1. Introdução
Ano passado recebi do Setor de Comunicação da Sede Provincial um convite para participar de uma entrevista sobre a Custódia da Terra Santa, sobre a missão dos franciscanos que aqui vivem, incumbidos de guardarem os Lugares Santos e sobre a atividade que desenvolvo como representante da Província Franciscana da Imaculada.
Venho, agora, colaborar, movido pela ideia de registrar algumas experiências pessoais com a intenção de ser portador de um melhor conhecimento da Terra Santa e, também, para compartilhar um pouco da espiritualidade que os Lugares Santos nos transmitem. A região, chamada por antonomásia de Terra Santa, porque possessão de Deus, foi confiada há mais de 800 anos aos Frades Menores. Não poderia me esquivar da solicitação, tendo o privilégio de viver aqui e observar tudo tão de perto, como um tempo de graça. Muitas vezes a Terra Santa é lembrada e somente mencionada quando se trata da Coleta para os lugares Santos (na Sexta-feira Santa). Embora a coleta una os cristãos, de todo mundo, a Terra Santa urge ser mais conhecida e divulgada.
No lugar da entrevista desejada, transcrevo e compartilho estes pensamentos, compilando muitas vezes tudo o que pesquisei, usando de tradução, adaptação de materiais disponíveis em sites, revistas e livros relacionados à Terra Santa. Deles lancei mão para servirem de testemunhas de tudo quanto aqui tenho experimentado, a fim de compor um texto fidedigno. Confesso que o faço com uma
Sofreguidão, com uma sutil inveja de quem sabe escrever.
Sou impelido também pelo itinerário quaresmal que já iniciamos, pois, a cada ano, viver a Quaresma na Terra Santa tem significado e sabor especiais. Aqui se vive uma perene Quaresma. A fisicalidade desses lugares e as jornadas necessárias para ir de um para outro nos lembram que a vida cristã é um percurso.
Nossa vida biblicamente se compreende como um peregrinar, todos somos peregrinos, estamos em constante “saída” (Êxodo). “Quaresma” e “Peregrinação” referem-se à mesma história: sair de si mesmo, permitir que o Senhor seja companheiro, até que se descubra que “o deserto pode também florescer”.
Aqui se vive a Quaresma, todo ano, no ciclo litúrgico, traz à mente os quarenta anos do povo de Deus no deserto e os dias de jejum vividos pelo Senhor antes de assumir sua missão pública. O caminho para a Páscoa tem o sabor das origens. Pisando este lugar, os textos bíblicos e litúrgicos, imediatamente referem-se a lugares concretos para o povo hebreu.
Os santos papas Paulo VI e João Paulo II chamaram a Terra Santa de “geografia da salvação”, porque indica os locais onde ocorreu a história da Salvação, os eventos bíblicos, narrados no Antigo e no Novo Testamento.
Essa porção – Terra Prometida – foi um destino também de peregrinação para o povo o hebreu. É a terra “santificada” pela presença do único e verdadeiro Santo, que é o próprio Deus. É especialmente, para nós cristãos a Terra banhada pelo sangue da humanidade de Jesus e que preserva, entre as suas montanhas, vales, cidades e aldeias, o eco da mensagem de salvação, para os que creem.
A Terra Santa se constitui de uma paisagem de muitas pedras cuja simbologia na bíblia é muito rica. As pedras foram tomadas como exemplo nos textos sagrados de várias maneiras, e a sua importância vai muito para além da mera aparência física. Assim, caminhar ao longo dessas pedras continua sendo uma das experiências espirituais mais poderosas que um cristão pode ter. “Há um magnetismo nessas pedras que a razão não consegue entender”, disse um nosso estudioso bíblico franciscano.
Temos aqui as pedras da paisagem característica e as pedras vivas, que são os peregrinos. Pedras por onde quer que se olhe: nas ruas, na arquitetura das casas, nas paredes das lojas, nos lugares públicos e nos portas e muros que cercam a cidade velha. Aqui, as construções e casas devem ser edificadas de pedra.
Amar essas pedras que guardam a memória de Jesus também levou os franciscanos a amarem as pedras vivas, as comunidades cristãs, que sempre viveram aqui. Os frades não foram e não são somente os “guardiães” das pedras e dos lugares – Santuários edificados –, a fim de preservar seu valor, mas têm também como obrigação, tornar essas pedras, pedras vivas, fazê-las falar aos corações e às mentes de todos aqueles que empreendem sua viagem à Terra Santa, para que, por meio da fé, passem a ver as “simples pedras” como “pedras que falam”.
“Se ao menos estas pedras falassem”, é uma expressão que muitas vezes ouvimos de outros ou que nós próprios proferimos. Mas quando se visita os parques arqueológicos, descobre-se que as pedras podem de fato falar, testemunhando a passagem de povos, culturas e religiões que nos precederam.
Uma terra cheia de sentidos e significados. Mais que o sentido oferecido pela visão, que explora todos os contornos do lugar, enobrece-nos o de experimentar o Sagrado da terra.
Em Jerusalém, onde vivo, temos muitas pedras. Todas são memoriais da vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus. Jerusalém, a cidade icônica da Terra Santa, onde se deslumbra o desfile da diversidade pelas ruas da Cidade Velha, do Monte das Oliveiras (onde se situa o meu Convento), a suntuosa e a dourada Cúpula da Rocha – um dos locais importantes para os muçulmanos. Ali ficava o antigo templo de Jerusalém e, bem ao lado, o Muro das Lamentações, uma parte do Templo que foi preservada e pertence aos hebreus.
Na parte final do Apocalipse, dedicada à descrição da Jerusalém, a nova ordem de coisas foi instaurada pela morte e ressurreição de Cristo, e projetado em dois grandes símbolos, aquele da criação e aquele do paraíso do Gênesis. A Jerusalém terrestre corresponde à Jerusalém celeste, e esta, tal como é descrita por S. João, é feita de pedras preciosas e esplêndidas. A daqui deve ser a prefiguração concreta da Cidade do céu.
O Santo Sepulcro em Jerusalém é o coração do cristianismo. Guarda a rocha do Calvário e a Tumba escavada na pedra, pertencente a José de Arimatéia, sendo o coração da cidade velha para os cristãos. Dentro da Basílica convivem, em acordo, as comunidades cristãs responsáveis pelo Status onde se procura viver uma relação de colaboração, de confiança e de irmanação entre a Igreja Latina de Jerusalém (Católicos), a Igreja Grego-Ortodoxa, a Igreja Armena, que têm direito de propriedade; e as Igrejas Copta e Siríaca, que possuem direito de celebrar e não de propriedade.
Enfim, Jerusalém é um espaço de profundo significado espiritual para seguidores das três principais religiões abraâmicas: local sagrado para os hebreus; local sagrado para os cristãos, local sagrado para os muçulmanos, ou seja, para o judaísmo, para o cristianismo e para o islamismo. Além das menções da região no Alcorão, foi onde, segundo a tradição muçulmana, ocorreu a ascensão de Maomé aos céus.
A Terra Santa foi chamada pelo Papa Paulo VI de “o Quinto Evangelho”, porque conhecê-la – sua história, seu ambiente humano e geográfico –, contribui efetivamente para uma compreensão mais viva da mensagem da Sagrada Escritura. Primeiro sucessor de São Pedro a empreender uma peregrinação à Terra Santa, Paulo VI fez sua viagem em janeiro de 1964, enquanto a Igreja celebrava o Concílio Vaticano II. Ele chegou a Amã, na Jordânia. De lá, se dirigiu até Jerusalém, depois de parar para orar às margens do Rio Jordão e no convento franciscano de Betânia. Essa foi uma peregrinação carregada de grande importância histórica e simbólica para a Igreja. Paulo VI visitou os lugares da vida e da passagem de Jesus Cristo, levando, como ele, a mesma mensagem de concórdia. Histórico foi o abraço do Romano Pontífice com o Patriarca Ecumênico de Constantinopla Atenágoras. Como sabemos, os papas seguintes o imitaram.
Outros, escritores de textos-guias para incentivo do peregrino, chamam também essa terra sagrada de “Oitavo Sacramento”, porque, como nos outros sete, permite que o cristão experimente Jesus Cristo. Portanto, um lugar privilegiado onde a palavra de Deus se torna concreta todos os dias.
Ao lado dos Lugares Santos, muitas vezes, encontram-se as igrejas locais. Estas comunidades são constituídas por paróquias de diferentes ritos e tradições, tanto católicas como ortodoxas (ocidentais e orientais).
Nesta estreita faixa de terra reside a origem da fé religiosa de grande parte da humanidade. Aqui, entre as alturas áridas e as planícies férteis, o espírito humano aprendeu a se elevar, e daqui uma nova mensagem foi enviada ao mundo inteiro: “… e muitas pessoas virão e dirão: Vem, vamos subir para o monte do Senhor, à casa do Deus de Jacó; para que ele nos mostre os seus caminhos, para que andemos nas suas veredas.” Porque de Sião virá a lei, e de Jerusalém a palavra do Senhor”.
A própria Sagrada Escritura se define assim:
“É uma terra boa, terra de torrentes, de nascentes e nascentes que correm nas montanhas e nos vales; terra de trigo e de cevada, de vinhas, de figueiras e de romãs, terra de olivais e de mel… que bebe a água da chuva do céu; é uma terra da qual o Senhor, seu Deus, cuida (Dt 8, 7-9; 11, 10-15)”.
É uma terra antiga que aparece gradualmente na história, dentro do território sírio entre o Egito e o rio Eufrates. Devido à sua posição, entre a África e a Ásia, a área quase sempre foi (e é ainda hoje) um campo de batalha. Ondas de conquistadores afluíram para cá, ansiosos por controlar as rotas comerciais estratégicas que ligavam os centros do mundo antigo. Com uma regularidade quase previsível, o controle da região passou sempre de uma potência vitoriosa para outra.
Também podemos descrevê-la assim: a Terra Santa se encontra entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo. A área se estende entre os territórios de Israel, Cisjordânia, Jordânia e Palestina. É evidente que, ao olhar pata o deserto, se possa imaginar a caminhada do povo hebreu por quarenta anos. A maioria das áreas desérticas está localizada no sul do país. Avançando, por exemplo, no deserto da Judeia, chega-se a Jericó. Essa cidade, na Palestina, fica a 240 metros abaixo do nível do mar.
Banhado pelo Mar Mediterrâneo, Israel faz os olhos brilharem com a beleza das praias de Haifa, Tel Aviv e Jafa. Vários eventos bíblicos, inclusive da vida de Pedro, ocorreram nessa última. As histórias da vida do apóstolo estão registradas na Igreja de São Pedro e na cidade velha de Jafa, que tem um porto marítimo considerado o mais antigo do mundo. Foi lá que a madeira do cedro do Líbano, usada na construção do Templo, na época de Salomão e Zarobabel, foi desembarcada.
Ao Norte, erguem-se montanhas, como as cordilheiras do Monte Carmelo, o monte Hermon. Os riachos que acompanham a cordilheira mantêm a região verde durante quase todo o ano. Entre as montanhas da Galileia e Samaria está o Vale de Jezrael, a região mais agrícola de Israel. Temos a vista do Monte do Precipício, de Nazaré, da cidade histórica de Megido e do Monte Tabor. A montanha, nas Escrituras sagradas, é sempre um lugar de revelação de Deus. Como foi com Moisés no Horeb e no Monte Tabor, onde Jesus se transfigura para os discípulos que proclamaram ser muito bom ficar ali. Ao Sul, o deserto de Neguev, o deserto mais a sul da Terra Santa onde se chega a Eilat, já no Mar Vermelho, uma cidade turística na fronteira sul de Israel com a Jordânia, o Egito e a Arábia Saudita.
Destaco os seguintes lugares de importância:
Rio Jordão: A leste de Jericó encontra-se o ingresso ao lugar que faz memória do batismo recebido por Jesus pelas mãos de João Batista, no Rio Jordão. O rio corre no meio desse venerado território, cortando-o em duas partes politicamente distintas e constituindo, hoje, o confim entre a área controlada por Israel (ao ocidente) e pela Jordânia (a Leste).
O lugar do batismo é indicado com o nome árabe de Qasr al-Yahud, rocha dos hebreus, provavelmente recordando a passagem do rio por parte dos israelitas, ao chegar na Terra Prometida (Js 3,14-17).
Mar Morto: No meio do deserto da Judéia, em Israel, existe um imenso lago com alta concentração de sal: é o Mar Morto. Localizado a, aproximadamente, 400 metros abaixo do nível do mar, encontra- se no ponto mais baixo do planeta.
“O termo “Mar Morto” não aparece na Bíblia: a Bíblia fala do “Mar de Sal” e também do “Lago de Asfalto”, e a tradição muçulmana fala do “Mar de Ló” -. Mas os rabinos, com base na geografia e topografia de Israel, notaram que ao norte está o Lago da Galiléia, ou Lago Gennezareth, que é chamado de “Lago da Vida”, e ao sul temos o “Mar Morto”. Apesar do nome – “Morto” – são muitos os episódios narrados na Bíblia que aconteceram nesta região: histórias aparentemente escondidas, que são reveladas na Sagrada Escritura. Numerosos acontecimentos bíblicos ocorreram perto do Mar Morto, na cidade de Ein Gedi.
Lago de Genesaré: Numerosos são os nomes pelos quais esta grande bacia de água doce é conhecida, são cerca de 21 Km de comprimento, cerca de 12 de largura e está localizada a aproximadamente 200 metros abaixo do nível do mar. Mas em todas as línguas e em todo o mundo é conhecido como o Lago de Jesus. De fato, inumeráveis são as citações bíblicas dos eventos que ocorreram em suas margens.
Para o povo judeu, é “Yam Kinneret”: Yam “Lago – ou mar’, porque na língua hebraica o termo é o mesmo, enquanto Kinneret significa “harpa”, com a qual assemelha-se o seu formato. O lago também é conhecido como “Lago ou Mar da Galiléia” a partir do nome da região com a qual faz fronteira; enquanto no Evangelho de João é chamado “Lago de Tiberíades”, nome da cidade, que já existia na época. Por fim, também é conhecido como “Lago de Gennezareth”, um nome grego que deriva de Ginnosar, com o qual a planície adjacente é indicada em hebraico.
2.Um pouco de uma história linga com mais de 800 anos
2.1. Origem de tudo
A origem da Custódia da Terra Santa remonta a 1217, quando, no Capítulo Geral convocado pelo próprio São Francisco de Assis, a Ordem Franciscana, por ele fundada em 1209, foi subdividida em províncias, no qual se decidiu a realização de grandes missões no exterior, fora da Itália, que se estendia a todas as regiões que gravitavam em torno da bacia mediterrânica (entre as quais a da Terra Santa, confiada aos trabalhos de Frei Elias, por seu talento organizativo.) do Egito à Grécia e mais além. Nos documentos foi apresentada com nomes diferentes: Província da Síria, da România ou Ultramarina.
Portanto, a Custódia da Terra Santa, podemos dizer, teve em Santa Maria dos Anjos, próximo de Assis. São Francisco, em um gesto inspirativo, decide mandar os seus frades a todas as nações.
Os primeiros frades chegaram à Terra Santa em 1217, guiados por Fr. Elias de Cortona.
O próprio São Francisco quis visitar pelo menos uma parte da Província da Terra Santa. Os documentos que relatam a presença do “Pobrezinho de Assis” entre os Cruzados, são do conhecimento de todos. Como também é conhecido o encontro de São Francisco com o Sultão Egípcio, Melek-el-Kamel, neto de Saladim o Grande. Os mesmos documentos relatam que Francisco, depois de ter deixado Damieta, dirigiu-se à Síria. Em 1219, São Francisco de Assis embarcou de Ancona para visitar a Província da Terra Santa, aportando em Acre, onde encontra com Frei Elias e outros companheiros que lá estavam. Permaneceu, por vários meses, entre 1219 e 1220 chegando, depois, a Damieta.
Chegou depois a Damieta. O seu desembarque no Egito, na linha da frente da guerra pela conquista de Damieta, levou-o a obter do delegado papal a autorização para se encontrar com o sultão Ayyubid al-Malik al-Kamil. O encontro constitui ainda hoje uma das páginas mais importantes da história da Ordem Franciscana e do diálogo entre cristãos e muçulmanos. O frade de Assis participou como arauto da paz na Quinta Cruzada, certamente sem associar-se como combatente. Retornando para a Itália, São Francisco deixou na missão os seus irmãos. Tratou logo de fazer com que os seus frades permanecessem, a todo o custo, naquela Terra abençoada. Com a permissão do sultão a ele concedida, lá ficaram e viveram segundo lhes virá indicado na Regra que Francisco especialmente escreveu depois da viagem ao Egito. As diretrizes indicadas por Francisco para a missão dos frades são simples: primeiro o testemunho de vida e depois o anúncio explícito do Evangelho, quando oportuno. Desde então até hoje, seguindo essas indicações, os frades da Custódia viveram ao lado do povo da Terra Santa, abriram caminhos aos peregrinos, muitas vezes enfrentando perseguições e sofrimentos.
Não é certo que São Francisco de Assis tenha visitado os Lugares Santos de Jerusalém, pois a cidade só foi libertada por um breve período em 1229, três anos após a morte do Santo. Só nesse ano, graças a uma trégua na guerra entre muçulmanos e cristãos, os Frades Menores puderam instalar-se na, hoje, V Estação da Via Crucis.
Em 1263, a Província da Terra Santa foi reorganizada em entidades menores, chamadas Custódias, para facilitar as atividades dos franciscanos. Surgiram assim as Custódias de Chipre, Síria e a mais propriamente chamada Custódia da Terra Santa. Essa última incluía os conventos de Jerusalém e as cidades litorâneas de Acre, Antioquia, Sidônia, Trípoli, Tiro e Jafa.
Durante esse período, o apostolado dos Frades Menores na Terra Santa desenvolveu- se, principalmente, no âmbito da presença das Cruzadas.
Em 1291, a cidade de Acre, o último reduto dos cruzados na Terra Santa, caiu nas mãos dos muçulmanos.
Os cristãos foram submetidos a duras provas. Os franciscanos foram expulsos da Terra Santa e obrigados a refugiar-se em Chipre,
No entanto, os franciscanos, que se refugiaram em Chipre, onde a Província Oriental tinha sua sede, continuaram a planejar e implementar todas as formas possíveis de presença em Jerusalém e nas outras áreas dos santuários palestinos.
Isso se deveu à proximidade geográfica e encontrar um modo de viver próximo dos Lugares Santos.
Apesar de muitas dificuldades, os Frades Menores continuaram a estar presentes e a exercer todas as formas possíveis de apostolado. Sua presença no serviço do Santo Sepulcro é certa.
Um dos primeiros gestos de benevolência cumpridos a favor dos franciscanos veio por parte do sultão Bibars II (1309-1310) o qual doou a eles a” igreja de Belém” mas, por motivo de morte repentina deste sultão, os frades não puderam tomar posse da igreja. Em 1322, Jaime II de Aragão, obteve do sultão Egípcio Melek el Naser que a proteção do Santo Sepulcro fosse confiada aos Dominicanos Aragonenses. Mas a autorização pareceu inválida. O próprio Jaime II, quatro anos depois em 1327 implorava novamente a graça suprema, mas desta vez não aos Dominicanos e sim aos franciscanos.
A Bula do Papa João XXII, emitida em 9 de agosto de 1328, concedia ao Ministro Provincial, residente em Chipre, a faculdade de enviar a cada ano dois frades para visitar os Lugares Santos. Na realidade, já no período que vai de 1322 a 1327, alguns franciscanos, como dissemos, prestavam serviços no Santo Sepulcro.
O retorno definitivo à Terra Santa, com a posse legal de alguns santuários e o direito de uso de outros, deveu-se aos reis de Nápoles, Roberto de Anjou e Sancia de Maiorca, que em 1333 adquiriram do sultão do Egito o Santo Cenáculo e o direito de realizar celebrações no Santo Sepulcro. Eles também estabeleceram que eram os Frades Menores que gozavam desses direitos em nome da cristandade.
Foi graças à interseção deles que as autoridades muçulmanas locais concederam aos franciscanos esse direito.
Em 1342, o Papa Clemente VI, com as bulas Gratias agimus e Nuper carissimæ, aprovou o trabalho dos reis de Nápoles e deu provisões para a nova entidade, a Custódia da Terra Santa representar a Igreja de Roma nos Lugares Santos, ou seja, o reconhecimento jurídico por parte da Santa Sé.
Em suma, a Custódia nasce para que os Frades pudessem “habitar continuamente na igreja do dito Sepulcro” (porque os Frades já estavam presentes em Jerusalém quando a bula “Gratias Agimus” foi emitida por Clemente VI) e “também celebrar solenemente ali Missas cantadas e Ofícios Divinos”.
2.2. A Custódia da Terra Santa: 800 anos ao longo dos passos de Jesus
A Custódia é uma das províncias religiosas da Ordem dos Frades Menores. Atualmente está sediada no Convento de São Salvador, em Jerusalém. Vem apelidada ou chamada de “Pupila dos olhos da Ordem” (“Guardai-me como a pupila dos olhos, escondei-me à sombra de vossas asas”), isto é, de sua missão, e por isso mesmo, considerada a pérola de todas as províncias. Já era apresentada, desde o início, como sendo a “Província” mais importante da Ordem. Daí a compreensão de como religiosos, de todo o mundo, assentem ao chamado para uma missão particular: custodiar os lugares da Redenção.
O responsável pela Custódia da Terra Santa, o Custódio, seu “Ministro Provincial”, vem nomeado pelo governo central da Ordem dos Frades Menores com a aprovação explícita da Santa Sé. Vem chamado de Custódio porque “guardião” do Santo Monte Sião e do Santíssimo Sepulcro de NSJC.
Na Custódia vivem mais de 250 religiosos franciscanos, frades pertencentes à própria Custódia e também frades pertencentes à outras Províncias do mundo, denominados “frades a serviço”, porque por um determinado período. Convivem junto aos frades algumas congregações femininas cujos trabalhos são zelosamente coordenados pelo Custódio. Atualmente, é a única província da Ordem com caráter internacional, pois é composta por frades de todo o mundo que servem nos principais santuários da Redenção, entre os quais se destacam o Santo Sepulcro, a Basílica da Natividade, em Belém, e a Igreja da Anunciação, em Nazaré.
Muito importante também é o trabalho dos Comissários da Terra Santa, frades que se dedicam a tornar a Custódia conhecida em mais de cinquenta países pelos Comissariados, criando aquele movimento de interesse pelos lugares de origem da fé cristã que é representado pelos peregrinos.
É justo lembrar aqui a figura do penúltimo Custódio, Frei Pierbatistta Pizzaballa, hoje Patriarca de Jerusalém (do Patriarcado Latino), cujo trabalho alterou profundamente o papel do Custódio da Terra Santa, tanto pelo seu carisma pessoal assumindo um papel muito mais “público”, como da própria Custódia que adquiriu visibilidade internacional, impensável antes do advento da Internet. Por seu empenho, a Custódia adquiriu uma série de instrumentos de comunicação, como o site institucional e o Centro de Mídia Cristã, mudanças radicais essas ocorridas, com o fito de levar a todas as partes do mundo notícias sobre a Terra Santa, documentários e reportagens sobre os Lugares Santos, e de transmitir, ao vivo, as próprias celebrações a partir dos vários santuários. Antes, o próprio Custódio era um desconhecido, poucas pessoas sabiam, mesmo no mundo católico, quem era o Custódio da Terra Santa.
2.3. A Custódia em números
A Custódia da Terra Santa é uma realidade complexa:
2.3.1. Ela é composta por:
– 268 irmãos (incluindo 4 bispos), aos quais se acrescentam noviços e postulantes;
-178 estão inscritos na Custódia e 90 estão em serviço, vindos de diferentes províncias da Ordem;
Além desse número, há cerca de 50 estudantes;
– cerca de 60 nacionalidades diferentes
– presença em 11 países (Argentina, Chipre, Egito, Israel, Itália, Jordânia, Líbano, Palestina, Rodes, Síria e EUA);
2.3.2. Suas atividades dividem- se em:
– 65 santuários pertencentes à Custódia e outros 16 em copropriedade com outras comunidades + 1 em que se realizam peregrinações (total 82)
-7 “Casas Novas” para acolher peregrinos;
– 23 paróquias e filiais;
– 18 escolas com mais de 10.000 alunos, incluindo uma escola de música Magnificat em Jerusalém;
– 3 centros de estudo apoiados pela Custódia (Studium Theologicum Jerosolymitanum, Studium Biblicum Franciscanum e Centro Franciscano de Estudos Cristãos Orientais);
– acolhimento gratuito (financiado pela CTS) de cerca de 50 estudantes provenientes das diferentes províncias da Ordem e inscritos no STJ ou na SBF;
– obras e projetos sociais (640 casas mantidas pela Custódia, das quais 480 são doadas a cristãos pobres com aluguel gratuito e as demais com aluguel reduzido, centros de acolhimento para crianças e idosos, oficinas de artesanato, etc.);
– atividades em favor dos trabalhadores migrantes (na sua maioria cristãos), especialmente em Chipre, Israel, Líbano e Rodes;
– na Síria, além das atividades pastorais em tempos de guerra, a assistência social constante aos cristãos e muçulmanos e especialmente às crianças traumatizadas pela guerra;
– trabalho de comunicação e divulgação cultural através dos seus sites, Edições Terra Santa (MI-Itália), revistas Terra Santa (em 5 idiomas), o Christian Media Center (CMC) (notícias semanais em 8 idiomas e transmissões ao vivo dos principais eventos e celebrações);
– o Centro de Informação Cristã (CIC), Museu Terra Santa e de órgão Terra Santa
(Fonte: Terre Sainte Magazine Novembro/Dezembro 2024)
Entre as atividades desenvolvidas pelos Franciscanos da Terra Santa estão a manutenção das estruturas no seu correto funcionamento, a animação das liturgias nos santuários e o acolhimento dos peregrinos que, vindos de todas as partes do mundo, para visitar e rezar encontrem à sua chegada a acolhida dos frades. Os franciscanos também cuidam das diferentes paróquias de rito latino que têm o seu coração e a sua sede nos Lugares Santos. E são muitas as atividades formativas e sociais da Custódia para apoiar a presença cristã na Terra Santa.
Habitar os Santuários e santificar o tempo (a Liturgia) são a base da nossa missão, uma missão que não foi dada pelos próprios frades (Custódia), que nem sequer veio da Ordem, mas diretamente da Igreja! De dois, os Santuários passaram a ser hoje oitenta e dois, nem todos exclusivamente nas “mãos” dos Frades, alguns até “perdidos dos frades” mas, nos quais, ainda há o direito de celebrar funções litúrgicas (é interessante que a única relação que nos liga a estes últimos Santuários são as funções litúrgicas!).
2.3.3. Santos e Mártires da Custódia da Terra Santa
São cerca de quinze os frades franciscanos cuja vida está ligada, pelo menos em parte, à Terra Santa e à missão da Custódia, elevada à honra dos altares.
Alguns são também mártires e testemunhas da fé, homens que exerceram de modo heroico as virtudes cristãs e viveram uma vida de santidade. Pode dizer-se que todos eles são missionários. Chegaram à Terra Santa por caminhos também misteriosos e aqui entregaram a sua vida.
O martírio, como é sabido, significa testemunho, ou seja, afirmação subjetiva e objetiva da fé. Subjetiva, porque com ela o mártir atesta a própria convicção, que se identifica com a própria personalidade, da certeza que possui e que não pode de modo algum trair; e objetiva, porque com essa afirmação o mártir quer proclamar Cristo, quer provar que Cristo é a verdade e que essa verdade vale mais do que a própria vida; é o ápice do que ele é, do que ele pressiona, do que ele salva. Assim, ela se torna um motivo de credibilidade.
As fileiras dos mártires da Terra Santa:
1. São Nicolau Tavelic e seus companheiros (os irmãos Deodato, Estêvão e Pedro) são considerados os “protomártires” da Custódia. Vindos de diferentes países europeus, eles chegaram a Jerusalém em 1383, com destino ao convento do Cenáculo no Monte Sião, como já vimos, a primeira sede da então recém-fundada Custódia da Terra Santa (estabelecida em 1342). Em 1391, os quatro frades foram queimados vivos por darem testemunho da religião cristã perante os sarracenos.
2. O segundo grupo de mártires é o dos Santos Emanuel Ruiz e companheiros, canonizados em 20 de outubro de 2024. Os oito frades, uma comunidade inteira, abraçaram a prova do martírio com fé, em 1860, em Damasco, recusando a conversão ao Islã e morrendo “como cristãos”.
3. Finalmente, o Beato Salvatore Lilli, morto por ódio à fé na Turquia, juntamente com sete fiéis leigos armênios. Ele chegou à Terra Santa aos 20 anos de idade, em 1873, e passou seus anos de formação entre Belém e Jerusalém até ser ordenado sacerdote. Serviu em vários santuários, até ser enviado para a Turquia, onde morreu como mártir em 22 de novembro de 1895, nas mãos de soldados otomanos.
3. Santo Antônio
Durante o conflito anglo-turco (1917), o governador Giamal Pasha decidiu aprisionar os franciscanos: o decreto deixaria os Lugares Santos em grave abandono. O Padre Eutimio Castellani então ordenou que se rezasse fervorosamente ao Santo. As crônicas testemunham que na manhã do terceiro dia do Tríduo de orações, o Patriarca de Jerusalém foi até Jamal Pasha para pedir graça para seu Auxiliar gravemente doente. Para sua grande surpresa, obteve a graça desejada não só para seu Auxiliar, mas também para seus padres e para os religiosos franciscanos italianos.
Em novembro de 1917, os frades ainda corriam risco de prisão, e o Santo ainda era invocado. Um telegrama chegou de Constantinopla no último dia do Tríduo, poupando os religiosos da provação, e o ordenamento especificava que os franciscanos da Terra Santa não deveriam mais ser incomodados, mas deveriam ser deixados tranquilos em seus postos, pois eram pessoas inofensivas e não se envolviam com política.
Terminada a guerra, por proposta do Padre Castellani e sob o mandato do Custódio, F. Diotallevi, o Papa Bento XV confirmou e estabeleceu Santo Antônio de Pádua como padroeiro particular e protetor da Custódia, e desde 1929 sua festa é celebrada como solenidade em toda a Custódia da Terra Santa.
Transcrevo a Oração, encontrada no livreto litúrgico da Festa de Santo Antônio, e que é rezada no final da Missa Solene do dia de 13 de junho.
3.1. Consagração da proteção da Terra Santa a Santo Antônio
Ó glorioso Santo Antônio, reunimo-nos ao vosso redor neste dia solene da vossa festa. Nós vos agradecemos humildemente pela proteção com que, juntamente com o seráfico Pai São Francisco, sempre beneficiastes esta Custódia e seus membros.
A Custódia da Terra Santa, ó Santo Antônio, se reconhece devedora para convosco e para com o Seráfico Pai pelo bem que soubestes realizar ao longo dos séculos, tanto pela saúde das almas quanto pela preservação dos Lugares da nossa Redenção. Por tudo, damos humildemente graças a Deus e a vós que intercedeis por nós.
Continuai, nosso querido Padroeiro, a derramar sobre nós as bênçãos que recebeis do Coração amantíssimo do Menino Jesus, amorosamente depositado em vossos braços. Obtende-nos dele que, conscientes da alta honra de termos sido escolhidos para guardar a Manjedoura e o Túmulo de Jesus, nos esforcemos sempre por corresponder-lhe dignamente.
E nós, ó grande Santo, com toda a gratidão de nossos corações, nos confiamos novamente a vós: assim fizeram nossos pais ao longo dos séculos; foi isso que o Sumo Pontífice quis que fizéssemos quando vos proclamou e vos constituiu Padroeiro especial da Custódia da Terra Santa.
4. Peregrinos
Na Idade Média, a concha era o símbolo dos peregrinos que partiam para chegar a um lugar sagrado (Jerusalém, Roma, Santiago) e a utilizavam para beber.
As primeiras descrições dos “lugares santos” ligados à paixão e ressurreição de Jesus, como se sabe, remontam ao século IV: isto é, a um período em que a complexa rede de memórias orais dos cristãos já havia cristalizado e em grande parte “transfigurado” a localização e o significado dos principais monumentos.
Os testemunhos escritos mais antigos provêm dos relatos de viagens de peregrinos: os primeiros exemplos muito célebres deste tipo de literatura são representados pelo conto do peregrino de Bordeaux (que pode ser datado da primeira metade do século IV) e pela Peregrinatio ad loca sancta, da peregrina Egéria ou Eteria (datada de cerca de 383). São os ilustres precedentes daquela “topografia sagrada” que continuará consistentemente nos séculos vindouros.
Aos peregrinos cristãos, vindos de todo o mundo, é oferecido um acompanhamento espiritual, com a garantia e a graça de poderem celebrar os mistérios da redenção nos Lugares Santos. E diria, celebrar todo o Ano Litúrgico em duas semanas de peregrinação!
Trilhar um caminho, não apenas físico, em direção aos lugares escolhidos pelo próprio Deus para se revelar ao ser humano, para encontrar cada ser. Podemos explorar a Terra Santa por meio de nossos cinco sentidos:
Os olhos, como insinuações no início, são espiritualmente, a janela da alma. Nenhum lugar poderia ser melhor do que a Terra Santa para experimentar esse sentido. Andando pelo deserto numa paisagem árida e seca, no entanto, descobrimos as cores, os perfumes, o toque, o sabor e a diversidade dessa terra que deixa sua marca em nossa história e em nossos corações.
Essa paisagem, com sua beleza típica, nos faz conhecer o que Jesus viu com seus próprios olhos e nos transporta para o maior sentido, o de sentir o Santo da terra.
5.Conclusão
Há mais de oito séculos que os franciscanos detêm a distinta honra e a formidável responsabilidade de testemunhar e servir a este “Quinto Evangelho” e, de o tornar acessível a quantos vivem ou vêm à Terra Santa, para o ler ou ouvir “in situ, in loco”, vê-lo com os próprios olhos e tocá-lo com as próprias mãos (cf. 1 Jo 1, 1-3).
Atualmente, a Custódia da Terra Santa opera nos seguintes países: Israel, Palestina, Jordânia, Síria, Líbano, Egito e nas ilhas de Chipre e Rodes (na Grécia). Nela trabalham cerca de 300 religiosos, frades com a colaboração de uma centena de religiosos (as) de várias congregações.
Os frades desenvolvem seu trabalho pastoral em 22 paróquias e em numerosas igrejas, capelas e filiais. São comunidades de língua árabe, na sua maioria, que têm uma vida basicamente semelhante à de qualquer outra paróquia: catequese, celebração dos sacramentos, acompanhamento dos jovens, associações, movimentos, encontros e escuta, animação, direção espiritual, atividades sociais e de apoio. As paróquias franciscanas foram criadas para assistir os fiéis de rito latino da região e, durante vários séculos, os frades foram os únicos pastores de almas para esses fiéis. Hoje, porém, partilham esta responsabilidade com os párocos do Patriarcado Latino, restaurado pelo Papa Pio IX em 1847.
A atividade ecumênica desenvolve-se sobretudo no plano cultural e no contato quotidiano com cristãos de diferentes ritos e confissões. O diálogo inter-religioso é favorecido e exigido pela particular situação religiosa da região: os cristãos são, de fato, apenas 2% no meio de uma população de religião e cultura muçulmana e judaica.
Os Franciscanos acompanham também os membros da Qehillah, a comunidade católica de expressão hebraica, composta principalmente por hebreus convertidos à fé católica. Para esses fiéis, a Custódia empenhou-se na abertura da casa dedicada aos Santos Simeão e Ana, na cidade nova de Jerusalém. Ali, a liturgia é celebrada em hebraico, há momentos de oração e catequese, atividades com os jovens, encontros com as famílias. Na cidade de Jafa, a Custódia também trabalha na mesma direção.
Outra nova realidade pastoral que os franciscanos abriram é a dos trabalhadores imigrantes, sobretudo os católicos das Filipinas, da América Latina, da Europa do Leste e de África. São sobretudo mulheres que vieram para Israel em busca de trabalho.
Desde há alguns anos, a Custódia instituiu e apoiou a “Obra das Casas de Alugueis” para ajudar os mais pobres, contribuindo para a solução do problema fundamental da habitação. Nas condições particulares da Terra Santa, a obra tem como objetivo consolidar as comunidades cristãs dos Lugares Santos.
A Custódia continua a ter escolas e colégios abertos a todas as crianças, sem qualquer distinção de religião, nacionalidade ou raça. Estabelece igualmente bolsas de estudo para jovens de ambos os sexos que desejem prosseguir estudos superiores em instituições universitárias. As escolas estão localizadas em Israel, na Palestina, na Jordânia, em Chipre e no Líbano. Fornecem formação para alunos católicos, não católicos e não cristãos. É também digna de nota a atividade do Instituto Magnificat, iniciado em 1995 com o objetivo de formar músicos especializados para os santuários e igrejas da Terra Santa.
Durante muitos séculos, a Custódia da Terra Santa só podia exprimir-se através da linguagem da oração e das celebrações litúrgicas. Havia pouco espaço para a evangelização e a pastoral. Ainda hoje, assegurar a liturgia é dimensão fundamental do serviço da Custódia.
À animação litúrgica no Santo Sepulcro, onde se realiza a Procissão, – um ritual cotidiano no seu interior, que acontece desde 1336 -, perfazendo um percurso circular com hinos, antifonas e cantos, diante das principais estações da Paixão, morte e Ressurreição de Jesus Cristo, celebrações são feitas nas Basílicas da Natividade e da Anunciação. A estes momentos litúrgicos, juntam-se as peregrinações anuais dos frades aos Santuários, que constituem talvez o aspecto mais típico da vida litúrgica da Custódia da Terra Santa. Um compromisso assumido com assiduidade e constância ao longo dos séculos. Peregrinações ao Jordão, a Emaús, a Betfagé, a Betânia, à Ascensão, ao Pater Noster, ao Dominus Flevit, à Flagelação, a Ain Karem, ao Cenáculo: as peregrinações há séculos, são um sopro de vida restituído às pedras.
O Studium Biblicum Franciscanum (SBF), mundialmente conhecido pela sua cultura bíblica e arqueológica, está no centro da sua atividade científica. Organiza semanas de atualização bíblica, conferências e cursos de formação para guias da Terra Santa. O programa inclui línguas orientais antigas, introduções especiais ao Antigo e ao Novo Testamento, exegese bíblica e teologia, história e geografia das terras bíblicas, arqueologia bíblica e cristã antiga, topografia de Jerusalém e excursões guiadas à Terra Santa, Jordânia, Egito e Turquia. O Studium está aberto a estudantes de todas as nacionalidades, religiosos e leigos, homens e mulheres. A maioria dos estudantes vem do exterior, mas não faltam estudantes locais, incluindo não católicos. O ensino no Convento da Flagelação começou no ano acadêmico de 1923-24.
Desde que São Francisco no início do século XIII, viajou para as terras de Jesus, para ver com seus próprios olhos e “tocar” os lugares sagrados da Salvação, são seus filhos franciscanos que custodiam em nome da Igreja. Jamais abandonaram a Terra de Jesus, apesar das armadilhas, das guerras e dos males que durante séculos feriram (e ainda ferem) essa Terra e os seus habitantes.
Eis a grande aventura: mais de 800 anos de missão, entre proteção dos Lugares Santos, assistência aos peregrinos, pesquisa arqueológica (atividade científica ou estudo dos Lugares Santos) e sobremaneira, manter uma vida litúrgica nos Santuários, dando testemunho do Evangelho.
6. Como acréscimo: o Getsêmani
Não é sem grande e profunda emoção que moro no Getsêmani.
Getsêmani: ao pé do Monte das Oliveiras. O seu complexo, que remete à noite em que Jesus foi traído, compreende o Jardim das Oliveiras, a Gruta da Traição (Gruta dos Apóstolos e a Basílica da Agonia (também chamada de “igreja das Nações”). É um dos lugares sagrados mais significativos de Jerusalém e da Terra Santa, mencionado diversas vezes pelos Evangelhos, destacando que Jesus gostava de frequentar esse lugar.
São João relata claramente que foi aqui que a Paixão de Cristo começou. Uma placa, escrita em hebraico, árabe e inglês, na entrada do Jardim que dá acesso à Basílica, informa: “Aqui Jesus iniciou sua Paixão”. São Marcos, por sua vez, descreve o Getsêmani como um dos momentos mais humanos de Jesus; um momento de dúvida, de sofrimento e, depois, de plena aceitação do seu desígnio.
No Jardim das Oliveiras Jesus rezou intensamente antes da sua paixão, enquanto a Gruta da Traição é identificada como o local onde foi preso. Algumas Oliveiras, cujo DNAs foram analisados, testemunharam a angústia de Jesus.
Para celebrar os episódios ocorridos no Jardim do Getsêmani, ergue-se hoje a Basílica da Agonia.
Os testemunhos dos primeiros peregrinos contam como este lugar era dedicado à oração, precisamente porque aqui o próprio Jesus rezava ao Pai.
O projeto da Basílica, construída entre 1922 e 1924, é do arquiteto Barluzzi.
No interior, destaca-se a rocha em frente ao altar. Todos os dias, peregrinos de todo o mundo vêm venerá-la.
Os mosaicos nas laterais do altar retratam a traição de Judas e o momento da captura de Jesus.
No teto, os brasões dos países que colaboraram na construção da Basílica.
No piso, pode-se admirar os antigos mosaicos, restos da Igreja Bizantina, sobre a qual a Basílica foi então construída.
A Gruta e a Tumba de Maria: No complexo do Getsêmani, de propriedade dos franciscanos desde 1666, há de fato uma Gruta embutida no chão do Vale do Cedron. Jesus, que vinha a Jerusalém para a Páscoa, costumava ficar com seus discípulos nesse abrigo.
Foi para essa gruta, uma cavidade natural com pouco mais de 3 metros de altura, que Judas conduziu o grupo de soldados para prender o Messias.
Em frente à Gruta está o túmulo de Maria, muito venerado pelos Ortodoxos, recolhido em uma igreja Cruzada. Segundo a tradição, os Apóstolos trouxeram seu corpo da Dormitio para cá e aqui foi elevada aos céus.
Vemos ainda nos arredores do Monte, o rio Cedron (Vale do Cedron), as muralhas de Jerusalém e o Portão Dourado, o único que permanece fechado porque leva diretamente à esplanada das mesquitas.
De acordo com a tradição cristã, foi por esse portão que Jesus entrou em Jerusalém em triunfo no Domingo de Ramos. Enquanto os judeus ainda esperam que o Messias entre por aqui, para os muçulmanos, a abertura do portão coincidirá com o Dia do Juízo Final.
Encerro estes pensamentos, reconhecendo e agradecendo o privilégio de poder, todos os dias, abrir minha janela para o Jardim, de frente para a Oliveira plantada por Paulo VI, que possui agora minha idade.
Jerusalém,
19 de Março, Solenidade de S. José.
Quaresma de 2025
Frei Luiz Henrique Ferreira Aquino– Custódia da Terra Santa