Papa: “Hoje, a natureza que nos circunda não é mais admirada, contemplada, mas devorada”
13/09/2020
Cidade do Vaticano – No final da manhã deste sábado (12/09), o Papa Francisco recebeu na Sala Paulo VI, no Vaticano, cerca de 250 participantes das Comunidades Laudato Si’ que difundem, na Itália e no mundo, os temas da ecologia integral através de atividades concretas, conferências e publicações.
Vocês colocaram a ecologia integral proposta pela Encíclica Laudato Si’ como a força propulsora de todas as suas iniciativas. Integral, porque somos todos criaturas e tudo na criação está em relação, tudo está relacionado. Na verdade, ouso dizer: tudo é harmônico. Até mesmo a pandemia demonstrou isso: a saúde do ser humano não pode ser separada da saúde do ambiente em que ele vive. Também é evidente que as mudanças climáticas não só perturbam o equilíbrio da natureza, mas também causam pobreza e fome, afetam os mais vulneráveis e às vezes os obriga a deixar suas terras. A falta de cuidado com a criação e as injustiças sociais se influenciam reciprocamente: pode-se dizer que não há ecologia sem equidade e que não há equidade sem ecologia.
Seguindo o exemplo de São Francisco de Assis, as Comunidades Laudato Si’ são motivadas “a cuidar dos últimos e da criação” e se comprometem “a salvaguardar a nossa Casa comum”, disse o Papa, acrescentando:
Esta é uma tarefa que diz respeito a todos, especialmente aos responsáveis pelas nações e atividades produtivas. É necessária uma vontade real para enfrentar na raiz as causas das atuais mudanças climáticas. Não são suficientes compromissos genéricos, palavras e palavras, e não se pode olhar apenas para o consentimento imediato dos próprios eleitores ou financiadores. É preciso olhar distante, caso contrário, a história não perdoará. É preciso trabalhar hoje para o amanhã de todos. Os jovens e os pobres vão nos pedir conta.
A seguir, o Papa citou duas palavras-chave da ecologia integral: contemplação e compaixão.
Contemplação
“Hoje, a natureza que nos circunda não é mais admirada, contemplada, mas “devorada”. Tornamo-nos vorazes, dependentes do lucro e dos resultados imediatos a qualquer custo. O olhar sobre a realidade é cada vez mais rápido, distraído, superficial, enquanto em pouco tempo as notícias e as florestas se queimam”, disse ainda o Papa.
Doentes de consumo, esta é a nossa doença, doentes de consumo, nos preocupamos em ter o último “aplicativo”, mas não sabemos mais os nomes de nossos vizinhos, muito menos sabemos distinguir uma árvore da outra. E o que é mais grave, com este estilo de vida se perdem as raízes, se perde a gratidão por aquilo que se tem e por quem nos deu.
“Para não esquecer, é preciso voltar à contemplação; para não nos distrair com mil coisas inúteis, é preciso reencontrar o silêncio; para que o coração não fique doente, é preciso parar. Não é fácil. É necessário, por exemplo, libertar-se da prisão do telefone celular, para olhar nos olhos quem está ao nosso lado e a criação que nos foi doada.”
“Contemplar é dar-se tempo para ficar em silêncio, para rezar, para que na alma retorne a harmonia, o equilíbrio saudável entre cabeça, coração e mãos, entre pensamento, sentimento e ação. A contemplação é o antídoto para as escolhas precipitadas, superficiais e inconclusivas. Quem sabe contemplar não fica com as mãos paradas, mas faz algo concreto. A contemplação leva à ação”, sublinhou ainda Francisco.
Compaixão
Segundo o Papa, a compaixão “é o fruto da contemplação. Como se entende que alguém é contemplativo, que assimilou o olhar de Deus? Se tem compaixão pelos outros, se vai além das desculpas e teorias, para ver nos outros irmãos e irmãs para amar. Esta é a prova, e o mesmo acontece com o olhar de Deus que, apesar de todo o mal que pensamos e fazemos, sempre nos vê como filhos amados. Ele não vê indivíduos, mas filhos, nos vê irmãos e irmãs de uma única família, que mora na mesma casa. Nunca somos estranhos aos seus olhos. A sua compaixão é o oposto de nossa indiferença. A compaixão é o contrário da indiferença”.
Vale também para nós: a nossa compaixão é a melhor vacina contra a epidemia da indiferença. “Não me diz respeito”, “não me importa”, “não me interessa”: estes são os sintomas da indiferença. Quem tem compaixão passa do “não me importo com você” ao “você é importante para mim”. A compaixão não é um sentimento bonito, não é pietismo, é criar um novo vínculo com o outro. É assumir, como fez o bom Samaritano que, movido pela compaixão, cuida daquela vítima que nem mesmo conhece.
Francisco ressaltou que “o mundo precisa dessa caridade criativa e ativa, de pessoas que não estão diante de uma tela para comentar, mas que sujam as mãos para remover a degradação e restabelecer a dignidade. Ter compaixão é uma escolha: é escolher não ter nenhum inimigo para ver o meu próximo em cada um. Isso não significa amolecer e parar de lutar. Pelo contrário, quem tem compaixão entra numa dura luta cotidiana contra o descarte e o desperdício, o descarte dos outros e o desperdício das coisas”.
O Pontífice disse que dói pensar nas pessoas que são descartadas sem compaixão: idosos, crianças, trabalhadores, pessoas com deficiência, e que “o desperdício das coisas é escandaloso”.
A FAO documentou que, nos países industrializados, mais de um bilhão de toneladas de alimentos comestíveis são jogados fora em um ano! Vamos nos ajudar e lutar juntos contra o descarte e o desperdício. Esta é a realidade. Vamos exigir escolhas políticas que combinem progresso e equidade, desenvolvimento e sustentabilidade para todos, para que ninguém seja privado da terra em que vive, do bom ar que respira, da água que tem o direito de beber e do alimento que tem o direito de comer.
Francisco concluiu o seu discurso, convidando a “trabalhar como irmãos e construir a fraternidade universal. Este é o momento. Este o desafio de hoje”.
Fonte: Vatican News (texto Mariangela Jaguraba)