A palavra de Deus é a árvore da vida a oferecer-te por todos os lados o fruto abençoado, à semelhança do rochedo fendido no deserto que, por todo o lado, jorrou a bebida espiritual. Comiam, diz o Apóstolo, do alimento espiritual e bebiam da bebida espiritual (Santo Efrém, Liturgia das Horas III, p. 173).
1. Efrém, o diácono, poeta e músico, descreve a palavra de Deus. Tenta defini-la. A palavra de Deus é a arvore da vida. Poderíamos esperar outras metáforas: semente, comunicação interior, sussurro, segredo revelado ao coração. Mas ele diz que ela é árvore da vida. Quando fala em Palavra de Deus pensa na Sagrada Escritura, cujos escritos são precisamente considerados como palavra de Deus. Efrém diz que a palavra é uma árvore frondosa, que oferece frutos de todos os lados. Sim, podemos entender. Ao longo do tempo, nas estações da vida, estendemos as mãos e colhemos aqui e ali um fruto que nos alimenta. As inspirações do Senhor chegam até nós como forte alimento.
2. Hoje se fala muito em leitura orante da Bíblia, lectio divina que não consiste apenas numa leitura pragmática e interesseira da Bíblia. Cuidado com as ilusões. Não basta reunir meia dúzia de pessoas, ler alguma coisa da Bíblia e dizer que fomos alimentados. Há muitos cuidados a serem tomados para que se possa dizer que determinada leitura da Bíblia seja orante, seja alimento e bebida. Fica claro: assim como os frutos da árvore alimentam, da mesma forma a palavra nutre espiritualmente.
3. Árvore lembra a cruz, o lenho da cruz, a cruz cheia de vida, a árvore que produziu o mais substancioso e vigoroso fruto chamado Jesus oferta, Jesus que ama até o fim. Um fruto sem acidez, sem gosto amargo. Dizer que a Palavra é a árvore da vida quer dizer que Deus fala pela cruz e sobretudo por aquele que ali está pendurado e morre. Cirilo de Jerusalém diz: “A salvação sempre veio do madeiro. Com efeito, no tempo de Noé a vida foi conservada pela arca de madeira. No tempo de Moisés, ao ver o seu bastão, o mar intimidou-se diante daquele que o golpeava. Teve, então, tanto poder o bastão de Moisés e será ineficaz a cruz do Salvador?” (Lecionário Monástico, II, p. 473).
4. Efrém fala de uma árvore que oferece vida por todos os lados, como o rochedo fendido no deserto que dessedentava a garganta ardente do povo. O lenho da cruz é “rompido” e esparge água viva. No lenho da cruz está o Cristo. O soldado abre-lhe o lado e esparge o amor. É o tema do Coração do Senhor que aparece no peito aberto. Continua Cirilo: “O madeiro, no tempo de Moisés, abrandou a água. E do lado de Cristo, a água correu sobre o madeiro. A água e o sangue constituíram o primeiro dos sinais de Moisés; o mesmo ocorreu no último sinal de Jesus. Primeiro Moisés mudou o rio em sangue; Jesus, no fim, deixou correr de seu lado água e sangue” (Idem, ibidem).
5. No alto da cruz está a síntese da Palavra de Deus, da comunicação de Deus, da força do amor-palavra. No madeiro, na árvore está a vida que vem de Deus. Não existe maior amor do que na solidão e na dor entregar-se no amor a todos. Contemplando o peito aberto de Cristo os verdadeiros e sinceros discípulos sempre viram a maior comunicação do amor do Altíssimo. Não cultivamos uma devoção melosa e sentimental. Temos um desejo de plenitude que é colocado em nós por aquele que nos plenifica, o Senhor. Bebendo da água do amor estaremos caminhando para tal plenitude. Essa fonte é tão generosa que nunca seca. Somos seres insaciáveis de vigor, de vida, de plenitude. Por isso, Efrém continua: “O sedento enche-se de gozo ao beber e não se aborrece por não poder esgotar a fonte. Vença a fonte a tua sede, mas não vença a tua sede a fonte. Pois se a tua sede se sacia sem que a fonte se esgote, quando estiveres novamente sedente dela poderás beber. Se, porém, saciada tua sede também se secasse a fonte, tua vitória redundaria em mal” (Idem, ibidem).
6. É João Crisóstomo que fala belamente dos frutos da árvore. Fala que do lado do Senhor saiu sangue e água. “Não quero, querido ouvinte, que trates com superficialidade o segredo de tão grande mistério. Falta-me ainda explicar-te outro significado místico e profundo. Disse que esta água e este sangue são símbolos do batismo e da eucaristia. Foi desses sacramentos que nasceu a santa Igreja, pelo banho da regeneração e pela renovação do Espírito Santo, pelo batismo e pela eucaristia que brotaram do lado de Cristo. Pois Cristo formou a Igreja de seu lado traspassado, assim como do lado de Adão foi formada Eva, sua esposa” (Lecionário Monástico, II, p. 580).
O sedento enche-se de gozo ao beber e não se aborrece por não poder esgotar a fonte. Vença a fonte a tua sede, mas não vença a tua sede a fonte. Pois, se a tua sede se sacia sem que a fonte se esgote, quando estiveres novamente sedento, dela poderás beber. Se, porém, saciada tua sede também secasse a fonte, tua vitória redundaria em mal (Santo Efrém, idem, p. 174).