Frei Almir Ribeiro Guimarães
Nós, discípulos do Senhor Jesus, que devotamos ao Coração de Cristo toda veneração e adoração, gostamos de refletir sobre algumas situações vividas nos últimos momentos de sua vida entre nós. Contemplamos a solidão de Getsêmani e o abandono na cruz, antes que seu peito fosse aberto pela lança do soldado.
Ficamos impressionados com a solidão experimentada pelo Senhor no Jardim das Oliveiras. Jesus tem a impressão que até mesmo o Pai foi se tornando distante. José Antonio Pagola (Jesus, Aproximação histórica, Vozes) descreve a cena com muita propriedade: “A solidão de Jesus é total. Seu sofrimento e seus gritos não encontram eco em ninguém: Deus não lhe responde; seus discípulos “dormem”. Capturado pelas forças de segurança do templo, Jesus não tem dúvida: o Pai não ouviu seus desejos de continuar vivendo; seus discípulos fogem procurando a própria segurança. Ele está só! Os relatos deixam entrever essa solidão ao longo de toda a sua paixão. A atenção dos habitantes de Jerusalém e daquela multidão de peregrinos que enche as ruas não está naquele pequeno grupo que vai ser executado nas imediações da cidade. No templo tudo é agitação e azáfama. A estas horas, milhares de cordeiros estão sendo sacrificados no recinto sagrado. As pessoas movimentam-se febrilmente concluindo os últimos preparativos para a ceia pascal. Somente os que se encontram em seu caminho com o cortejo dos condenados ou passam perto do Gólgota ou prestam atenção. Como é habitual nas sociedade antigas, são pessoas familiarizadas com o espetáculo de uma execução pública. Suas reações são diversas: curiosidade, gritos, zombaria, desprezo e um que outro comentário de lástima. Da cruz, Jesus provavelmente só percebe rejeição e hostilidade” (p. 479). E Jesus guarda silêncio.
No alto da cruz, Jesus continua fazendo a experiência da ausência do Pai. Escuta o silêncio do Pai. Segundo Eloi Leclerc (Deus sem limites, Ed. Franciscana, Braga), Jesus não experimenta descrença, mas fé, uma fé mantida na mais escura das noites, no mais profundo dos abismos. O grito de Jesus com voz forte é uma oração. O seu relacionamento com o Pai não está interrompido. A comunicação continua com a ponte da fé. Essa ponte é lançada sobre o abismo da ausência.
E. Leclerc observa que o mais importante não é o grito, mas o longo momento de silêncio subsequente quando Jesus não pediu mais nada. Leclerc cita Georges Bernanos: “No alto da cruz, Jesus orou, gritou, chorou, suspirou, rangeu os dentes, como fazem os moribundos. Mas há coisa mais importante e preciosa: o minuto, o longo minuto de silêncio, depois do qual tudo foi consumado” Nesse momento, nesse minuto em que Cristo é o silêncio no meio do mundo, toda a humanidade se concentra nele, e por ele é acolhida e nele recolhida.
Será preciso penetrar nesse silêncio. Temos de penetrar nesse silêncio para o entendermos. Quando a palavra se faz silêncio transforma-se em palavra. E o que diz esse silêncio? Que só a pobreza, a pobreza imensa da noite pascal, se encontra à altura do mistério de Deus.
Bendito o silêncio de Jesus entre o grito forte brotou de seu peito e o inclinar a cabeça na hora da morte. Os devotos do coração de Jesus nada têm a fazer senão guardar um silêncio adorante diante do majestoso silêncio de Jesus quando, na fé, reencontrou o Pai que parecia ausente.