Pastoral do Surdo constrói pontes de inclusão na Paróquia Nossa Senhora Aparecida
05/11/2025
Texto por Paróquia Nossa Senhora Aparecida em Nilópolis (RJ)
Fotos por Danielle Rocha e Ana Paula

A Paróquia Nossa Senhora Aparecida, em Nilópolis, vive um momento de profunda graça e acolhimento com o avanço da Pastoral do Surdo. Esta iniciativa, marcada pelo desenvolvimento e pelo serviço dedicado, não apenas traduz a Liturgia, mas torna a fé e a vida comunitária acessíveis às pessoas surdas da Baixada Fluminense.
A Pastoral do Surdo, movida pelo desejo de que todos conheçam a Palavra de Deus e experimentem o amor de Cristo, é um convite concreto ao protagonismo e à participação plena dos irmãos e irmãs surdos na vida da Igreja.
O chamado de serviço: a trajetória de Mariana Motta
A professora de Libras e coordenadora da pastoral surdo de Nova Iguaçu, Mariana Motta, compartilha a origem de seu serviço à Igreja. Seu contato com a Libras começou cedo, por volta dos 13 anos, despertado pela “angústia de querer conversar, de querer saber” com a empregada surda de sua tia.
Um dia eu coloquei um quadro, coloquei na minha varanda e quando ela estava indo embora eu chamei e falei, me ensina o alfabeto? E ali foi quando eu comecei a aprender… tudo eu fazia com alfabeto e ela foi me ensinando, me ensinando como realmente de fato me comunicar,” relembra Mariana.
Com o tempo, a dedicação se aprofundou. “Eu sempre brinco que eu fui uma adolescente diferente, eu não tive uma adolescência no inglês, eu tive uma adolescência na Libras.” Após realizar diversos cursos e interpretar em outros grupos, ela conheceu o trabalho da Pastoral do Surdo do Rio de Janeiro, motivada por um sacerdote de Nilópolis. “Na época foi até um padre de Nilópolis, na época o padre Ricardo, foi um dos meus maiores motivadores e me convidou a conhecer a Pastoral do Surdo do Rio de Janeiro.”
Mariana buscou aprimoramento constante: “Não tinha ainda nada na Baixada, aí eu ia à Pavuna, eu ia para Lagoa, eu ia para as pastorais que já existiam para aprender e aí tinha um curso de formação na Cúria também, que era estudo de sinais religiosos, eu comecei a fazer todo sábado, eu ia lá para Glória e fazia com os surdos que são hoje da Lagoa.”

Protagonismo e desafios na Pastoral
O trabalho na Paróquia Nossa Senhora Aparecida começou por intermédio de uma aluna de Mariana na universidade, a Maria Eduarda, que a ajudou a conversar com o Frei João Reinert O.F.M. atual pároco da Matriz em Nilópolis.
Mariana atua hoje na Pastoral do Surdo de Nova Iguaçu e auxilia na Comunidade Surda do Recreio. O início do trabalho em Nilópolis visa a formação de novos membros.
“Um dos critérios que estabeleci com o Frei João que não seria a única professora, já que a intenção é formar um grupo de intérpretes para a Pastoral do Surdo, teríamos um professor surdo, e com isso Fernando, que já é membro da Pastoral de Nova Iguaçu dá as aulas e eu faço a parte mais administrativa, e quando tem algum evento aula teórica.”
Mariana aponta os grandes desafios da Pastoral:
Participação da Comunidade Surda: “É fazer com que a comunidade entenda como é a Pastoral do Surdo. […] Entender que a Pastoral do Surdo está em todas as missas. Atualmente a Pastoral do Surdo participa nas missas de 10h e eu interpreto. Porque a partir do momento que eu estou interpretando, a Pastoral do Surdo está participando.”
Protagonismo Surdo: “É trazer o protagonismo do surdo. Muitas pessoas querem impor a cultura ouvinte, querem impor como os ouvintes se comportam. E quem deve realmente direcionar a Pastoral do Surdo é o surdo.”
*De acordo com o censo de 2022, a dificuldade para ouvir, mesmo com o uso de aparelhos auditivos, atingia 2,6 milhões de pessoas no Brasil.

Para participar das aulas de Libras na Paróquia Nossa Senhora Aparecida, Mariana informa que é necessário entrar em contato com o pároco Frei João na secretaria paroquial, ter disponibilidade às 4ª feiras à noite para participar das aulas que acontecem on-line para a turma de 2026 .
A perspectiva da aluna-voluntária
A aluna Ana Paula, que iniciou seu aprendizado de Libras e se voluntariou para a Pastoral, reforça o compromisso da comunidade com a inclusão.
“Decidi me voluntariar na Pastoral do Surdo por acreditar na importância da inclusão e da participação plena das pessoas surdas na vida da igreja. Além disso, o aprendizado da Libras me motiva por ser uma forma de comunicação que promove o respeito, a empatia e a valorização daqueles que muitas vezes são excluídos da sociedade.”
Ana Paula não possuía experiência prévia com a Libras, mas demonstra grande dedicação: “As aulas têm sido desafiadoras, já que se trata de uma nova alfabetização. Às vezes penso em desistir, mas esse pensamento logo passa, pois sei que cada aprendizado exige esforço e paciência.”
Apesar dos desafios, como a agilidade na comunicação, ela celebra as conquistas: “Tenho descoberto que sou capaz de aprender e que o estudo constante traz autonomia. Recentemente, consegui até me comunicar em Libras com duas crianças surdas na rua, o que me deixou feliz e motivada a continuar.”
Para aprimorar, a turma tem o hábito de se reunir semanalmente “para que os alunos com mais facilidade na Libras possam auxiliar os colegas que ainda têm dificuldades.”

A fé é a base de seu serviço
“A minha fé se une ao desejo de servir como intérprete e em outras atividades pastorais porque acredito que servir é uma expressão concreta ao amor de Deus. Inspirada pelas palavras do saudoso Papa Francisco, vejo nas pastorais uma forma de a igreja transformar o mundo com gestos de inclusão e solidariedade.”
Para Ana Paula, tornar a Palavra de Deus acessível
“Significa promover a verdadeira inclusão dentro da igreja, onde todos possam sentir-se acolhidos e amados. É um gesto de superação de preconceitos e de valorização da diversidade, reconhecendo que cada pessoa tem um lugar importante no corpo de Cristo.”

A palavra acessível: o sentido da fé para Fernando Sant’Anna
Para Fernando Sant’Anna, surdo e membro da Pastoral, a missa traduzida em Libras é um momento de encontro e revelação:
“Para mim, participar da missa traduzida em Libras me dá a oportunidade de conhecer a Deus, a Jesus e saber o quanto Ele nos ama e é inclusivo, ninguém está fora do seu projeto de amor e respeito a todos, nos aceitar e incluir como somos. Como a Libras eu posso conhecer Jesus através da sua palavra que prega amor e igualdade, acessibilidade ao seu projeto de amor para todos nós.“
Ele explica a diferença na experiência de fé: “Exemplo que eu sei, por descrição de pessoas ouvintes que a música nos aproxima de Deus, mas para os surdos só a palavra de Deus, chega até nós, graças a Libras.”
“Formar a palavra de Deus mais acessível, é incluir as pessoas surdas, essa palavra que sempre é sinal de esperança, positividade, todos saberem que são amados por Deus, queridos por Deus, que ser surdo para Deus não é diferença, é só um detalhe que ele nos dá a graça de vencer a distância de Deus, ao poder conhecê-Lo pela sua palavra com a Libras não é fácil para nós, surdos, pois entender Deus, uma fé tão abstrata. Para o surdo é mais lógico e mais fácil acreditar no que vemos, somos seres muitos visuais, e nós não vemos Deus, mas a palavra ensina a percebermos onde ele está.”
Os desafios da tradução litúrgica e o crescimento
Mariana reconhece a complexidade de traduzir a missa: “É bem difícil, levar todo sentimento, emoção, simbolismo que temos na liturgia. A missa é um momento mágico, e passar isso as vezes é bem difícil, pelas suas metáforas, as leituras muitas vezes bem complexas, os momentos de adoração… São momentos que muitas vezes basta olhar e sentir, e tento passar essa simplicidade.”
Atualmente, a Pastoral de Nova Iguaçu conta com Mariana na coordenação, três meninas que iniciaram há um ano, e Fabrício, um intérprete mais antigo. O trabalho em Nilópolis, embora recente, já traz frutos.
“Ainda não divulgamos na comunidade surda de Nilópolis, até pela turma estar iniciando agora, participaram pela primeira vez de uma missa em Libras. Mas já tem alguns surdos bem felizes, pois moram em Nilópolis e não vão precisar ir a Nova Iguaçu,” afirma Mariana.
Sobre a inclusão geral na Igreja, Mariana destaca: “Hoje já temos um grande avanço, a nível Rio de Janeiro temos a PASPED (Pastoral da Pessoa com Deficiência) que pensa no processo de inclusão, mas de modo geral é compreender as diferenças, perceber as especificidades de cada pessoa.” Para que o trabalho se torne uma Pastoral forte, ela ressalta a necessidade: “Precisamos da comunidade surda, pessoas surdas que estejam engajadas na caminhada da igreja, que sejam protagonistas na fé. E intérpretes voluntários, que sintam o chamado para servir com suas mãos.”
A fé de Mariana a move: “Não é uma tarefa fácil, mas Deus vai me mostrando os sinais, me dizendo que é para isso que estou aqui… e como boa serva eu só posso dizer ‘Eis me aqui’. Quero poder passar o mínimo do que sinto e vivo com Deus para os surdos, por meio das minhas mãos.”
Expectativa de impacto comunitário
A alegria do serviço é sentida na troca com a comunidade: “É um desafio, hoje não consigo fazer todas as atividades paroquiais acessíveis, mas é muito prazeroso, você receber a troca de olhar com gratidão, lembro do dia da Crisma da Pastoral do Surdo, como os olhos brilhavam de alegria, cada abraço que recebi, isso é o maior significado que pode ter, a gratidão.”
Para Fernando, a expectativa é de um impacto comunitário que rompe o isolamento. “Levar as pessoas a perceberem que existe pessoas surdas e que essas pessoas também querem acessibilidade com Deus, e de uma outra forma, acessar a palavra de Deus com a Libras e essa palavra muitas vezes vai ser um sinal de esperança para pessoas que estão isoladas, a oportunidade de novos amigos, uma vida comunitária, saber que somos amados por Deus.“
Ana Paula também compartilha essa visão de futuro. “Minha expectativa é que a Pastoral do Surdo cresça como um verdadeiro instrumento de inclusão e evangelização, permitindo que as pessoas surdas participem plenamente da vida da igreja. Desejo que sejam fortalecidas ações como formação e capacitação de intérpretes de Libras, catequese acessível, formação de agentes pastorais e a criação de espaços de convivência, cultura e fé para a comunidade surda. Mais do que interpretar celebrações, a pastoral deve promover o protagonismo do surdo, reconhecendo-o como missionário, catequista e anunciador do Evangelho entre os seus.“
Mariana conclui com uma visão de crescimento regional: “A Pastoral do Surdo impacta toda a comunidade… Mas vejo de forma bem positiva, a Baixada precisa de novas Pastorais e Paróquias inclusivas, não existem só 15 surdos católicos, então assim conseguiremos a evangelização de mais surdos.”


