1. Cada primeira sexta-feira do mês é, para nós, discípulos de Jesus, ocasião de contemplar a qualidade do amor de Deus pelos homens: nasce frágil criancinha e morre torturado no alto da cruz. Brota sempre em nosso interior um sentimento de gratidão pelo amor do Filho de Deus e somos levados a penetrar na fenda que a lança do soldado abriu no lado do Amado. O Amado nos chama para as núpcias de amor. Os devotos do Coração de Jesus não são seres “adocicados”, mas personalidades fortes que querem tornar o amor Amado e, através da aceitação das contradições da vida reparar a indiferença de tantos para um Coração que amou os homens até o fim. Dois propósitos formulamos aos pés da cruz desse que teve o lado perfurado: agradecimento-reparação e senso missionário, ou seja, o propósito de tornar o Amor amado.
2. O Papa Francisco vive nos convidando a evangelizar, a tornar a terra inteira impregnada de Jesus e de seu mundo novo que chamamos de Reino. A ordem é ir, sair, deixar o adquirido e anunciar a muitos as riquezas do Coração do Senhor. Inúmeras vezes estão sendo repetidas e citadas as palavras do Papa Francisco em sua exortação a respeito da alegria do Evangelho: “A primeira motivação para evangelizar é o amor que recebemos de Jesus, aquela experiência de sermos salvos por ele, que nos impele a amá-lo cada vez mais. Um amor que não sentisse a necessidade de falar da pessoa amada, de apresentá-la, de torná-la conhecida, que amor seria? Se não sentimos o desejo intenso de comunicar Jesus, precisamos nos deter em oração para lhe pedir que volte a cativar-nos. Precisamos implorar a cada dia, pedir a sua graça para que abra nosso coração frio e sacuda a vida tíbia e superficial” (EG 264).
3. Tudo isso se faz através do encontro pessoal com o Ressuscitado. Não basta repetir automaticamente palavras do Credo, nem formular textos cheios de superlativos a respeito do Senhor. Será fundamental que saiamos da tibieza e da superficialidade, conforme diz o Papa. Todos aprendemos a nos deixar tocar pelo capítulo 15 de João, aquele que fala da íntima união entre a videira e os ramos, entre Jesus e os seus (Jo 15,1-8). Quem permanece em Jesus dá fruto porque sem ele nada se pode fazer.
4. Não somos empregados ou funcionários de uma empresa em que as coisas precisam “funcionar”. Somos pessoas tocadas pelo imenso amor.
• Necessário uma grande aproximação da limpidez das páginas dos evangelhos. Nada de extraordinário. Em casa, nas reuniões de grupo, nas celebrações os ouvidos do coração se voltam para limpidez do Evangelho. José A. Pagola diz: “Nos evangelhos se encerra a força mais poderosa que as comunidades cristãs possuem para regenerar sua vida, a energia de que necessitamos para recuperar a identidade de seguidores de Jesus. O evangelho de Jesus é o instrumento pastoral mais importante para renovar a Igreja hoje” (O caminho aberto por Jesus. João, p. 214).
• Palavras duras do mesmo autor espanhol: “A forma como muitos cristãos vivem sua religião, sem uma união vital com Jesus Cristo, não subsistirá por muito tempo: ficará reduzida a uma folclore anacrônico que não trará a Boa Noticia do Evangelho a ninguém. A Igreja não poderá levar a cabo sua missão no mundo contemporâneo se nós, que nos dizemos ‘cristãos’, não nos convertermos em discípulos de Jesus, animados por seu espírito e sua paixão por um mundo mais humano. Ser cristão exige hoje uma experiência vital de Jesus Cristo um conhecimento interior de sua pessoa e uma paixão por seu projeto, que não se requeriam para ser praticante dentro de uma sociedade de cristandade” (idem, p. 215).
5. Precisamos novamente nos deixar seduzir por Jesus, vivo e ressuscitado no meio de nós e centro de tudo;
• Reavivar nossa resposta a Cristo. Seguimos alguém que nos chama e convoca. Não pensar que somos “grande coisa” simplesmente por uma adesão mecânica ao grupo dos católicos. Ele nos chama. Precisamos fazer essa experiência. Queremos, efetivamente, ser do Senhor. Aqui se pede uma compreensão profunda do que vem a ser a vocação para seguir o Mestre que teve o lado aberto no alto da cruz.
• Como discípulos haveremos de ouvir o Mestre: sua Palavra nos textos evangélicos, na Liturgia da Palavra, no santuário da consciência, nos sinais dos tempos, no silêncio, na meditação, na interiorização. Não podemos continuar, no dizer do Papa, a viver uma vida tíbia e superficial. Esse gênero de vida não se sustém.
• Viveremos de maneira profunda e densa a Eucaristia. Não simplesmente participar da missa dos domingos, muitas vezes marcada exageradamente por elementos exteriores, sem que apareça transparentemente aquele que dá a vida pelos seus, que dá seu corpo e verte seu sangue nas aparências do pão e do vinho para a vida do mundo. Aos poucos precisamos compreender que na medida em que damos nossa vida pela via do mundo é que começamos a ser cristãos. Deus nos livre da ideia de apenas cumprir o preceito dominical e tranquilizar a consciência.
• A contemplação profunda do mistério do lado aberto de Jesus, de seu coração fissurado nos leva a mergulhar no amor e não precisamos de muitas palavras. Aqueles dois filetes de sangue e de água que brotaram do lado do homem do peito aberto nos ajudam a reencontrar o fervor do primeiro amor.
• Jesus não é uma ideia, um personagem do passado. O homem da fé não se limita a acolher um conjunto de doutrinas, mas Alguém vivo que dá sentido à sua vida. Precisa fazer uma profunda experiência de adesão ao Ressuscitado.
6. Terminamos esta breve meditação novamente com José A. Pagola: “É triste observar a atitude de muitos setores católicos cuja única obsessão parece ser “conservar a fé” como “um depósito de doutrinas, que se deve saber defender contra o assalto de novas ideologias e correntes. Crer é outra cosia. Antes de tudo, nós crentes devemos reavivar nossa adesão profunda à pessoa de Jesus Cristo. Só quando vivermos “seduzidos” por ele e trabalhados pela força regeneradora de sua pessoa, poderemos transmitir hoje seu espirito e sua visão de vida. Do contrário, pronunciaremos com os lábios doutrinas sublimes, mas vamos continuar vivendo uma fé medíocre e pouco convincente” (Pagola, Mateus, p. 203-204).
Frei Almir Ribeiro Guimarães