1. Muitos de nós temos o costume de consagrar as primeiras sextas-feiras do mês ao Coração do Senhor Jesus. Retribuímos amor com amor e apresentamos nossa reparação. Ficamos sempre extasiados diante de tanta grandeza e tanto sofrimento na hora das horas. Há os que gostam de colocar-se em silêncio orante diante da janela aberta do peito do Salvador. Lá há um coração amou até o fim.
2. Num primeiro momento pode ser que passe por nossa cabeça a ideia de que o Pai se comprazia na morte, na solidão, no abandono de seu Filho. Não podemos imaginar um Deus que tivesse arquitetado tudo para que, através desse sofrimento, sua ira se abrandasse. José Antonio Pagola, refletindo sobre o suplício da cruz, assim se exprime: “O que dá valor redentor ao suplício da cruz é o amor e não o sofrimento. O que salva a humanidade não é algum “misterioso” poder salvador contido no sangue derramado diante de Deus. Por si mesmo, o sofrimento é mau, não tem nenhuma força redentora. Não agrada a Deus ver Jesus sofrendo. A única coisa que salva no Calvário é o amor insondável de Deus, encarnado no sofrimento e na morte de seu Filho. Não há nenhuma outra força salvadora a não ser o amor.” (Jesus. Aproximação histórica, Vozes, p 520).
3. O sofrimento é sempre um absurdo. Há muitos tipos de sofrimento: a mulher abandonada pelo marido; o paraplégico que assim ficou depois de um assalto; as dores devido a uma difamação. Conhecemos muitas dores de pessoas boas, profundamente boas. Num primeiro momento somos tentados a nos revoltar diante de tanto sofrimento que vemos à nossa volta ou que nós mesmos vivemos. O sofrimento é um absurdo, um louco absurdo. Jesus, suspenso entre o céu e a terra, viveu agudíssimo sofrimento: sua missão parecia terminar sem êxito, o Pai dava impressão de estar calado; aqueles para os quais havia se dedicado o haviam abandonado, tinha sede e dores no corpo e na alma. Jesus foi reunindo as melhores de suas energias e foi se entregando ao Pai livremente, fazendo uma doação irrestrita de si para os seus e para a transformação do mundo. Nada de masoquismo, nada de passividade, nada de resignação morna. Ele se entrega nas mãos e nos braços do Pai. Morre de amor. Como vive de amor a mulher que se dedica a vida toda a um filho especial, como morre de amor aquele que esquece de si para fazer com que as pessoas cresçam, aqueles que morrem para que outros tenham vida.
4. “Nessa cruz que a nós parece “loucura”, encontra-se a “sabedoria” suprema de Deus encontrando um caminho para salvar o mundo. Nesse Cristo crucificado que nos parece “fraqueza” e impotência, encerra-se a força salvadora de Deus” ( Pagola, p. 518). “O sofrimento continua sendo mau, mas, precisamente, por isso, transforma-se na experiência humana mais sólida e real para viver e expressar o amor. Por isso, os primeiros cristãos viram em Jesus crucificado a expressão mais realista e extrema do amor incondicional de Deus para com a humanidade, o sinal misterioso e insondável de seu perdão, compaixão e ternura redentora. Somente o amor incrível de Deus pode explicar o que aconteceu na cruz. Somente à sombra luminosa da cruz pode surgir a transcendental e milagrosa afirmação cristã: “Deus é amor”. É isso que Paulo intui quando escreve comovido: O Filho de Deus me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20, cf. Pagola, p.520).
5. Assim, os devotos do Coração do Redentor não se cansam de apresentar ao Senhor gratidão por tanto amor. Os que contemplam o coração de Jesus aberto pela lança do soldado nada mais fazem do que extasiar-se diante de um amor que precisa ser amado. Na vida não é sofrimento que redime mas o amor com que se vive tudo, também o sofrimento. Os que contemplam o peito aberto do Senhor se tornam discípulos missionáros.