1. “Se Jesus propõe discretamente seu coração como centro de atração para aqueles que buscam a verdade, explica-se pelo fato de que, para ele, a fé não é adesão a uma verdade abstrata, mas antes de tudo afeto por uma pessoa. É seu coração, e não sua inteligência que procura comunicar a mensagem. Há uma corrente afetiva que se estabelece entre o Mestre e seus discípulos” (Jean Galot, SJ).
2. Jesus quer discípulos. Os evangelhos nos mostram um Mestre itinerante que chama e que convoca. Através de todos os tempos, no coração da Igreja, albergue do Ressuscitado, o Senhor Jesus, aquele que fala, é o que convoca. Insistimos no Cristo ressuscitado. No hoje do mundo, nas encruzilhadas da vida, nos grupos de jovens, numa celebração dominical, o Ressuscitado chama e ama. Há o apelo feito pela palavra proclamada, bela beleza do texto de Lucas ou a força do estilo de João. Há essa leitura feita no sacrário da intimidade ou junto ao rosto de um doente, imagem do Cristo entre nós. E os corações dos passantes, dos distraídos se fixa nesse que vive, que arrasta, que atrai, que é o Ressuscitado.
3. Quando alguém se decide a seguir Jesus? Pensamos aqui num seguimento que seja bem outra coisa do que o simples fato de ter o seu nome num registro paroquial. Pensamos aqui nessa revolução que uma pessoa pode experimentar quando se sente convocada a deixar tudo e a seguir o Mestre. Esse é um momento de graça. Ele pode acontecer quando alguém se depara com pessoas que se estimam de verdade. O famoso “vede como eles se amam” pode ser um convite ao seguimento. Uma dor profunda pode questionar a existência de uma pessoa a ponto de deixar um mundo e abraçar um outro. Em todas as situações, o seguimento é graça do apelo de Cristo no meio da vida.
4. “ A pessoa divina de Jesus investe e envolve de tal modo o que é chamado que lhe muda o projeto de vida, o modo de viver, de pensar e de agir. Lentamente, o discípulo se encontra com um novo estilo de vida, um novo modo de escolher e de avaliar as coisas, as pessoas e os acontecimentos. O mestre Jesus exerce sobre o discípulo tal poder de atração que se torna irresistível. O apostolo Paulo dirá que foi “agarrado” por Jesus Cristo” (Fl 3,12). (Ubaldo Terrinoni, Projeto de pedagogia evangélica, Paulinas, p. 47).
5. A contemplação do amor do Mestre até o final é ponto decisivo no amadurecimento da vocação do discípulo. Alguém pode ter começado o seguimento de Cristo a partir de um determinado ardor de juventude. Ora, na medida em que o discípulo vai aprofundando seu conhecimento existencial de Cristo, o seguimento ganha outras base. Esse que veio das alturas, que se aninhou no seio da Virgem Maria, que chorou e sorriu, que falou e viveu foi levado até um momento chave: seu corpo foi pregado num madeiro e erguido diante de algumas pessoas. Naquele momento de solidão profunda e de dor indescritível Jesus consegue reunir suas forças e fazer o dom de si para a vida do mundo. “Minha vida, dirá ele, ninguém me tira. Sou eu que dou livremente”. Preso, amarrado, pregado, sem roupas, sem amanhã, sem apoio, sem nada, absolutamente pobre Jesus faz a crua e nua entrega de si, sem aparato, sem plateia, sem alvoroço. E morto, deixa que um soldado lhe abra o coração. O discípulo segue a Cristo muito mais pelo dom amoroso de sua vida, do que pelo encadeado de suas doutrinas. Um coração que se esvaziou de si e amou até o fim.
6. Jean Galot, já citado, continua: “A abertura do lado é como a materialização da abertura do coração, abertura que significa um dom total. Essa fenda aberta no lado de Cristo nada tinha de doloroso porque Jesus já estava morto. Ela permanece, no entanto, como o sinal de um coração que nada reteve para si e que quis derramar todas as suas íntimas riquezas. O sangue e a água são os símbolos das graças que resultam do sacrifício. Mais tarde reconheceu-se neles um alusão à eucaristia e ao batismo. Seu derramamento realiza de modo discreto o anúncio dos rios de água viva que deviam jorrar do seio do Messias (Jo 7,37-38).