COMBLIN, José. Os desafios da cidade no século XXI. São Paulo: Paulus, 2002. 51 p.Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp
Na introdução, o autor apresenta as várias contradições entre a estrutura da cidade e a vida paroquial. Denuncia que estes dois modos de ser não compactuam mais. Por um lado, a paróquia por ser um modelo medieval, atende mais ao interno de si mesma e acaba girando em torno de seus problemas, como liturgia, hierarquia e outras ocupações. Já a vida urbana caminha em outra direção. A economia e as empresas geram exclusões, os congestionamentos e a correria estressam a vida das pessoas e o acelerado ritmo de crescimento desafiam ainda mais a Igreja a dar respostas de sentido aos dramas da vida.
O tema da primeira parte da obra versa sobre o Despertar da Igreja católica para a cidade. Segundo o autor, a distinção entre o rural e o urbano torna-se cada vez mais uma realidade complexa. A cultura pós-moderna não se encontra apenas no mundo urbano, pois o rural também se moldou às influências do pós-moderno.
Em contexto religioso, a cultura pós-moderna não vê com bons olhos a hierarquia. Busca-se seitas, igrejas e outras expressões religiosas que não tenham um poder de controle. Quer-se uma experiência livre e subjetiva da fé. Trava-se uma tensão entre o modelo hierárquico de Igreja e as várias formas de vivência da experiência religiosa. A Igreja Católica cuida, segundo o autor, de garantir suas formas objetivas da fé como a instituição, reta interpretação da Bíblia e a formação clássica de seus seminaristas. Continua dando ênfase à relação com as outras formas de poder civil. Porém, a cultura pós-moderna das cidades não está preocupada com isso. Ela busca empatia com os sujeitos não pela autoridade que exercem, mas pela capacidade de convencimento, preparo intelectual, competência e interação. O modelo atual, por ser individualista e de competição, considera sempre a capacidade profissional e aquilo que os sujeitos podem produzir a partir de seus dotes pessoais. Neste sentido, não adianta a imposição por decretos. Da mesma forma, os sujeitos da atual cultura não ouvem o clero por seus cargos e pela posição que ocupam, pois o que interessa é o discurso de iguais, a argumentação e debate de ideias e não o argumento autoritário. Por isso, “[…] na cultura moderna, somente conseguem ter influência os que reúnem capacidades e se preparam para isso. Não adianta confiar tudo à recepção de um sacramento, o que vale é o talento e a formação desse talento.” (COMBLIN, 2002, p. 18).
Comblin menciona duas importantes características da vida urbana. A primeira é que na cidade o sujeito é autônomo em relação aos vínculos familiares, ao clã ou a qualquer outra realidade que possa vigiar o indivíduo. Se no espaço rural a família limita o contato das pessoas com outros grupos, na cidade um leque de relações se abre. A Igreja, neste contexto, não consegue mais controlar seus membros, pois várias expressões religiosas perpassam a cidade. Por isso, a ideia de território paroquial vem questionada devido a liberdade do crente frente aos diversos grupos de interação.
A segunda característica da cidade pode ser uma oportunidade para a Igreja rever sua postura no trabalho da evangelização. No mundo urbano, segundo Comblin, as pessoas tendem a se unirem em pequenas comunidades. Porém, estas associações são escolhidas de forma livre, de acordo com o gosto particular e afinidades. Se a paróquia insiste em manter o modelo tradicional das massas, usando um discurso homogêneo, então pode ferir a pluralidade e a sensibilidade destes pequenos grupos. O autor acredita que as CEBS ainda podem ser um meio concreto de abertura e diálogo da Igreja para com a cidade, tendo em vista a capacidade que têm de reunir pequenos grupos, ouvir e elaborar um discurso religioso que se identifique com a vida concreta das pessoas.
Esta primeira parte é concluída com a indicação de algumas proposições básicas que deveriam ser opção do cristianismo frente ao mundo urbano. Se é na cidade onde é possível formar pequenas comunidades de convivência, então a Igreja deve intensificar seu processo de formação e acolhida, oferecendo espiritualidade e busca de sentido. Da mesma forma, diante do consumismo e da propaganda de curas religiosas, as lideranças deveriam enfatizar mais a proposta do Evangelho, evitando uma religião de troca, no intuito de fomentar o compromisso com a causa humana e seus dramas. Comblin acredita que o Evangelho pode encontrar terreno fértil no coração das pequenas comunidades que são formadas dentro do universo urbano. A Igreja, com toda sua tradição teológica e modelo paroquial, necessita rever urgentemente sua linguagem e buscar caminhos para uma leveza da instituição, tendo em vista que o crente da cidade parte de uma subjetividade que tende a uma experiência religiosa sem muitas lideranças e conceitos abstratos. É necessário, assim, rever todo o acervo teológico clássico e falar diretamente pelo testemunho e acolhida.
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Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp, é missionário passionista e mestre em Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana. Atualmente colabora com a missão passionista de Montevidéu, no Uruguai.