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Carta do Ministro geral no Dia Mundial dos Pobres e para o V Centenário do nascimento de São Benedito, o Negro

18/11/2024

Benedito, memória do Evangelho

Caros irmãos e irmãs, o Senhor vos dê a paz!

O V centenário do nascimento de São Benedito, o Negro (1524-2024), merece uma palavra e uma memória. Ele está “iluminado” pelas chamas do incêndio devastador de 29 de julho de 2023, que danificou seriamente seu corpo não corrompido. O sinal da santidade de Benedito está na sua paixão por uma vida segundo a novidade do Evangelho, no espírito de São Francisco. O centenário dos Estigmas de São Francisco recorda-nos como o Evangelho da Cruz é o cerne da nossa vocação. O caminho do Evangelho, o humilde caminho de Cristo, com e entre os pobres: procuro buscar inspiração para estes três núcleos na vida e no testemunho de São Benedito, o Negro, justamente no VIII Dia Mundial dos Pobres, dedicado ao grito e à oração dos pobres.

1- O Evangelho liberta dos grilhões

É na sua carne negra de filho de descendentes de escravos etíopes que Benedito nos diz a primeira palavra do Evangelho. Escravo e filho de escravos, embora nascido livre por concessão do dono. Esse estigma nunca lhe teria permitido, segundo o direito canônico e a cultura da época, ser santo. E nem sequer pertencer a uma Ordem religiosa.

Ele mesmo nos recorda que “não há mais judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,28)

Devemos reconhecer com tristeza que, durante muitos séculos, a consciência dos cristãos compreendeu a condição de escravidão com uma certa ambivalência: por um lado, a afirmação de que todos os homens são irmãos e iguais diante de Deus; por outro lado, o reconhecimento da legitimidade da escravidão como uma estrutura que faz parte do tempo presente. Havia sempre vozes (e não poucas) que se levantavam em favor dos escravos. A afirmação dos princípios éticos favoreceu, ainda que muito lentamente, a mudança das instituições jurídicas, neste caso passou-se do direito romano para um de inspiração cristã.

O sistema de escravidão também alcançou a bacia do Mediterrâneo. Entre os sec. XVI e XVII há na Itália entre 50 e 100 mil escravos, de vários gêneros. Na Sicília havia uma concentração de africanos, estimada entre 4 e 1,5 por cento da população da ilha. Na Sicília um conjunto orgânico de normas regulamentava o status do servus, que se converte ao cristianismo graças ao sacramento do batismo. Isso também vigorava na época de frei Benedito, quando a presença de muitos escravos foi inserida na rede social.

São Benedito aprendeu a ser cristão mesmo no meio das humilhações devidas à sua origem óbvia e à sua condição humilhada. Seu primeiro hagiógrafo, o Daca, escreveu-o claramente em 1611: “Nasceu negro e escravo […] siguindo a condição de sua mãe, nasceu negro e escravo”. No entanto, a realidade da fé e do carisma de Francisco transcendeu esta situação e rompeu amarras que pareciam intocáveis.

Por isso, os frades souberam reconhecer seus dons e as suas virtudes para além desta origem, acolhendo-o na Ordem até ao ponto de nomeá-lo guardião e mestre dos noviços, embora analfabeto. Importantes figuras da sociedade civil e religiosa da época, até mesmo o vice-rei, recorreram a ele como um conselheiro de confiança, superando as barreiras de cor, de raça e dos preconceitos que existiam e ainda existem.

O Evangelho atravessa as culturas, revela o melhor dessas e quebra as cadeias. Esta é a primeira palavra que São Benedito nos oferece, ainda hoje muito importante para todos nós.

2- O seguimento do Cristo pobre e crucificado

São Benedito nos conduz de novo ao coração do Evangelho, porque escolheu a condição humilhada de Cristo, que “não se apegou à sua igualdade com Deus. Mas esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo” (Fl 2,6-7). Podemos dizer que ele viveu a conversão/penitência justamente assumindo sua condição socialmente desfavorecida como o espaço no qual seguir a forma de vida de Jesus Cristo.

Foi vilipendiado e maltratado pelos seus contemporâneos por causa da cor de sua pele e por causa de sua bondade, especialmente para com os pobres. Desde a entrada numa comunidade de eremitas e depois na Ordem dos Frades Menores, Benedito nos mostra que não existe condição e situação humana que não nos permita viver segundo a vida nova recebida no Batismo, nos passos do Cristo pobre.

3- O encontro com os pobres

Facere misericordiam foi o caminho que Francisco percorreu com os leprosos e que lhe abriu o caminho do Evangelho. Benedito encontrava-se com os pobres, servindo-os enquanto ainda estava em sua família, e mais ainda como religioso. O humilde frade realiza muitas curas e multiplica o pão para os pobres. Enquanto isso, cuida dos doentes e faz os trabalhos mais humildes. Multidões de fiéis vêm a ele para consultá-lo. Alguns dos seus milagres são clamorosos. Por causa de uma forte queda de neve os frades não podem ir mendigar e o convento não tem nada para comer. Benedito enche alguns tanques com água e, confiando na “Divina Providência”, reza. Na manhã seguinte os tanques estão cheios de robustos peixes.

Embora ele dedique sua vida a servir mesmo nos longos anos passados no convento de Santa Maria de Jesus – ele é um cozinheiro e se dedica aos trabalhos mais humildes – sua fama cresce entre o povo e entre os escravos negros. Os pobres reconhecem quem é verdadeiro e compartilha com eles a sua vida: este é o anúncio de que Deus está atento a cada um e próximo dos pobres (cf. Mensagem do Papa Francisco, 6).

Por isso, ele logo é considerado um santo vivo, objeto de contínuos pedidos de cura. Faleceu em 4 de abril de 1589. Não é coincidência que os fiéis de Palermo, antes mesmo de uma indicação de Roma, transladem seu corpo do cemitério do convento para dentro da Igreja, como se faz com os santos já canonizados. O culto do santo escravo em poucas décadas está presente em toda a Europa e além-mar. Finalmente foi beatificado em 1743 e canonizado em 1807.

Os pobres são um teste decisivo da nossa fé. O encontro com eles decidiu a conversão de Francisco e permanece no coração da vida de seguimento. Não podemos fugir dos pobres e dos humilhados, verdadeiro “caso sério” da fé e da nossa vocação. Que a vida de São Benedito nos ilumine para fazer nossa a oração dos pobres e rezar com eles, com um coração humilde, um coração pronto a reconhecer-se pobre e necessitado (Mensagem do Papa Francisco, 5). Conclusão

Confesso que não sabemos o suficiente sobre São Benedito, o Negro. Vejo com os meus próprios olhos a devoção por ele na Espanha, em algumas regiões da Itália e especialmente no Brasil e em outros países da América Latina, onde sua imagem nunca falta em nossas igrejas e não somente.

Que a memória de Benedito, o Negro, nos ilumine para uma renovada escuta do Evangelho, nos passos de Cristo crucificado, na amizade dos pobres; abra-nos os olhos do coração e da mente para reconhecer e denunciar profeticamente até mesmo as novas, muito numerosas e duras condições de escravidão em todas as partes do mundo. Não nos resignemos a este escândalo do sistema econômico e social em que estamos imersos.

Ajude-nos também este ano a deixar as nossas casas, muitas vezes ainda muito longe dos pequenos e a realizar gestos concretos de partilha e de proximidade aos pobres, que têm muito para nos ensinar!

São Francisco nos abençoe e nos acompanhe neste caminho!

Fraternalmente,


Frei Massimo Fusarelli, Ministro Geral

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