Gostamos de nos deter diante do amor de Jesus mormente manifestado em sua paixão, morte e ressurreição. Fazemo-lo sempre, mas de modo especial, diante do Coração aberto do Senhor. Não se trata de um mero diletantismo. Queremos ser gratos ao amor do Senhor e sempre somos acordados para a urgência de amar na mesma qualidade desse amor.
1. “Ó morte, princípio de imortalidade e origem de vida! Ó descida à mansão dos mortos que lança uma ponte a fim de que eles passem ao reino da vida. Ó meio dia da morte de Cristo, recordação daquele meio dia do paraíso em que Eva colheu o fruto! Ó cravos que fixam o mundo para Deus e traspassam a morte! Ó espinhos, fruto da videira má! Ó fel, que dás a doçura da fé! Ó esponja, que lavas o mundo de seu pecado! Ó instrumento que inscreves os fiéis no livro da vida!” (São Proco de Constantinopla, bispo).
2. Aquele que viera na calada da noite e se manifestara aos pastores, que fora envolvido em paninhos quentes pela mãe, agora, no meio do dia, está preso à cruz, desnudado, sem o manto do amor. Cravos fixam-no ao madeiro. Ele tão frágil e tão cheio de amanhã no presépio das palhas, tão lastimosamente abandonado no alto da cruz. Morte, triste e temível, morte. Mas essa morte de Cristo acaba com a abominação da morte: o sono de Cristo é origem de vida.
3. Proco de Constantinopla inventa essa imagem: o meio dia. Há o meio dia do paraíso em que os pais haviam comido da árvore. Há o meio dia do Calvário em que Cristo, fruto da árvore nova, árvore da vida, dá vida aos que estão desfalecendo.
4. Cravos, pregos fixam Jesus à cruz. Os cravos e pregos das paixões nos fixam em nosso eu louco e desvairado. Fazemos a dolorida experiência de que somos escravos de nós mesmos, experiência desse ímpeto de sermos os donos de nossa vida. Saboreamos adoidadamente frutos que parecem tão suculentos e, quando os comemos, há uma espécie de gosto amargo dentro de nós. Os pregos que nos prendiam às paixões são destruídos pelos cravos que fixaram Jesus à cruz. Fomos libertos de nossas amarras pelos cravos do Mestre.
5. Vemos o Cristo coroado de espinhos e o sangue a banhar seu rosto, sangue que se mistura com a poeira e o suor. Lembramo-nos desses espinhos que não deixam plantinha crescer, segundo a parábola do semeador. Esses cuidados por tantas coisas que nos tornam medíocres ouvintes das palavras da Palavra. Nem sempre a Palavra cai em bom terreno. Há cuidados tolos a vida toda.
6. O fel chega à boca do Senhor. Fel se opõe a mel. Quando Francisco de Assis começou seu caminho para a luz, quando começou a querer ser mudado, disse: “Foi assim que o Senhor concedeu a mim, frei Francisco, começar um caminho de penitência: como eu estivesse em pecados, parecia-me sobremaneira amargo ver leprosos. E o próprio Senhor me conduziu entre eles, e fiz misericórdia com eles. E afastando-me deles, aquilo que me parecia amargo, se me converteu em doçura da alma e do corpo; e depois demorei só um pouco e saí do mundo” (Testamento 1-3). O fel quando bebido com caridade perde seu amargor. A conversão nos permite descobrir outras facetas da vida.
7. Proco vê na esponja não em primeiro o lugar o fato de estar impregnada de um líquido que pode matar a sede, mas na esponja que lava. “Ó esponja, lavas o mundo do seu pecado”. A esponja com água lava e mata a sede. E do peito de Jesus brota uma nova água. O Coração de Jesus é fonte. O Coração de Jesus é fonte de água que mata nossa sede de plenitude, água que lava o corpo dos fiéis e seus corações.
“Ó descida à mansão dos mortos que lança uma ponte a fim de que eles passem para o reino da vida”!