Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp
Este é um assunto importante, não só para os cristãos, mas para todos aqueles que estão em busca de novos tempos onde podemos desenvolver a nossa existência a partir de uma fraternidade mais parecida com o Evangelho de Jesus. Quando dizemos fraternidade, pensamos em comunidade, não como pessoas que estão aglomeradas, ou que vivem umas paralelas às outras. Fraternidade, para a tradição cristã, é algo que assenta as suas raízes no seio da Trindade. A Trindade, para usarmos uma expressão de Leonardo Boff, é a melhor comunidade. Mas isso não é slogan ou grito de guerra. Isso é o evangelho!
Viver em comunidade, é colocar-se um de frente ao rosto do outro. É reconhecimento e veneração absoluta à alteridade, ou seja, à dimensão do sagrado que cada um possui. Na Trindade, o Pai ama o Filho e o Filho oferece a humanidade o mesmo amor que recebeu do Pai. O Espírito Santo é o próprio amor. Então, as três divinas pessoas não sabem fazer outra coisa senão amar. É neste sentido que a Trindade é e será sempre a melhor comunidade.
Porém, temos que nos perguntar se as organizações políticas de nosso tempo ou se o modo social de encararmos a vida refletem de alguma forma a vida trinitária como estamos falando. Infelizmente, a história plasmou muitos impérios autoritários que ofuscaram a vida da comunidade. Basta citarmos as grandes duas últimas guerras mundiais que causaram danos irreparáveis à vida. Tudo começa com os discursos populistas que prometem solucionar os problemas em nome da segurança nacional. Esses são os messias de ontem e de hoje que levantam a bandeira da pátria para ameaçar o estrangeiro, ou para assegurar os direitos da classe burguesa que tem medo de perder o monopólio e os seus privilégios.
Mas não vamos tão longe na história, lembremo-nos dos tempos da ditadura onde o chumbo e a censura falavam mais alto com a pretensão de calar a democracia e os direitos humanos. Como falar de comunidade se os poderosos deste mundo trabalham contra o amor trinitário? Como pensar numa sociedade de irmãos e irmãs, quando o direito e a igualdade são ameaçados pelo autoritarismo de nossos governantes que se auto-intitulam messias salvadores da pátria? Não! Estes modelos de organização política trabalham contra a Boa Nova do Evangelho. Eles são, para usar uma expressão de Platão, a personificação da tirania. E quem é o tirano? É aquele governante que se alimenta das vísceras humanas em nome do poder e da falsa ordem.
Contudo, a lógica de viver em comunidade, segundo o sonho da Trindade, não é uma fantasia. Pode ser realidade! Para tanto, precisamos mudar, sobretudo, o nosso modo de educar as novas gerações. Mudar é um processo árduo e lento, mas possível. O próprio Jesus nos dirá que no princípio as coisas não eram assim, ou seja, o mundo era regido na lógica do amor. Mas a sede e a corrida pelo poder nos corromperam.
Organizar a sociedade a partir da lógica da Trindade é uma missão difícil, pois requer o princípio da gratuidade, tão esquecido e banalizado em nossas relações. Tudo seria feito sem interesses e sem a pretensão de tirarmos sempre proveito sobre os outros. A gratuidade é irmã gêmea do cuidado, ou seja, daquele outro princípio que se recusa a ceifar a vida dos mais frágeis, ou para usar uma expressão que se encontra no evangelho de São Mateus: “Não esmagará a cana rachada, nem apagará o pavio que fumega, até que faça vencer a justiça”.
Sim, a Trindade é a melhor comunidade. Mas viver na sociedade a partir desta lógica é necessário construir a cada dia uma via alternativa, ou seja, não se contentar com o status quo deste mundo. A comunidade que Jesus viveu e quis para a humanidade não se trata de assumir formas totalitárias que excluem os que sofrem. Jesus não compactua com o sistema político romano nem com o sistema político do Templo de Jerusalém. Podemos dizer que a Constituição, ou seja, a Carta Magna que rege a sociedade sonhada por Jesus são as Bem-aventuranças que sinalizam a chegada do Reino de Deus. E este Reino não é um lugar, mas uma ação de vida e de libertação integral da pessoa. A ideia de desenvolvimento e progresso, não é para suprir apenas as necessidades biológicas do ser humano, apesar disso também ser importante, mas Jesus pretende restituir o todo da nossa vida, ele não nos dá migalhas, nos redime por completo.
Este é o sonho de Deus para nós que vivemos em sociedade: “Eu vim para que todos tenham a vida e vida em abundância” (Jo 10,10).
Pensemos nisso, sobretudo neste tempo confuso e difícil de pandemia. Reflita que você é um cidadão para construir pontes e ser protagonista do amor que une e que não levanta as bandeiras da divisão.
Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp, é missionário passionista e mestre em Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana. Atualmente reside em Camaragibe – PE, no Seminário para a etapa do Postulantado dos Passionistas.