Quatro séculos de Paz e Bem no Largo da Carioca
23/03/2019
Moacir Beggo
Rio de Janeiro (RJ) – Ao presidir a Celebração Eucarística de Ação de Graças pelos 400 anos da Fraternidade Franciscana Secular de São Francisco da Penitência, neste sábado (23/3), às 9 horas, o Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta, exortou que, ao fazer memória do passado, é preciso também olhar para o futuro e para os desafios que enfrentam a nossa sociedade, necessitando cada vez mais de homens e mulheres que, com o protagonismo leigo, façam vibrar o Evangelho de Jesus, como fez São Francisco no seu tempo.
Na bela capela da Ordem Terceira, no Largo da Carioca, os irmãos da Fraternidade jubilanda se uniram aos irmãos de outras Fraternidades da OFS, aos frades, às Clarissas, aos religiosos e religiosas, seminaristas e ao povo de Deus num dia em que o que mais se ouviu foi a saudação de “Paz e Bem”! Entre os presentes, o Ministro Provincial da Província da Imaculada Conceição, Frei César Külkamp; o assistente da Fraternidade, Frei Estêvão Ottenbreit; o guardião do Convento Santo Antônio, Frei José Pereira; a Ministra da Fraternidade, Valéria da Costa Pinheiro, e autoridades civis.
Mesmo com a grandiosidade da data – quatro séculos de presença franciscana -, a Celebração foi simples, mas cheia de significados e devotamento. Nove irmãos da Fraternidade fizeram a renovação da profissão da OFS. “Renovamos o nosso compromisso de vida evangélica segundo a Regra da Ordem Franciscana Secular até ao fim de nossos dias. Concedei-nos também que vivamos sempre em harmonia com os nossos irmãos e que demos testemunho aos mais novos deste tão grande dom de Vós recebido, o dom da vocação franciscana. Assim nos tornaremos testemunhas e instrumentos da missão da Igreja, no meio dos homens, anunciando o Cristo com a vida e a palavra”, rezaram os professos com velas acesas nas mãos.
Dom Orani enfatizou, na sua homilia, exatamente essa promessa que fizeram como irmãos leigos e irmãs leigas, recordando que no ano passado a Igreja celebrou o Ano do Laicato. “E nós estamos justamente hoje, aqui, no Rio de Janeiro, comemorando 400 anos de uma Fraternidade leiga da Ordem Franciscana Secular, que é a São Francisco da Penitência, onde leigos e leigas exercem o protagonismo. Embora tenham assistência dos frades e a oração das Clarissas, como leigos e leigas estão presentes na sociedade e levam o carisma franciscano não só aqui no Rio de Janeiro mas em tantas cidades onde a Ordem Franciscana Secular se faz presente”, observou o Cardeal, recordando que, no tempo do Brasil Império, muitas pessoas da família imperial ingressaram na OFS.
“Ao agradecer a Deus pelos 400 anos desta Fraternidade da Ordem Franciscana Secular, estamos agradecendo a Deus por tantos homens e mulheres que nos precederam e que exerceram a sua missão na sociedade”, enfatizou.
Segundo Dom Orani, a Palavra de Deus ouvida nesse tempo da Quaresma, nos indica um chamado à conversão, à mudança de vida, uma volta para o Senhor. “É um convite para que nós não tenhamos medo de nos aproximarmos de Deus, que é misericordioso. Creio que todos nós somos chamados, nesse tempo da Quaresma, a fazer a experiência da misericórdia em nossa vida como leigos e leigas”, disse.
Ao fazer essa memória dos 400 anos, Dom Orani também questionou como viver essa espiritualidade franciscana no mundo de hoje, marcado por injustiças, problemas os mais diversos, ódio e vingança, mortes, e que nos fazem pensar para onde caminha a humanidade?
“Tenho certeza que, assim como Francisco de Assis, os leigos, que vivem essa espiritualidade e aqui caminham há 400 anos, alinham com esse protagonismo do leigo de ser esse fermento na massa, de ser essa presença na sociedade que necessita desses valores que Francisco de Assis viveu intensamente, como nós ouvimos no comentário inicial, de colocar em prática a Palavra de Deus”, enfatizou o Arcebispo do Rio, dizendo que não faltará a graça do Espírito Santo para levar essa missão no mundo de hoje.
Frei César destacou que, para a Província, era uma alegria grande participar deste momento. “Como foi bem lembrado pelo Cardeal, o protagonismo dos leigos no mundo, na sociedade e na Igreja, é também um anseio nosso”, disse o Ministro Provincial. “A OFS já é essa expressão há tanto tempo conosco aqui no Convento Santo Antônio nesses 400 anos”, acrescentou.
Para o Ministro Provincial, o carisma franciscano, vivido muito intensamente pela Ordem Franciscana Secular, é a fraternidade. “Nós temos que tornar ainda mais evidente a fraternidade nessa sociedade que vivemos hoje, marcada por ódios e preconceitos, e formar uma só fraternidade”, pediu Frei César.
OS SONHOS DO FUTURO
Para o assistente espiritual Frei Estêvão Ottenbreit, celebrar 400 anos não é celebrar qualquer data, mas uma “soma considerável de anos”, e a presença de uma Fraternidade no mesmo lugar. “É claro que ela não esteve imune a todas as peripécias e problemas. Uma certa época até esteve nas mãos da maçonaria, mas depois se recuperou e mais recentemente, com a reorganização, manteve viva a presença franciscana”, explicou o assistente, referindo-se ao fato de que a Ordem não administra mais o Hospital São Francisco de Assis da Tijuca.
Hoje, segundo Frei Estêvão, a Fraternidade tem aqui a incumbência de guardar esse tesouro construído ao lado Convento dos frades, “de tal modo que separamos um pouco o que é OFS e administração”. Segundo Frei Estêvão, muita gente, em vida, doou os bens para a Fraternidade. “Essa riqueza gerou a cobiça. Na época da maçonaria, ser ministro de uma Fraternidade era status“, explicou o frade, que hoje reside em Roma, onde é guardião do Antoniano. Segundo ele, há cem anos, por causa desses problemas, um grupo se separou, formando outra Fraternidade ligada aos frades. “Havia, então, a Fraternidade rica e a Fraternidade pobre. E hoje é hora de superar isso e chegar a uma única Fraternidade. Mas isso são sonhos do futuro”, revelou.
A Ministra da Fraternidade, Valéria da Costa Pinheiro, lembra que a Fraternidade é pequena. Apenas 9 irmãos participam regularmente das atividades, porque alguns são idosos. “Mas 10 candidatos estão em formação”, anima-se Valéria, que também festeja o fato de a Fraternidade voltar a se reunir no local de origem porque antes tinham como base o Hospital. “Isso uma bênção muito grande, porque passamos a pesquisar e a vivenciar esse local como um lugar sagrado. Desde 1619 que essa Fraternidade se reunia aqui, onde fazia todo o atendimento aos irmãos da Ordem e aos mais pobres. Para nós, voltar aqui foi uma emoção muito grande. Nós estamos procurando honrar esse presente que nos foi dado. Tudo isso aqui é um pouco de toda a OFS”, enfatizou. Para ela, nenhum bem é maior do que seguir a Cristo à maneira de São Francisco: “Ele o maior bem. É o nosso ‘Paz e Bem’!”.
A história desta Fraternidade começou quando um casal de portugueses, Luís de Figueiredo e Antônia Carneiro, irmãos da Ordem Terceira de Lisboa, ganharam dos frades franciscanos do Convento Santo Antônio um terreno onde construíram a capela e nasceu a primeira Fraternidade Franciscana do Rio. Era 20 de março de 1619. Nesses quatro séculos, grandes obras foram realizadas, como a igreja dedicada a São Francisco das Chagas, o asilo para pessoas idosas, o hospital e o cemitério.
A “Capela Dourada” da Ordem Terceira é uma das mais belas do Brasil. Os principais artistas que trabalharam na ornamentação da capela principal e demais dependências tinham origem portuguesa: Manoel de Brito e Francisco Xavier de Brito, entalhadores e Caetano da Costa Coelho, este último, natural da cidade do Porto, exímio pintor e dourador. A pintura da Capela-mor representa São Francisco sendo recebido no céu por Jesus e Nossa senhora, e a do corpo da Igreja, a Glorificação de São Francisco de Assis.
Hoje, essa joia cultural e religiosa faz parte do Museu Sacro Franciscano, que abrange atualmente todos os espaços, galerias e construções existentes no terreno localizado, na Rua da Carioca, nº 5, Centro do Rio de Janeiro: Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência e suas capelas: Capela Primitiva da Ordem (Nossa Senhora da Conceição), Capela do Santíssimo, Capela dos Noviços, Antessacristia, Sacristia, Capela de São Francisco, Capela das Promessas, Capela dos Ex-votos, Quarto do Padre Assistente, Capela das 5 Chagas, Calvário, Consistório, Coro, Ante-Coro, Mansarda, Galerias e escada, Pátio Interno, Jardim de Santa Clara, Cemitério antigo das Catacumbas e Capela das Exéquias, Jardins, Horta, Pomar e Arquivo.
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