Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp
A ternura pode ser um programa de vida para nós. Quando a relacionamos com a palavra coração, adquire traços reais. Um coração de ternura possuem aqueles que abraçam a vida com um olhar positivo em relação à história e ao ser humano. A ternura se mostra, não se diz. Vamos tentar explicar com um exemplo.
Antes de concluir a sua catequese da quarta-feira, dia 27 de março, o Papa Francisco emocionou aos fiéis com uma homenagem a Irmã Maria Concetta que estava de passagem pela Itália. Trata-se de uma anciã (85 anos) que dedica todo seu tempo aos serviços da missão de sua congregação entre os africanos mais vulneráveis do Congo. Isso há mais de 60 anos! (foto acima) Por que essa velhinha tão dócil tocou em profundo a vida do Papa? Quem leu o livro-entrevista de Fernando Prado, A força da vocação, sabe que lá Francisco fala sobre essa missionária para explicar o que deve ser a vida religiosa hoje. Irmã Concetta é obstetra. No seu primeiro encontro com Francisco, na República da África Central, trazia nos braços uma criança com 3 anos que, durante o parto, perdeu a mãe. “Santo Padre, ela ficou abandonada, senti que Deus me pediu para adotá-la”. Ouvindo este testemunho, Francisco entendeu que a força da vocação é a ternura que assumiu o primeiro lugar no coração daquela mulher e plasmou todo o seu estilo de vida.
Um coração de ternura não está preocupado em explicar os porquês, mas simplesmente oferece-se sem reservas. Uma mãe deixa de comer para alimentar primeiro o filho. Um preso em um campo de concentração pede para assumir o lugar de um pai de família que está caminhando para a câmara de gás. Este tipo de razão cordial denuncia, mas sem fazer uso das palavras, que as nossas elucubrações muitas vezes passam longe do essencial e terminamos por fantasiar a vida com questões desnecessárias.
A ternura caminha sobre as pegadas da liberdade, nunca das normas. É profética e livre. Quando age, os doutores da lei de plantão ficam embaraçados. Para uma comunidade de fé ou qualquer que seja a experiência humana, um coração de ternura é a única solução para desatar os nós das confusões que criamos com as nossas inseguranças existenciais. Vejamos o caso de algumas paróquias que se transformaram em laboratórios de burocracias: horários para tudo, tempo limitado para os sacramentos, o contato face a face precisa ser agendado meses antes, senão os popstar da fé não conseguem programar a agenda de eventos. Tudo enrijecido e justificado em nome da chamada organização paroquial. O pior de tudo é que não nos damos conta, ou não queremos admitir, que estamos dentro de um labirinto simplesmente pelo fato de que tudo isso, em certo sentido, é cômodo.
Para os que cultivam um coração de ternura todo o aparato de estruturas é apenas um meio, nunca um fim. Um meio para fomentar as relações e não para garantir privilégios. Além disso, se a estrutura se transforma num fardo e impede de sonhar, de alimentar a utopia, aqueles que se guiam pela ternura são também corajosos ao ponto de fechar e encerrar estruturas que escravizam a pessoa. Talvez é esta ousadia que a vida religiosa precisa cultivar hoje. Reflitamos um instante: onde queremos chegar com as nossas correrias de cada dia? Em alguns casos, ao olharmos para trás, descobrimos que não restou quase nada daquilo que investimos em estruturas. Quando outros assumem o nosso lugar mudam e fazem segundo aquilo que é do agrado deles. O que permanece, por outro lado, são aqueles gestos de humanidade que refletem o núcleo da mensagem de Jesus, como estes da irmã Concetta. Neste sentido, os mestres de hoje são os missionários abnegados porque se preocupam mais com a vida em sua dimensão de ternura, do que em fazer grandes estruturas que nos dão a falsa impressão de sermos reis.
Ao tentar interpretar a vida religiosa a partir de um coração de ternura descobrimos que a única estrada que nos resta é a do Evangelho, mas em sua forma secularizada. O que seria então esta forma? Trata-se de viver em profunda sintonia com o mundo e os seus dramas, sem nos refugiarmos em formas de sacralidade atemporais. Eu não queria, mas sou obrigado a dizer que na minha Igreja que tanto amo, há um cardeal que precisa de mais ou menos 30 minutos antes da santa missa só para vestir suas luvas, capas medievais, cordões, anéis, enfim um conjunto de vestimentas usadas para revelar a “pureza” do ministro, como dizem. O pior é que vários irmãos jovens do sacerdócio sentem um tipo de êxtase diante deste espetáculo. Não seria a hora de iniciarmos um diálogo aberto em nossos seminários e conventos sobre o essencial da vocação? É aqui que valeria realmente apena insistir na formação de um coração de ternura, verdadeiro terreno onde se cultiva a vida de futuros profetas e discípulos missionários.
Pe. Ademir Guedes Azevedo é missionário passionista e mestrando em teologia fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana.