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Raniero Cantalamessa escreve sobre São Francisco de Assis

18/07/2014

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Quem realmente foi São Francisco de Assis? Até que ponto o santo padroeiro da Itália mudou a história da Igreja? É verdade que foi um revolucionário, ou melhor, um defensor da radicalidade evangélica? Por que é uma figura ainda tão relevante? Por que Jorge Mario Bergoglio escolheu o seu nome no momento da eleição como Romano Pontífice?

Estas e outras questões são respondidas pelo Pe. Raniero Cantalamessa em seu último livro “Enamorado de Cristo. O segredo de Francisco”, editado por Zenit Books e já à venda. Em entrevista para Zenit, o Pregador da Casa Pontifícia antecipou em exclusiva o conteúdo da sua obra, que promete ser uma das mais profundas sobre o santo mais amado do mundo.

Padre Raniero Cantalamessa, da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, nasceu em Colli del Tronto (AP-Itália), em 22 de julho de 1934. Foi ordenado sacerdote em 1958. É laureado em Teologia pela Universidade de Friburgo, Suíça, e em Letras Clássicas pela Universidade Católica de Milão. Recebeu três títulos de Doutor Honoris Causa: em Ciências do Direito, da Universidade Notre Dame de South Bend (Indiana-EUA); em Ciências da Comunicação da Universidade de Macerata (Itália) e em Teologia da Universidade Franciscana de Steubenville (Ohio-EUA).

Desde 2009, quando não está pregando na Casa Pontifícia e dando Conferências em outras partes do mundo, ele vive no Eremitério do Amor Misericordioso, em Cittaducale (RI-Itália), assistindo como sacerdote, a uma pequena comunidade de monjas de clausura. Em 18 de julho 2013 , ele foi confirmado pelo Papa Francisco pregador da Casa Pontifícia.

raniero2Pe. Raniero, qual é o “segredo” de São Francisco?
Pe. Raniero: O segredo de Francisco de Assis não é uma idéia, mas uma pessoa com um nome específico: “Jesus Cristo e, este, crucificado”. Em outras palavras, o seu segredo é um amor louco por Cristo. Acrescentar outras explicações pode diluir a força deste núcleo incandescente da sua personalidade.

Francisco não era nem um intelectual, nem um milagreiro: de onde nascem, portanto, seu carisma e sua popularidade?
Pe. Raniero: Sim, é incrível. Seu jovem seguidor, Antônio de Pádua, supera-o em milagres e curas e, em certo sentido, também em popularidade. A popularidade de Francisco tem motivações mais complexas. Toda a sua pessoa e o seu agir fazem dele uma das realizações humanas mais talentosas e fascinantes, de acordo com os próprios psicólogos. Quando perguntado pelo seu companheiro Frei Masseo: “Porque o mundo inteiro está correndo atrás de você?”, disse Francisco, um dia: “Porque Deus não encontrou na terra um pecador mais vil do que eu.” Ele era sincero, mas não falava a verdade! Na verdade todo o mundo, a uma distância de mais de oito séculos, ainda corre atrás de Francisco porque vê nele aqueles valores que todos, crentes e não-crentes, secretamente, aspiram: alegria, paz e fraternidade.

O que o levou a viver o Evangelho de forma tão radical?
Pe. Raniero: Voltamos ao tema do “segredo” de Francisco. O que o levou a um discipulado radical do Evangelho era um amor radical pelo autor do Evangelho. A radicalidade é a marca dos santos. Eles dão tudo, não permitem nem sequer uma parada intermédia. Em Francisco, a radicalidade tem também uma razão histórica: a constatação de como era fácil diluir o Evangelho com o que ele chamava de “glosas”, ou seja, interpretações legalistas. Daí o seu clamor, por vezes violento: “Sem glosa! Sem glosa!, ou seja, sem nenhum “distingo”.

De onde nasceu a sua capacidade de amar o sofrimento e de abraçar os pecadores?
Pe. Raniero: Em seu testamento, Francisco diz claramente: “O próprio Senhor me conduziu entre eles”. Era o amor por Jesus que o levava a ir até os membros mais feridos do seu corpo. Há alguns que, do amor aos pobres chegaram ao amor por Cristo (por exemplo, Simone Weil); há outros que do amor por Jesus chegaram ao amor aos pobres. Francisco pertence a este último.

Nos últimos tempos, alguns têm rotulado Francisco como o “primeiro ecologista da história”: não se trata, no entanto, de uma definição anacrônica?
Pe. Raniero: Na verdade, Francisco fez e pregou o que hoje passa sob o nome do ecologismo, mas o motivo do seu ambientalismo é diferente do de hoje. Francisco via na criação a obra e o reflexo de Deus. A sua relação com a criação era doxológica, não sociológica, ou seja, de contemplação e glorificação, não utilitária. Os céus e a terra estavam cheios, para ele como para a Bíblia, da glória de Deus, e ele sentia a necessidade de cantar este louvor. Recuperar algo dessa atitude religiosa ​​beneficiaria imensamente o ambientalismo moderno, que, de outro modo, perde uma das motivações mais fortes para que se respeite a natureza. Ninguém tem desfrutado das criaturas – irmão Sol, irmã Lua, mãe Terra, irmã água – mais do que ele que não queria possuir nenhuma delas.

Quais foram as relações entre Francisco e o Islã, particularmente no contexto das Cruzadas? Essa mensagem ainda é atual?
Pe. Raniero: É bastante conhecido este episódio, narrado nas Fontes Franciscanas e atestado por fontes contemporâneas (Tiago de Vitry) do seu encontro pacífico com o sultão do Egito durante a cruzada que participou. Também deste ponto de vista Francisco permanece solitário na história. Homem de paz, nunca criou polêmica com ninguém, nem com os hereges, nem com os sarracenos. Só queria mostrar a verdadeira face do Evangelho e de Cristo. O fato de que São João Paulo II tenha escolhido Assis como lugar do encontro das várias religiões foi um reconhecimento desse papel pioneiro do Poverello (Pobrezinho n.d.t).

Por que o papa Bergoglio escolheu o nome do Santo de Assis?
Pe. Raniero: Sabemos a explicação que ele mesmo deu. No momento da sua eleição um cardeal amigo, o brasileiro Cláudio Hummes, sussurrou em seu ouvido: “Não se esqueça dos pobres”, e ele, diz, imediatamente pensou em Francisco de Assis. Estou convencido, porém, que aquele nome lhe foi sugerido por Alguém ainda mais acima do cardeal. Em todo o caso, é certo que não podia cair sobre ombros mais dignos para levá-lo. Os fatos estão provando.

Que semelhanças existem entre a pobreza pregada pelo papa Francisco e a do santo padroeiro da Itália?
Pe. Raniero: É uma forma diferente de pobreza nos dois casos (como é inevitável, vivendo em contextos e épocas diferentes), idêntico, porém, o espírito de pobreza que se expressa em simplicidade e sobriedade de vida pessoal e no amor para com os pobres. Acredito que Francisco de Assis esteja bastante feliz no céu por estar tão bem representado na terra, e, justo por aquele ao qual ele, em vida, se dirigia com infinito respeito e devoção, chamando-o de “o sr. Papa”.