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Paróquia Santa Clara de Imbariê em tempos de pandemia

05/06/2020

Notícias

Frei Gabriel Dellandrea

Jardinagem, pequenas reformas, culinária, cantorias nas sacadas, vídeos em aplicativos ou até mesmo exercícios físicos. Essas e outras atividades foram iniciativas que muitas pessoas criaram ou aprimoraram para enfrentar o período de isolamento social, tendo em vista os tempos de pandemia em que vivemos. Assim, a criatividade e a capacidade de se reinventar também atingiram em cheio a Igreja e suas formas de evangelização e presença na vida das pessoas. Inovações, adaptações, alegrias e desafios foram sentidos na pele pelos cristãos que diariamente procuraram inovar na sua forma de vivenciar a fé.

Tripé, cabos, computador, câmera: aliados para uma boa transmissão.

O Papa Francisco, na Encíclica Evangelii Gaudium, no parágrafo 24, utiliza um termo que pode nos ajudar a compreender tudo o que vivemos na Igreja nesse período: o neologismo “primeirear”. O Pontífice define este verbo como “tomar a iniciativa”. Assim, muitas comunidades viveram essa busca por dar um pontapé em ações novas ou aprimorar as existentes, para garantir uma evangelização que amenize os efeitos do distanciamento social em tempos de pandemia.

Neste aspecto, nós da Paróquia Santa Clara de Assis, do distrito de Imbariê – Duque de Caxias/RJ, procuramos também, com diversas iniciativas, “primeirear” ou avançar para águas mais profundas nas nossas atividades, mesmo que suspendendo outras que não possíveis de adequação. É claro que experimentamos a doçura de plasmar novos horizontes, mas também o amargo dos limites que, apesar dos esforços, não superam o modo “normal” como as coisas eram feitas.

Selecionamos, então, alguns relatos de iniciativas que foram acontecendo em nossa Paróquia. É claro que nessas poucas linhas não conseguiremos demonstrar tudo o que foi feito, pois há realizações mais visíveis, há aquelas que chegaram aos nossos ouvidos e há, outrossim, aquelas que permaneceram no silêncio da experiência de fé de algumas pessoas. Mas no intuito de partilhar e fazer conhecer alguns aspectos, queremos que o leitor se delicie com algumas das “primeireações” que o Senhor Deus tem inspirado em nossas comunidades. Pedimos desculpas por não conseguir contemplar todos, mas Deus vê aquilo que o limite humano não consegue enxergar!

Painel de São Francisco e Santa Clara pintado no salão paroquial: os santos de Assis são ao nossa inspiração para “primeirear”

            Uma paróquia em oração!

“Apesar da distância, somos um só coração”: é com essas palavras que procuramos a motivação para a realização de transmissões online das celebrações eucarísticas e outras orações. A chamada “live” entrou em cheio em nossas casas, batendo nas portas das nossas ondas de Wi-Fi e dizendo que podemos estar um pouco mais próximos, mesmo que iluminados pela tela do celular – e pela luz do Espírito Santo. Foram mais de 50 transmissões ao vivo até o fechamento desta matéria, onde rezamos juntos, cantamos, nos emocionamos, trouxemos nossos louvores e pedidos a Deus Pai.

Detalhe da ornamentação para a Quinta-feira santa

Durante a Quaresma, tempo litúrgico que iniciamos as transmissões, além das celebrações eucarísticas, realizamos a oração da Via-Sacra contemplando as dores do Senhor com relação às dores do mundo em tempos de pandemia. A Cruz do Senhor agora ganha também um nome na cruz de muitos irmãos: Covid-19. Enquanto lembrávamos do Cristo carregando sua cruz pelas ruas de Jerusalém, recordávamos das ruas vazias da nossa “Jerusalém”, que estava lutando contra o vírus. As lágrimas do Cristo na cruz eram as nossas diante das mortes que víamos chegando cada vez mais perto de nossa realidade já sofrida da Baixada Fluminense.

Além deste momento devocional, realizamos a chamada Celebração Penitencial, procurando preparar bem o nosso coração para contemplar o mistério da Ressurreição. A Semana Santa, sendo o ponto mais importante do calendário litúrgico, foi vivida com intensidade apesar da distância. Um símbolo muito forte de união foi a presença dos círios pascais das 12 comunidades na noite da Vigília Pascal. Os cânticos, que outrora eram entoados por um grupo paroquial, agora eram entoados pelas vozes dos quatro freis que também prepararam todos os outros elementos da liturgia para que quem estivesse do outro lado das telas pudesse ao menos ouvir a Palavra e contemplá-la em sua profundidade. Durante todo o Tempo Pascal, bem como a Solenidade de Pentecostes, que também lembramos da comunidade Divino Espírito Santo que recorda seu patrono neste dia, inúmeros fiéis continuaram acompanhando as transmissões.

Sobre as transmissões ao vivo das celebrações, Eloísa Helena Martins, da comunidade São Francisco, partilhou conosco que “neste tempo de pandemia, a nossa comunidade tem permanecido fechada como todas as outras. Mas tem sido muito gratificante poder assistir pela internet as missas, o terço, e todas as outras atividades realizadas pela paróquia. Estamos mesmo precisando de palavras de conforto. Este tempo está muito difícil pois a minha família está longe e, através da transmissão, a Paróquia se confirmou como sendo também minha família, que está comigo!”.

Rosilda Lima e sua família: inauguraram as orações do terço transmitidas ao vivo a partir das casas

             Maio: mês de Maria, dos terços e das devoções online!

O mês de maio, junto com a alegria do Tempo Pascal, trouxe uma perfumada flor para os nossos jardins das “Lives”: a intensa memória acerca de Maria que a Igreja realiza nesse período. Foram 31 dias de uma programação especial para recordar da Virgem do Sim, que no seu silêncio e serviço ao Reino, nos dá indícios de como viver bem a nossa fé. Por isso, dando continuidade a uma prática de muitas comunidades e famílias da Paróquia, rezamos todos os dias o terço, com exceção dos dias que tínhamos a Missa. Ora esta oração aconteceu na Fraternidade Mãe Terra, ora aconteceu nas casas das famílias das nossas 12 comunidades.

Emanuell, 5 anos, rezou uma dezena do Terço

A transmissão da Oração do Terço nas casas das famílias das comunidades foi um misto de alegria e tensão: houve quem até escreveu o passo a passo do terço para que, no nervosismo, não errasse qualquer palavra em louvor a Maria. Houve quem preparou cantos, altares com imagens de Nossa Senhora, chamou toda a família para rezar. Na Comunidade Santa Bárbara, na casa da Simone da Silva Vitor, o Emanuell, seu filho de 5 anos, rezou um mistério do terço e cativou a todos com a sua fé. Enfim, as iniciativas foram todas muito bem elaboradas e apesar do medo de estar “ao vivo”, cada comunidade vivenciou muito bem do seu jeito. A primeira família que “primeireou” na transmissão ao vivo pela nossa página da oração do terço foi a igreja doméstica da casa da Rosilda Lima, da comunidade Nossa Senhora Aparecida. Ela nos deixou seu testemunho dizendo: “Fiquei muito feliz em representar minha Comunidade rezando com minha família. O terço foi rezado todos os dias com todos juntos. A nossa mãe merece! Agradeço muito por fazer parte dessa paróquia que muito tem nos ajudado neste momento tão difícil que estamos passando”.

O jovem Adriano Firmino de Souza representou a sua comunidade Santa Terezinha rezando a oração do terço que foi transmitida a partir da capela da própria Comunidade. Ele partilhou conosco que “representar a comunidade é o sentimento de ser um filho que representa a sua família. Eu tenho todo carinho pela comunidade, que eu amo de coração. Para mim é um privilégio fazer parte desta Comunidade e ser parte desta família”.

Além disso, o altar onde estava a imagem de Nossa Senhora da Fraternidade Mãe Terra sempre estava muito florido graças à generosidade de alguém que sempre floriu a nossa Paróquia: a Irmã Terezinha Boni, das Irmãs Catequistas Franciscanas. Não demorava muito para chegarem aquelas coloridas flores que ornamentavam a nossa capela e faziam a nossa transmissão ainda mais colorida e alegre.

Doações no dia da celebração em ação de graças pelos 5 anos da Laudato Si’.

Mas não foi só a capela da Mãe Terra que esteve florida. Como é de costume, as famílias prepararam seus oratórios em suas casas e enviaram as suas fotos para a Página do Facebook. Estas estão no álbum do especial: “A Mãe está na minha casa”. Somado a isso, todos os dias eram divulgados pequenos vídeos com frases sobre Maria, proferidas por muitos irmãos e irmãs que traduziram em palavras suas experiências de fé com Nossa Senhora.

Além disso, ainda no mês de Maio, no dia 23, a Paróquia realizou, juntamente com as ONGs “Desata-me/Paz e bem” e “Amigos do Ministério Público”, uma celebração em comemoração aos cinco anos da Encíclica Laudato Si’. Estas organizações, juntamente com outras iniciativas, têm garantido à nossa Paróquia um número considerável de cestas básicas. Elas quiseram celebrar conosco, mesmo que com todas as limitações do isolamento social e evitando aglomerações, esta data importante, trazendo também um número de materiais a serem distribuídos em nossas comunidades.

 Uma Paróquia em constante formação

Frei James, tendo ao lado Frei Gabriel, apresentando o tema: “O lugar de Maria na Palavra de Deus”.

Uma característica forte de nossa realidade paroquial é o aspecto formativo. Seja pelo Curso de Teologia ou outras iniciativas, os paroquianos constantemente são envolvidos com momentos de formação e atualização. E neste período não poderia ser diferente. É claro que diminuímos o ritmo e sabemos que não conseguimos atingir todas as pessoas, mas a internet tem sido uma ferramenta que nos ajuda a manter esse “fio formativo” nas nossas comunidades. Durante o mês de Maio duas formações sobre Maria – assessoradas por Frei James Girardi e Frei Gabriel Dellandrea, com o apoio de toda a fraternidade dos freis – procuraram compreender melhor  “O Lugar de Maria na Palavra de Deus”. Para os próximos meses, procuraremos já fazer um calendário, que aos poucos vai ser divulgado! Nesse sentido, o jovem Francisco Martins partilhou conosco um pouco de como tem sido para ele também o uso das ferramentas das mídias digitais para aprimorar seus conhecimentos:

“Vivemos um momento complicado. Por vezes, me vejo tomado por preocupações. Além disso, fico cheio de saudades: saudades de ver os amigos, de estar em comunidade, dos abraços… Mas, por mais que seja difícil, é um tempo que também me ensina muita coisa. Aprendi que, mesmo não estando juntos presencialmente, estamos sempre juntos espiritualmente. É tempo de perceber isso e se reinventar. Usar a tecnologia nas nossas mãos para se conectar ao que realmente importa e, ao mesmo tempo, valorizar mais os momentos simples em casa e com a família. Agora a igreja é doméstica, assim como as primeiras igrejas. Busco rezar com a família, com a Paróquia e com toda a Igreja pelas redes sociais. Vivo momentos de espiritualidade em vídeos, lives, podcasts, textos, notícias… Estar em casa também foi oportunidade para que eu pudesse me voltar a mim mesmo, me conhecer melhor, me aprimorar, me reinventar, para cada vez mais ser o melhor que posso ser”.

Equipe administrativa: um retorno sobre a situação da Paróquia

Sabemos que o aspecto financeiro tem afetado grandemente as nossas famílias. Todos sentimos na pele que neste tempo de instabilidade, e com maior ou menor intensidade, foi preciso refletir bem nos gastos para garantir o essencial. E em nossa Paróquia aconteceu este mesmo movimento. Logo a preocupação com os gastos apareceu, pois mesmo diante do fechamento das igrejas para atividades, outras saídas financeiras continuaram acontecendo. Apesar da preocupação, Deus nos surpreendeu com sua infinita bondade e suscitou a solidariedade entre os membros de nossa Paróquia, dizimistas e benfeitores. Fátima Magalhães de Oliveira, da Comunidade São Pedro e São Paulo, que faz parte da equipe administrativa da Paróquia, nos brindou com este bonito relato:

“Foi uma alegria ver que nossos irmãos e irmãs responderam com muita generosidade para com as necessidades e compromissos de nossa Paróquia. Isso com campanhas de conscientização para continuarem dando seus dízimos e ofertas, mesmo não tendo nossas celebrações presenciais. O carinho e a preocupação para com esses irmãos e irmãs foram correspondidos pela Paróquia, que, mesmo com todas as limitações, fizeram as transmissões online. Elas foram formas para as comunidades estarem envolvidas. Acredito que foi muito importante para nos sentirmos unidos, mesmo que distantes. Assim, nossos irmãos e irmãs nos mandavam mensagens perguntando sobre como poderiam nos enviar seu dízimo, e em isso tudo prevaleceu o amor”.

O cantor e tecladista Marcelo Vinícius  animou a Live Solidária.

Live Solidária: a festa da Paróquia

Sabemos que uma das atividades mais recorrentes em nossas comunidades pelo Brasil afora são as chamadas “festa de Igreja”. Para os membros da comunidade é tempo de muito trabalho de preparação, mas também de alegria, descontração. É o lúdico de nossas comunidades, e precisa ser vivido e valorizado! E neste tempo de isolamento, aglomerações não são permitidas. Mas a Paróquia não deixou de “aglomerar alegria” e mesmo online, garantiu uma festa, com direito a música e animação, garantidas pelo cantor e tecladista Marcelo Vinícius. A live teve também sorteio de prêmios e prestação de contas. Síntia Porfíria de Souza da Silva, da Comunidade Jesus Crucificado, assim resumiu os sentimentos que viveu durante a Live e já mandou um recado para a próxima:

Uma doação de cestas básicas que foi inspirada durante a Live Solidária

“Nós, aqui em casa, principalmente eu e a Rafaela Maria, estávamos muito empolgadas com a Live Solidária. Ainda mais uma live promovida por gente que nós conhecíamos, gente da gente. Montamos um ambiente, colocando um globo iluminado para ficar ainda mais alegre e divertido. A Rafaela Maria achou sensacional, mas deu a sugestão que na próxima live tivesse músicas infantis! Mas tudo deu certo, o caminho é esse a ser seguido. Nosso muito obrigado por aquele fim de domingo agradável e feliz”.

Mas a Live tinha um adjetivo que a definia: Solidária. Ela era um momento não só de descontração, mas também de prestação de contas e exercício da solidariedade. Muitas pessoas fizeram suas doações durante a transmissão, bem como depois, impelidos pelo apelo feito durante o ocorrido, lembrando da nossa alegria na caridade! A todos, o nosso muito obrigado! Seja em dinheiro, cestas básicas ou outros materiais, qualquer doação é sempre bem-vinda e será encaminhada aos mais necessitados! E, nesse momento, queremos recordar um episódio emocionante da Live. Frei João Reinert anunciou que a sua família estava oferecendo uma ajuda para a aquisição de cestas básicas e outros elementos. E ele lembrou que um dos benfeitores era o seu familiar Fábio Fachini, da cidade de Gaspar (SC), que há quatro anos recebeu as orações da nossa Paróquia, pois foi acometido pelo vírus H1N1, sendo desenganado pelos médicos, mas que, por um milagre, venceu a doença com uma rápida recuperação.

 “Comida para quem precisa”

A nossa Baixada Fluminense possui inúmeras qualidades que tornam este um local sagrado. Muitas pessoas vivem uma busca intensa de espiritualidade, amizade, caridade e amor. Apesar disso, há também inúmeras fragilidades sociais e problemas que deixam a população deste território muitas vezes desassistida. Saneamento básico, segurança, saúde de qualidade, educação… essas e outras pautas são necessidades recorrentes que são enfatizadas pela fala ou pela simples análise da realidade da população.

E neste tempo de instabilidade, esses problemas se agravam. A insegurança com relação ao trabalho, a diminuição na oferta de empregos, a limitação de tantos recursos fez com que as dores de muitos se tornassem ainda maiores, ou ao menos as suas preocupações com o amanhã, que se antes eram grandes, foram ampliadas. Diante deste contexto não é possível ficar indiferente, de braços cruzados, enquanto que os nossos irmãos e irmãs têm fome. E foi assim que a toda a Paróquia se mobilizou numa rede do bem que contou com duas iniciativas, que serão resumidas aqui, com alguns testemunhos:

Parceria FAIM e Paróquia

Uma das iniciativas foi idealizada e iniciada pelo FAIM (Festival de Artes de Imbariê), grupo artístico que realiza atividades culturais na região. No início da crise causada pelo coronavírus, o grupo se questionou: “O que podemos fazer diante disso tudo?”. Foi, então, que iniciaram as tratativas para arrecadar cestas de alimentos para famílias em situação de vulnerabilidade social. As primeiras doações vieram de professores universitários de membros do grupo. Essa atividade ganhou visibilidade de modo que o projeto foi contemplado com a oportunidade de fazer parte de um coletivo que se chama “Rio contra o Corona”, que recebe doações de insumos de empresas para distribuir cestas básicas.

A metodologia de trabalho foi de estabelecer um limite territorial para entregar as cestas nos sub-bairros do terceiro distrito de Duque de Caxias (chamado de Imbariê). De tal forma, o projeto acabou também tendo envolvimento com o território de algumas das comunidades de nossa Paróquia. A ideia do projeto, para evitar aglomerações, foi de criar subpolos com representantes locais para ajudar da distribuição. O apoio paroquial para este grupo também se dá com voluntários que são representantes locais, ou ajudam a separar o material, entregar nos subpolos… Além disso, o espaço da comunidade Jesus Crucificado se tornou o polo central onde são reunidas as doações a serem distribuídas.

Cestas básicas com livros: a fome também é de informação e cultura

Todo o trabalho tem sido muito forte, ocorrendo sempre nos domingos a principal tarefa de distribuição. Este dia foi escolhido como mais adequado para o grupo de voluntários. Porém, isso não impede o fato de que muitos tiveram que abrir mão de seus compromissos e gostos, como é o caso da jovem estudante Bruna Maria, da comunidade Jesus Crucificado, e que participa do FAIM, também sendo uma das organizadoras deste projeto. Na dedicação ao projeto, ela afirmou que acaba não participando das transmissões ao vivo da Paróquia como gostaria, mas procura seus meios de nutrir a fé. Um exemplo disso é o bonito testemunho que ela nos deixou:

“Eu tenho certeza que o projeto, apesar de não conter os ritos de uma liturgia tradicional, é a minha comunhão dominical para que eu consiga ter forças para continuar. Essa quarentena não está sendo fácil para absolutamente ninguém. Nós, que também continuamos estudando, temos que continuar produzindo. Então, como podemos diante disso preparar o nosso emocional para viver esse tempo? Esse projeto tem me dado muita força. O FAIM, como grupo de manifestação artística, com isso procurou apoio também nos grupos religiosos, para justamente ajudar na construção de um Reino de Amor, da civilização do bem, da solidariedade e da misericórdia. Jesus passou um perrengue na vida para demonstrar justamente isso: que precisamos nos unir para ajudar o próximo e a próxima! Diante da indiferença dos governantes, esses pequenos grupos se mobilizam para tentar amenizar todo esse problema. Tudo isso tem sido muito produtivo para o meu coração, para a minha mente e para a minha fé”.

Experiência parecida vivenciou o jovem estudante Luiz Henrique da Silva dos Santos, da Comunidade São Domingos, que tem sido voluntário no projeto e relatou os sentimentos que afloram com tal prática: “Tem sido uma experiência desafiadora e impactante pois por mais que eu more e conheça essa região há 15 anos, tem certas realidades que fogem aos nossos olhos. Chegar em algumas casas e ou saber de algumas situações mais a fundo tem me feito perceber o quanto o Estado quis fazer pouco por nós, e quando fez, foi só para maquiar determinados pontos do bairro. O sentimento, por vezes, é um misto de satisfação por poder ajudar as pessoas mas também isso se une a uma angústia de não poder fazer mais, pois a realidade de quem está ajudando não é de um megaprivilégio”.

Somos a Igreja do Pão Repartido

Embora a Paróquia tenha feito a sua parceria com o FAIM, essa realidade não abarcou todas as comunidades. Além disso, no começo não se tinha ideia de como as coisas seriam, e a Paróquia começou um forte trabalho também de cadastro de famílias, uma vez que a demanda é grande e mesmo os dois projetos atuando nas comunidades, há ainda famílias sem assistência. Assim, não faltaram iniciativas nas comunidades para procurar garantir para o próximo o alimento necessário. Afinal, a nossa forma de celebrar a Eucaristia nos impele a saciar a fome de nossos irmãos, mesmo que nós também estejamos com fome de celebrarmos juntos em comunidade.

Assim, com doações da Paróquia toda (campanha do quilo nas comunidades), da Fraternidade Mãe Terra, de ONGs, de benfeitores, do Sefras (Serviço Franciscano de Solidariedade), a nossa Paróquia – até o fechamento desta matéria – arrecadou quase 500 cestas básicas que foram distribuídas para famílias carentes. Além disso, foram investidos valores na aquisição de remédios e gás de cozinha aos mais necessitados que apresentavam suas necessidades nas nossas portas.

Os jovens da Paróquia se mobilizaram na arrecadação de material de limpeza para acrescentar nas cestas. Mais que rapidamente sabonetes, pastas de dente e pacotes de papel higiênico deram ainda mais dignidade às cestas. Além disso, como a juventude é criativa e sensível, elaboraram uma série de cartas, bilhetes, dobraduras em formato de coração para acompanhar a cesta, com frases motivacionais, pois a fome não é só de pão, mas de carinho, atenção, cuidado e amor. Uma das jovens que fez os bilhetes, Isadora Alves, da Comunidade Divino Espírito Santo, ressaltou: “Foi bem gratificante fazer parte deste momento. Eu achei que não fosse conseguir, porém com a ajuda de todos, nós conseguimos. Foi com muito amor, muita dedicação! Fiquei horas dobrando papel, mas no final ficamos com saudades de estar escrevendo cartinhas”.

Atrelado a esse trabalho a Pastoral da Criança da nossa Paróquia não deixou de continuar a sua tarefa, embora adaptada com as medidas de restrição e isolamento. As famílias mais necessitadas que participam da pastoral têm sido contempladas com cestas pela Paróquia. Siomara de Azevedo, da Comunidade Jesus Crucificado, que atua nesta área, afirma que “eu vejo as crianças aqui na minha rua e eu fico preocupada pois algumas não estão utilizando as máscaras. Logo procuro lembrar às famílias dos cuidados essenciais. Eu sinto assim que mesmo sendo muito pouco o que temos feito enquanto pastoral, me sinto muito comprometida com o meu trabalho e minha missão. Mesmo sendo iniciativas restritas, fico com o coração apertado, mas confiante”.

Para evitar aglomerações, a Paróquia seguiu com a indicação de nomear um coordenador em cada Comunidade para atuar na distribuição das cestas. Todos os coordenadores procuraram fazer a sua parte com muito carinho, garantindo um trabalho que procurou atender ao máximo as necessidades, dentro das nossas possibilidades.

Enesi Salmarino, da Comunidade Nossa Senhora Estrela, partilhou conosco que nasceu nesta região e sempre viveu aqui, mas por conta da rotina acabou não conhecendo tão bem a realidade das famílias necessitadas ao seu redor. Com o trabalho desse período, ela afirmou que “eu tomei consciência disso tudo agora através desse período de pandemia, onde tivemos a oportunidade de fazer o trabalho social de ajudar as pessoas do bairro. Através disso eu tive consciência das situações de miséria do meu bairro, independente da religião”.

Da mesma forma, Lúcia Regina A. dos Santos, da Comunidade Santa Rosa de Lima, partilhou conosco um sentimento que é também de todas as pessoas que ajudam na distribuição de alimentos: “Durante a pandemia tivemos um tempo maior para olharmos os irmãos e irmãs sem emprego, sem salário, sem poder sair às ruas para ganhar o seu pão de cada dia. Ao sairmos de casa ouvimos os relatos e sabemos de perto as necessidades de cada um. O coração dói muito ao vermos essa dor. A distribuição de alimento nos dá alento”. Este relato se soma com a bonita conclusão que a Sebastiana Firmino da Silva, da Imaculada Conceição, nos apresentou: “Me sinto agradecida por estar fazendo parte deste momento de solidariedade, recebendo os alimentos em minha casa e fazendo as doações às famílias carentes”.

            O que nos une é maior do que aquilo que poderia nos separar

Nesta distribuição de materiais essenciais para garantir a dignidade de nossos irmãos e irmãs do território de nossa Paróquia, Deus ainda nos presenteou com experiências ecumênicas. Uma delas foi na Comunidade São Sebastião. A coordenadora da comunidade, Simone Cruz Rodrigues, também esteve em atuação constante com a Kátia Maria da Silva Santos, que congrega na Igreja Assembleia de Deus do ministério ALFA, localizada em Parada Morabi. Esta nossa irmã nos relatou que por causa da sua infância, onde conviveu com pessoas de diferentes religiões, percebeu que “Jesus não é uma religião. Ele é o amor, a caridade, a ressurreição e a graça. Quando eu comecei a fazer esse trabalho eu pedi uma ajuda e a ajuda da Paróquia toda foi muito abençoada pois me ajudou a atingir um número maior de pessoas necessitadas”. 

Conclusão

Fazemos nossas as mesmas palavras de Frei João Reinert em sua mensagem para a Paróquia: “Apesar de todas as dificuldades, de todas as sombras, em cada instante nos iluminou a presença santificadora do Espírito Santo. Apesar da saudade que sentimos de estarmos juntos fisicamente, de podermos nos abraçar, de nossos apertos de mão, de ouvirmos nossos cantos em uma só voz em nossas comunidades, apesar da saudade de visitarmos nossas comunidades. Apesar de tudo isso, nossos corações permanecem unidos pela fé, pela solidariedade e pela certeza de que passaremos por este momento difícil unidos e sairemos ainda mais fortes! Nosso muito obrigado a cada um de vocês pelo cuidado para com você mesmo, para com os outros, para com as nossas comunidades, e especialmente para os mais empobrecidos!”.


Frei Gabriel Dellandrea é estudante do terceiro ano de Teologia e reside na Fraternidade Franciscana Nossa Senhora Mãe Terra, formada por Frei Jorge Luiz Maoski, guardião; Frei João Reinert, pároco; e Frei Alfredo Prego, estudante. A Fraternidade atende a Paróquia Santa Clara, em Imbariê (RJ).