Notícias - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Será que estamos mostrando o rosto de Francisco?

05/09/2015

Notícias

Moacir Beggo
O segundo dia do 1º Encontro Nacional de Irmãos Leigos das várias obediências franciscanas – OFM, OFMCap, OFMConv e TOR – tinha tudo para ser uma aula de história cansativa, já que o tema “Revendo a história” pouco atraía. Mas o doutor em História da Igreja e professor do Instituto Teológico Franciscano, Frei Sandro Roberto da Costa, colocou “fogo” no debate, ou como ele mesmo disse, limpou as cinzas para deixar as brasas da história expostas.
E logo de cara, Frei Sandro colocou os frades no centro do debate. “É fundamental a gente pensar como a nossa Ordem Franciscana passou de um movimento de leigos para um grupo que tentou ser misto e que se tornou predominantemente clericalizado. Pergunta essencial: onde foi que nós nos perdemos? Em que momento houve esse desvio de rota?”, questionou, confessando que fez muitas pesquisas para evitar cair no lugar-comum na sua palestra.
Com clareza e fundamentação em livros históricos, Frei Sandro detalhou o surgimento do movimento de Assis até a expansão da Ordem Franciscana no mundo (1300), mostrando os passos que a Ordem foi dando até ser totalmente clerical. “A conversão de Francisco foi a conversão de um leigo… Ele sentiu um forte apelo (vocação) para viver a vida evangélica, como muitos leigos de seu tempo. Mas, para além disso, ele representa a encarnação mais radical, embora mantendo-se dentro dos limites da ortodoxia, daquela aspiração à vida evangélica, manifestada pelo laicato, frequentemente em dura contraposição com a hierarquia eclesiástica”, disse, reforçando: Está muito claro para nós, e muitos especialistas atestam isso: Francisco não quis fundar uma Ordem.

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Frei Sandro Roberto da Costa, professor do ITF

Segundo Frei Sandro, os movimentos religiosos populares da época medieval tendiam para uma Igreja de irmãos, independente das estruturas seculares. “Até o fim da vida, Francisco vai resistir contra os privilégios”, reforça o frade. Mas com a expansão da Ordem e a morte de Francisco, a Ordem começa a mudar. Tanto que a “Bula Quo Elongati” (28 de setembro de 1230) determina que irmãos sem formação teológica não podem pregar antes que tenham sido examinados pelo Ministro Geral e pelo Provincial no Capítulo Geral.
A partir de 1239, com a eleição de um sacerdote para Ministro Geral, Frei Alberto de Pisa, o longo processo de “sacerdotalização da Ordem” ganhou grande impulso. Com o seu falecimento, Frei Haymon de Faversham (1240-1244), torna-se Ministro Geral e são redigidos os primeiros Estatutos, tendo dois itens relacionados aos leigos:
1) Ordenamos que ninguém seja recebido em nossa Ordem se não for já clérigo convenientemente instruído na gramática ou na lógica; a não ser que se trate de um clérigo ou de um leigo, cuja entrada na Ordem apareça como exemplo luminoso para o povo e para o clero”;
2) Irmãos leigos não podem ser superiores (Ministro, Custódio e Guardião) nem discretos para o capítulo. Só podem ser recebidos “em caso de urgente necessidade para exercer os ofícios domésticos, e com licença especial do ministro geral para isso”. (além de ter mais de 18 anos)
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Estas determinações serão incluídas nas Constituições de Narbona, em 1260, com uma resolução drástica: “Proibimos, novamente, aos frades que não sabem ler o saltério, de aprender a ler. E aos demais, de lhes ensinar. O contraventor será excluído da comunhão, do ofício e da mesa, até a satisfação proporcional. E que ninguém passe ao estado de leigo ao de clérigo sem autorização do Geral”.
Esse quadro apresentado por Frei Sandro gerou sentimentos de angústia e tristeza durante a partilha dos grupos. Mas Frei Sandro ressaltou o sentimento de esperança manifestado pela maioria. “Vejo com muita esperança o fato de estarmos aqui discutindo essa questão da identidade do irmão leigo.  O que foi dito aqui e que vai ser dito até segunda e depois, para mim é um sinal de esperança, porque na descoberta da verdadeira vocação do irmão leigo, na verdadeira descoberta do frade menor, seja ele leigo ou seja sacerdote, na descoberta da vocação, da nossa identidade, é que está o resgate daquilo que é o carisma franciscano”, ensinou.
Frei Sandro fez questão de esclarecer que esse debate não se trata de alimentar uma rixa entre padres e irmãos. “Isso não existe! A gente tem que discutir desapaixonadamente”, pediu.

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Frei Bruno Scapolan, Mestre de Noviços

Frei Sandro lembrou que o Papa Francisco, quando se encontrou com os Ministros Gerais e os Frades Menores reunidos em Capítulo Geral em Assis, pediu para eles não perderem o carisma franciscano: “Não percam isso!”, disse o Papa. “Ele percebe que nós temos um diferencial, mas um diferencial que ainda não é aquilo que Francisco propunha e foi se perdendo ao longo da história. Não estamos mostrando esse rosto, esse patrimônio franciscano imenso que nós temos”, disse o pregador, lamentando que hoje em dia, no corre-corre, os frades não têm tempo para estudar as Fontes Franciscanas, para vivenciar aquilo que é próprio da vida franciscana e “às vezes não temos tempo para viver a fraternidade”, lamentou, deixando alguns questionamentos: “A grande pergunta que se faz hoje: como é que estão nossas vocações? O que as pessoas, que nos buscam, veem de diferente em nós? Será que nós estamos mostrando o rosto de Francisco?”.
À tarde, o irmão leigo Frei Fabiano Aguilar Satler, OFM, da Província Santa Cruz (MG) falou do seu livro lançado neste ano: “Todos vós sois irmãos”. Segundo o autor, a Igreja vive, em muitos setores, um surto de neoclericalismo que afeta diretamente a Vida Religiosa Consagrada masculina laical, tendo consequências no baixo número de vocações. Ele também fala da exclusão dos irmãos leigos no serviço de governo dos institutos clericais e aponta a possibilidade de um itinerário formativo teológico-profissional para os irmãos leigos.
REVENDO A ESPIRITUALIDADE DO IRMÃO LEIGO
Frei Bruno Scapolan, OFM, que é mestre de noviços em Catalão (GO), trouxe para a reflexão o tema “Revendo a Espiritualidade do irmão leigo”, que foi discutido nos grupos e depois partilhado. Frei Bruno lembrou que a espiritualidade vem antes do aspecto histórico e impulsiona o modo de vida do frade menor. “Aquele dom da vocação que Francisco recebeu e que nós damos continuidade no decorrer da história mesmo com nossas fraquezas e limitações”, disse.
A encarnação do Verbo de Deus foi contemplada e tornou-se experiência de discernimento espiritual cristão na vida de Francisco de Assis. O caminho privilegiado que ele escolheu, foi a Fraternidade.
São Francisco de Assis se faz “irmão” para restituir a toda a criação o amor que provém de Deus Pai e a alegria de ser irmão de tantos irmãos. Ser irmão é se conformar a Cristo – a regra é o Evangelho.
Características específicas do “ser irmão” na Espiritualidade Franciscana:
Sentir-se acolhido pela paternidade de Deus: “Desnuda-se totalmente diante de todos, dizendo ao Pai: ‘Até agora te chamei de pai sobre a terra, a partir de agora, porém, posso dizer com segurança: Pai nosso que estais nos céus (Mt6,9)”. (LM 2,4).
Tudo é DOM de Deus: “Foi assim que o Senhor concedeu a mim, Frei Francisco, começar a fazer penitência… foi o Senhor que me conduziu no meio dos leprosos… foi o Senhor que me deu tanta fé nas igrejas… foi o Senhor que me deu e me dá tanta fé nos sacerdotes… foi o Senhor que me deu irmãos… do Senhor recebi a revelação de viver segundo a forma do evangelho… o Senhor me revelou a saudação da paz”. (TESTAMENTO)
A minoridade vivida e experimentada neste fazer-se “irmão” possui as seguintes características:
+ Itinerância: “E constituiu Doze, para que ficassem com ele, para enviá-los a pregar” (Mc 3,14). “Dirigindo-vos a elas, proclamai que o Reino dos Céus está próximo. Não leveis ouro, nem prata, nem cobre nos vossos cintos, nem alforge para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado, pois o operário é digno de seu sustento”. (Mt 10,7-10)
+ Anunciador da Palavra e exemplo de vida.
+ Consagrado: “Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles” (Mt 18,20).
+ Comunhão
Neste domingo, dia 6, o moderador Frei Aloísio Cavalcante (OFMCap) abre os trabalhos e Frei Rubens Nunes Mota (OFMCap) tratará das “Perspectivas (projeto de vida)”; à tarde, sob a moderação de Frei Djair Galvan (OFMCap–RS), haverá partilha entre obediências.