Papa transfere para os bispos competências reservadas à Santa Sé
16/02/2022
Não mais uma “aprovação”, mas uma “confirmação”. Essa é a novidade essencial do motu proprio com o qual o Papa decidiu modificar a atribuição de algumas competências previstas pelo Código de Direito Canônico, tanto da Igreja latina como das Igrejas orientais. Estas incluem a competência das Conferências Episcopais para publicar catecismos. Uma das primeiras novidades diz respeito à transferência da Santa Sé para o bispo diocesano da faculdade de criar um seminário em seu território, sem ter que esperar pela aprovação de Roma, mas simplesmente pela sua confirmação. O objetivo, como definido na introdução ao motu proprio, é favorecer uma “descentralização salutar” que torna as decisões no campo eclesial mais dinâmicas.
Uma possibilidade análoga é concedida aos bispos em relação à formação sacerdotal (os bispos podem adaptá-la “às necessidades pastorais de cada região ou província”) e à incardinação dos sacerdotes, que a partir de agora podem ser incardinados – para além de em uma Igreja particular ou um em um Instituto religioso – também em uma “associação pública clerical”, reconhecida pela Santa Sé, a fim de evitar “clérigos acéfalos e vagantes”.
O critério de descentralização, mas também de “proximidade”, também se reflete no alongamento de 3 para 5 anos do período de “exclaustração”, ou seja, a possibilidade que autoriza um religioso a viver fora de seu próprio Instituto por razões sérias. O motu proprio, assim como sobre a competência das Conferências episcopais para publicar catecismos, intervém transferindo da Santa Sé para a responsabilidade das Igrejas locais as decisões sobre possíveis reduções no número de Missas a serem celebradas com relação às intenções e recebimentos.
O bispo Dom Marco Mellino, secretário do Conselho de Cardeais e membro do Pontifício Conselho dos Textos Legislativos, explica os princípios gerais que inspiraram o motu proprio do Papa: “O Motu proprio, com o qual algumas normas dos dois Códigos da Igreja católica – o Código de Direito Canônico para a Igreja latina e o Código dos Cânones das Igrejas Orientais para a Igreja oriental – são alteradas, é mais uma peça que se une ao trabalho de reforma que o Papa Francisco começou desde o início de seu pontificado e está prosseguindo”.
Responde ao espírito de “descentralização salutar” indicado na Exortação apostólica Evangelii Gaudium, n. 32, com o objetivo de favorecer e valorizar a dinâmica de proximidade na Igreja, sem com isso comprometer a comunhão hierárquica.
A intenção que o anima é profundamente pastoral e está bem delineada no proêmio introdutório do texto, no qual se diz que, tendo em conta a cultura eclesial e a mentalidade jurídica própria de cada Código, certas competências até então atribuídas à Santa Sé, e portanto exercidas pelo governo central, estão sendo “descentralizadas”, ou seja, designadas aos Bispos (diocesanos/eparquiais ou unidos em Conferências episcopais ou segundo Estruturas hierárquicas orientais) e aos Superiores Maiores dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica com a intenção precisa de fomentar sobretudo o sentido da colegialidade e da responsabilidade pastoral, bem como de satisfazer os princípios da racionalidade, da eficácia e da eficiência.
É evidente, de fato, que quando a autoridade tem um conhecimento direto e mais próximo das pessoas e dos casos que exigem uma ação pastoral de governo, esta ação, em virtude da própria proximidade, pode ser de mais rápida eficácia.
Neste sentido, portanto, as mudanças normativas que estão sendo feitas com este Motu Proprio refletem ainda mais a universalidade compartilhada e plural da Igreja, que inclui as diferenças sem homologá-las, garantida, no que diz respeito à sua unidade, pelo ministério petrino próprio do Bispo de Roma.
ÍNTEGRA
CARTA APOSTÓLICA
SOB FORMA DE MOTU PROPRIO
DO SUMO PONTÍFICE
FRANCISCO
«Atribuição de algumas Competências»
PELA QUAL SE MODIFICAM ALGUMAS NORMAS
DO CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO E
DO CÓDIGO DOS CÂNONES DAS IGREJAS ORIENTAIS
Por isso, tendo em conta a cultura eclesial e a mentalidade jurídica própria de cada um dos Códigos, julguei conveniente efetuar modificações na legislação até agora em vigor sobre algumas matérias específicas, atribuindo as respetivas competências. Pretende-se assim, antes de mais nada, favorecer o sentido da colegialidade e da responsabilidade pastoral dos Bispos, tanto diocesanos/eparquiais como reunidos em Conferências episcopais ou segundo as Estruturas hierárquicas orientais, bem como dos Superiores maiores, e além disso servir os princípios de racionalidade, eficácia e eficiência.
Em tais modificações normativas, patenteia-se ainda mais a universalidade compartilhada e plural da Igreja, que engloba as diferenças sem as homogeneizar, com a garantia – no respeitante à unidade – do ministério do Bispo de Roma. Ao mesmo tempo estimula-se uma eficácia mais pressurosa da ação pastoral de governo por parte da autoridade local, facilitada também pela própria proximidade dela às pessoas e às situações que a reclamam.
Em consideração de tudo isso, estabeleço agora quanto segue:
Art. 1
O cân. 237–§ 2 CIC sobre a ereção de um seminário interdiocesano e os respetivos estatutos substitui o termo «aprovação» pelo termo «confirmação», ficando assim formulado:
§ 2. Não se erija seminário interdiocesano sem primeiro se obter a confirmação da Sé Apostólica, quer para a ereção, quer para os estatutos, e ainda a da Conferência episcopal se se tratar de seminário para todo o seu território, ou, no caso contrário, a dos bispos interessados.
Art. 2
O cân. 242–§ 1 CIC sobre as Normas de formação sacerdotal estabelecidas pela Conferência episcopal substitui o termo «aprovadas» pelo termo «confirmadas», ficando assim formulado:
§ 1. Em cada país haja Normas para a formação sacerdotal, estabelecidas pela Conferência episcopal, tendo em conta as normas dadas pela suprema autoridade da Igreja; aquelas Normas devem ser confirmadas pela Santa Sé, e ir-se acomodando às circunstâncias, também com a confirmação da Santa Sé, e nelas definam-se os princípios mais importantes e as orientações gerais para a formação a ministrar no seminário, adaptadas às necessidades pastorais de cada região ou província.
Art. 3
O texto do can. 265 CIC sobre o instituto da incardinação acrescenta, às estruturas habilitadas a incardinar clérigos, também as Associações públicas clericais que tenham obtido da Sé Apostólica tal faculdade, harmonizando-se deste modo com o cân. 357–§ 1 CCEO. Fica assim formulado:
Todos os clérigos devem estar incardinados ou em alguma Igreja particular ou prelatura pessoal, ou em algum instituto de vida consagrada ou sociedade dotados desta faculdade, ou também em alguma associação pública clerical que tenha obtido tal faculdade da Sé Apostólica, de tal forma que de modo nenhum se admitam clérigos acéfalos ou vagos.
Art. 4
O cân. 604 CIC sobre a ordem das virgens e o seu direito de se associar inclui um novo parágrafo assim formulado:
§ 3. O reconhecimento e a ereção de tais associações a nível diocesano compete ao Bispo diocesano, no âmbito do seu território, a nível nacional compete à Conferência episcopal, no âmbito do próprio território.
Art. 5
O cân. 686–§ 1 CIC e o cân. 489–§ 2 CCEO sobre a concessão, por causa grave, a um religioso professo de votos perpétuos do indulto de exclaustração, ampliam para cinco anos o limite do período de tempo, para além dos quais a competência para uma prorrogação ou uma concessão está reservada à Santa Sé ou ao Bispo diocesano, ficando assim formulados:
CIC: 686–§ 1. Com o consentimento de seu conselho, pode o Moderador supremo, por causa grave, conceder ao religioso professo de votos perpétuos o indulto de exclaustração, não porém para além de cinco anos, com o consentimento prévio do Ordinário do lugar em que ele deve residir, se se tratar de um sacerdote. Prorrogar o indulto ou concedê-lo para além de um quinquénio, está reservado à Santa Sé ou, se se tratar de instituto de direito diocesano, ao Bispo diocesano.
CCEO: cân. 489–§ 2. O Bispo eparquial não pode conceder este indulto senão por um quinquénio.
Art. 6
O cân. 688–§ 2 CIC e os câns. 496–§§ 1-2 e 546–§ 2 CCEO, referentes ao professo temporário que pede, por causa grave, para deixar o instituto, atribuem a competência do relativo indulto ao Moderador supremo com o consentimento do seu conselho, quer se trate, segundo o Código latino, de instituto de direito pontifício ou de instituto de direito diocesano, ou então de um mosteiro autónomo; quer se trate, segundo o Código oriental, de um mosteiro autónomo, ou de uma ordem, ou então de uma congregação.
Por conseguinte o § 2 do cân. 496 CCEO é abolido e os outros cânones ficam assim formulados:
CIC: cân. 688–§ 2. Quem durante a profissão temporária, por causa grave, pedir para deixar o instituto, pode obter do Moderador supremo, com o consentimento do seu conselho, o indulto de saída do instituto; num mosteiro autónomo, referido no cân. 615, para a validade do indulto requer-se a confirmação do Bispo do lugar da casa a que o religioso pertence.
CCEO: cân. 496. Aquele que durante a profissão temporária, por uma causa grave, quiser separar-se do mosteiro e voltar à vida secular, apresente o seu pedido ao Superior do mosteiro autónomo, o qual, com o consentimento do seu conselho, concede o indulto, a não ser que o direito particular o reserve ao Patriarca para os mosteiros situados dentro dos confins do território da Igreja patriarcal.
CCEO: cân. 546–§ 2. Aquele que durante os votos temporários pedir, por uma causa grave, para deixar a ordem ou a congregação, pode obter do Superior geral, com o consentimento do seu conselho, o indulto de separar-se definitivamente da ordem ou congregação e voltar à vida secular com os efeitos referidos no cân. 493.
Art. 7
Os câns. 699–§ 2, 700 CIC e os câns. 499, 501–§ 2, 552–§ 1 do CCEO são modificados, pelo que o decreto de demissão do instituto, por causa grave, de um professo temporário ou perpétuo produz efeitos a partir do momento em que o decreto emitido pelo Moderador supremo com o consentimento do seu conselho for notificado ao interessado, sem prejuízo do direito de recurso do religioso. Por conseguinte os textos dos respetivos cânones são modificados, ficando assim formulados:
CIC: 699–§ 2. Nos mosteiros autónomos, referidos no cân. 615, decretar a demissão de um religioso professo compete ao Superior maior com o consentimento do seu conselho.
CIC: cân. 700. O decreto de demissão emitido para um religioso professo entra em vigor no momento em que é notificado ao interessado. No entanto, para a validade, o decreto deve indicar o direito que o demitido tem de, no prazo de dez dias contados depois de recebida a notificação, recorrer para a autoridade competente. O recurso tem efeito suspensivo.
CCEO: cân. 499. Durante a profissão temporária, um membro pode ser demitido pelo Superior do mosteiro autónomo com o consentimento do seu conselho, nos termos do cân. 552–§§ 2-3; mas, para que a demissão seja válida, deve ser confirmada pelo Patriarca, se o direito particular assim o previr para os mosteiros situados dentro dos limites do território da Igreja patriarcal.
CCEO: cân. 501–§ 2. Mas, contra o decreto de demissão, o membro pode interpor recurso no prazo de quinze dias com efeito suspensivo, ou postular que a causa seja tratada por via judicial.
CCEO: cân. 552–§ 1. Um membro de votos temporários pode ser demitido pelo Superior geral, com o consentimento do seu conselho.
Art. 8
O cân. 775–§ 2 CIC sobre a publicação de catecismos pela Conferência episcopal para o seu próprio território substitui o termo «aprovação» pelo termo «confirmação», ficando assim formulado:
§ 2. Compete à Conferência episcopal, se o julgar oportuno, procurar que se publiquem catecismos para o seu território, com a confirmação prévia da Sé Apostólica.
Art. 9
O cân. 1308 CIC e o cân. 1052 CCEO sobre a redução dos encargos de Missas modificam a competência, ficando assim formulados:
CIC: cân. 1308–§ 1. A redução dos encargos de Missas, que só se deve fazer por causa justa e necessária, está reservada ao Bispo diocesano e ao Moderador supremo de um instituto clerical de vida consagrada ou de uma sociedade clerical de vida apostólica.
§ 2. O Bispo diocesano tem o poder de reduzir, por diminuição dos rendimentos, e pelo tempo em que a causa perdure, segundo a tabela da esmola legitimamente vigente na diocese, as Missas de legados autónomos contanto que não haja ninguém que tenha obrigação e possa com êxito ser compelido a aumentar a esmola.
§ 3. Ao mesmo compete o poder de reduzir os encargos ou legados de Missas que onerem alguma instituição eclesiástica, se os rendimentos se tornarem insuficientes para se alcançar convenientemente o fim próprio da mesma instituição.
§ 4. Goza das mesmas faculdades, referidas nos §§ 2-3, o Moderador supremo dum instituto clerical de vida consagrada ou duma sociedade clerical de vida apostólica.
CCEO: cân. 1052–§ 1. A redução dos encargos de celebrar a Divina Liturgia está reservada ao Bispo eparquial e ao Superior maior dos institutos religiosos ou das sociedades de vida comum à maneira dos religiosos, que sejam clericais.
§ 2. Ao Bispo eparquial compete o poder de reduzir, por diminuição dos rendimentos, enquanto a causa perdurar, na medida das ofertas que estão legitimamente em vigor na eparquia, o número de celebrações da Divina Liturgia contanto que não haja ninguém que tenha o dever e que possa ser obrigado com êxito a prover ao aumento das ofertas.
§ 3. Ao Bispo eparquial compete também o poder de reduzir os encargos de celebrar a Divina Liturgia, que gravam sobre instituições eclesiásticas, se os rendimentos se tornaram insuficientes para se conseguir os fins que, no momento da aceitação dos encargos, podiam ser alcançados.
§ 4. Os poderes referidos nos §§ 2-3 competem também aos Superiores gerais dos institutos religiosos ou das sociedades de vida comum à maneira dos religiosos, que sejam clericais.
§ 5. Os poderes referidos nos §§ 2-3 podem ser delegados pelo Bispo eparquial apenas ao bispo coadjutor, ao bispo auxiliar, ao Protossincelo e aos Sincelos, com exclusão de qualquer subdelegação.
Art. 10
O cân. 1310 CIC e o cân. 1054 CCEO sobre os encargos anexos às causas pias e às pias fundações modificam a competência, ficando assim formulados:
CIC: cân. 1310–§ 1. Reduzir, regulamentar e comutar as vontades dos fiéis em favor de causas pias só o pode fazer o Ordinário, havendo causa justa e necessária, ouvidos os interessados e o conselho de assuntos económicos próprio, e salvaguardada do melhor modo possível a vontade do fundador.
§ 2. Nos restantes casos, recorra-se à Sé Apostólica.
CCEO: cân. 1054–§ 1. A redução, regulamentação e comutação das vontades dos fiéis cristãos que doaram ou deixaram os seus bens para causas pias, podem ser feitas pelo Hierarca, só por uma causa justa e necessária, depois de ter consultado os interessados e o conselho competente, e salvaguardada do melhor modo possível a vontade do fundador.
§ 2. Em todos os outros casos relacionados com este assunto, recorra-se à Sé Apostólica ou ao Patriarca que atuará com o consentimento do Sínodo permanente.
Quanto foi deliberado com esta Carta Apostólica sob forma de Motu Proprio, ordeno que tenha vigor firme e estável, não obstante qualquer coisa em contrário mesmo se digna de menção especial, e que seja promulgado através da publicação no jornal L’Osservatore Romano, entrando em vigor a 15 de fevereiro de 2022 e em seguida publicado no órgão oficial Acta Apostolicae Sedis.
Dado em Roma, junto de São Pedro, na Memória de Nossa Senhora de Lurdes, 11 de fevereiro de 2022, nono ano de Pontificado.
[Francisco]
Fonte: Vatican News (texto de Alessandro De Carolis)