parede do templo santo, e eu encontrando um enorme tesouro, alegro-me por ter encontrado riquezas extraordinárias” (São João Crisóstomo, Liturgia das Horas II, p., 416).