Ecoteologia: Caminhos de Esperança e Conversão Integral
27/01/2025
O ano de 2025 marca um tempo de importantes reflexões para a Família Franciscana e para a Igreja, com as celebrações do centenário do “Cântico das Criaturas” e do Jubileu da Esperança. Além disso, a Campanha da Fraternidade deste ano, traz uma abordagem ambiental, com o objetivo de “promover, em espírito quaresmal e em tempos de urgente crise socioambiental, um processo de conversão integral, ouvindo o grito dos pobres e da Terra”.
“A grande motivação para este momento de unidade ecumênica foi a celebração franciscana e os 10 anos da publicação da Carta Encíclica Laudato si’”. Em 2023, seguindo as orientações da Igreja e da Ordem dos Frades Menores, bem como sua imersão em temáticas acadêmicas voltadas para o cuidado com a Casa Comum, Frei Vitorio Mazzuco Filho, mestre em Teologia Espiritual e Franciscanismo pelo Pontifício Ateneo Antonianum de Roma, publicou um material pedagógico intitulado Ecoteologia, pela editora da USF (Universidade São Francisco).
A publicação está dividida em 4 temáticas centrais que conduzem a litura para temas transversais complementares: Inter-relações e contribuições ecoambientais das religiões; Cuidado da criação e preocupações socioambientais, espiritualidade responsável em face à degradação da natureza e a Ecologia integral e a Ecoteologia.
Com autorização da Universidade São Francisco, o material está sendo disponibilizado em módulos no blog de Frei Vitorio, hospedado no site Franciscanos, com o objetivo de ampliar o debate sobre a temática. O acesso é livre e gratuito: https://carismafranciscano.blogspot.com/.
De acordo com o frade, o desenvolvimento do material se deu devido a pertinência do tema na atualidade. “A Teologia é a fala da fé, a fé que procura compreender. E hoje é urgente o cuidado pela vida no seu todo. Falar sobre a necessidade do uso controlado dos recursos naturais. Cuidar do planeta, como diz o Papa Francisco, na Laudato Sì, cuidar da Casa Comum. A Ecoteologia propõe uma espiritualidade que não seja desconectada da realidade de mundo. É uma teologia inter-religiosa e ecumênica. Enfim, é preciso escrever uma Teologia que atue junto as grandes questões do mundo, de um modo especial as questões ambientais”, disse.
Além disso, Frei Vitorio salientou que sua iniciativa está vinculada ao seu compromisso com uma Evangelização Conscientizadora. “O pensamento franciscano diz que converter-se é mudar de lugar. Em que lugar estou neste mundo? Mudar de mentalidade também supõe uma conversão ecológica. Somos criaturas entre as criaturas. É uma questão vital: estar do lado da vida. É uma questão moral. Deus cria o mundo, nós recriamos com ele sem destruir ou usar a criação através de sistemas utilitários. É um novo jeito de pensar a fé”.
A apostila foi produzida para o Núcleo de Estudos a Distância da Universidade São Francisco, para o Curso de Teologia, que traz em sua grade curricular a disciplina Ecoteologia. O frade explicou que o propósito da produção é apresentar vieses teóricos com o propósito de unir humano e divino, espírito e matéria, religião e natureza, além de despertar os estudantes para a questão do desafio das mudanças climáticas e ambientais. “A intenção foi mostrar de um modo franciscano uma relação fraternal com tudo e com todos, apresentando os autores pioneiros na reflexão presente nesta área, de forma que fosse possível ajudar a estar no mundo de um modo consciente diante da realidade. Estamos passando por uma crise ambiental, que precisamos de setas indicativas para um caminho de soluções”, reforçou.
Sendo a Ecotologia um importante caminho para pensar a fé no horizonte da consciência planetária, seguindo uma dinâmica ecumênica, Frei Vitorio abordou a questão da unidade das religiões para o cuidado da Casa Comum, assim como a relação desse movimento integrativo a partir da espiritualidade. Nesse aspecto, o professor trouxe uma abordagem que consiste na relação pacífica voltada à promoção do bem comum é da fé.
“Um dos paradigmas modernos mais evidentes hoje é que há mais verdades presentes no conjunto das religiões do que nos dogmas isolados de cada uma delas. Os caminhos que nos levam a Deus são pontuados pela riqueza da pluralidade. Cada religião é portadora de uma singularidade específica. A unidade está na partilha e na riqueza da diversidade. Deus não está na monotonia das uniformidades. Ele mesmo não se repete. A beleza da unidade das diferenças de suas obras maravilhosas nos circundam. O panenteísmo franciscano diz que Deus se manifesta em todas as coisas. As coisas não são Deus (panteísmo), mas Ele está em todas as coisas (panenteísmo). Tudo não é Deus, mas Deus está em tudo e tudo está em Deus por causa da Criação, pela qual Deus deixa a sua marca registrada e garante a sua presença permanente em todas as criaturas. Esta é a base e o princípio da Espiritualidade Franciscana em relação a criação”, explicou.
Seguindo uma linha teórica fundamentada nos princípios da Ecoteologia, o frade aborda e esclarece no material pedagógico o sentido da Espiritualidade Responsável, que mergulha na realidade para perceber a força do natural; para perceber a força da tecnociência e transformar tudo isto numa força de conhecimento. Somos a porção da terra que pensa e cria consciência. “O mundo é a nossa Casa e nossa causa. Despertar para a verdade que a natureza é parte essencial da vida e não apenas o consumo desenfreado de produtos”.
Segundo ele, a proposta da Espiritualidade Responsável é de nos recolocar na natureza para percebermos que cada criatura tem uma mensagem vital própria, de forma que ajude todo ser humano entender que a Terra é uma herança comum e que estamos todos numa mesma filiação. “O humano é imagem e semelhança da força do divino. Não pode haver uma ecologia sem antropologia, não pode haver uma teologia sem uma Ecoteologia. O ser humano é fusão de espírito e matéria. Conversão é também uma conversão ecológica: reconciliar-se com a Criação. Todos somos chamados a criar um mundo novo em Deus e com Deus. A espiritualidade responsável nos convoca a descentrar-se de si mesmo e ser um guardião, uma guardiã das obras de Deus”, esclarece.
Sobre a presença atual de São Francisco, trazida na produção, especialmente quando trata da unidade para preservação e amor à criação o frade salienta que: São Francisco de Assis é o patrono da Ecologia porque é o personagem que nos ensinou a sentir-se bem na Casa Comum e viver uma consanguinidade criatural. Ele tem um amor incondicional a todo ser criado. Para ele viver é dar graças e glória”.
De acordo com Frei Vitorio, ontem e hoje São Francisco nos ensina que temos que ser irmãos e irmãs de toda criatura. “Ele instaura uma fraternidade, uma irmandade, uma sororidade com tudo e todos, une afetividade e espiritualidade que não separa matéria e espírito. Teve e continua nos dando a inspiração que é preciso ‘Reconstruir a Casa’, e isto significa instaurar uma convivência de muito cuidado. Para Francisco de Assis a vida não é apenas uma exposição de belos quadros para ser apreciada, mas sim a imersão numa paisagem real e encantar-se com ela. Aí sim somos artistas da vida”.
O autor continuou dizendo que São Francisco rompeu com o modelo econômico de seu pai e de sua época para abraçar a sobriedade e a desapropriação. “Ele trouxe a humanização das relações porque viveu uma ética humanizadora e não apenas normativa. Não quis salvar almas sem se preocupar com o mundo e com a cultura de seu tempo. Leu o Evangelho e o recolocou nas estradas do mundo. Ele sabia por experiência o que era justiça, inclusão e compaixão. Não aplicou a ética apenas a seres humanos, mas enfrentou o lobo de Gubbio para pacificá-lo, mostrando que sua força não estava nos dentes, mas na sua natureza. Conviveu com plantas, pedras e pássaros para aprender a sensibilidade. Abraçou o leproso para sentir a misericórdia e abraçar o humano quando ele é totalmente descuidado e excluído. Ele é sempre novo, nós envelhecemos. Se quisermos salvar a vida temos que seguir seu jeito. Dialogar com o mundo, saber que tudo tem a ver com tudo, que tudo é relação”, finaliza.
Saiba mais sobre as temáticas abordadas na produção
a) Inter-relações e contribuições eco-ambientais das religiões
Religiões não podem ficar fora das questões mais contundentes e urgentes de nosso tempo. Hoje temos muitos movimentos de espiritualidade que tem as suas eclesiologias próprias que tiram as pessoas do chão da realidade. Como a questão ambiental é real devido à falta de cuidado da vida no seu todo, as religiões têm que se apresentar, falar, denunciar e criar consciência. O Papa Francisco, liderando o posicionamento do cristianismo católico, com as encíclicas Laudado Sì, Laudate Deum e em suas falas faz sempre um apelo profético de cuidado pela Casa Comum. Ele convoca líderes mundiais para se posicionaram.
Tudo está interligado; e a experiência de fé tem que alertar para o uso desenfreado de bens naturais e o futuro da humanidade. O mundo Islâmico se reúne em Istambul, na Turquia e faz a sua Declaração Islâmica sobre o clima. Faz apelo para que líderes mundiais, governantes e a empresários tenham metas bem claras e cumpram o que é preciso para monitorar as emissões de gases de efeito estufa e a exploração irresponsável do ambiente. O Judaísmo, em seus ensinamentos conclama a responsabilidade em relação aos recursos naturais, animais e outras manifestações da natureza.
Todo apelo é não destruir. O Budismo tem grandes ensinamentos sobre a natureza e sobre todas as formas de vida. A harmonia em todas as forças de vida tem efeitos no coração, na mente e nas práticas. As religiões de Matrizes Africanas priorizam os elementos da natureza em forma ritual. O Espiritismo destaca, a partir dos ensinamentos de Allan Kardec, a Lei de Conservação e a Lei de Destruição. Tudo seria suficiente se os seres humanos soubessem contentar-se com o apenas necessário.
b) Cuidado da Criação e preocupações socioambientais
As religiões, sobretudo as monoteístas, destacam que tudo é criação de Deus e cuidar da vida na terra é contribuir com a obra criadora. A ajuda às pessoas, as ações e obras de solidariedade, a defesa dos direitos humanos e a defesa da vida, a pregação sobre o bem comum, a justiça e paz, a dimensão fraterna da existência, geram ações coletivas em favor da vida em seu todo.
c) Espiritualidade responsável em face a degradação da natureza
As visíveis mudanças climáticas têm a raiz no modo irresponsável dos seres humanos, que na era do antropoceno, tem um sistema utilitário de uso dos recursos de nosso planeta. Em oposição vem a espiritualidade responsável como um apelo espiritual, moral e social. Temos que mudar o nosso modo de estar no mundo e no uso de tudo o que a natureza nos oferece. A espiritualidade responsável nos oferece uma visão espiritual do mundo para despertar uma nova sensibilidade. Estamos num solo sagrado que precisa ser respeitado.
É preciso resgatar o afeto para com tudo e com todos. Fazer a verdade de todas as coisas passar pelo coração. Cuidar do que existe, regenerar o que foi depredado, priorizar a vida e não os mecanismos de morte. Respeito a todo ser vivo. Viver a fecundidade social do amor e do companheirismo através da solidariedade e da cooperação. Retomar a nossa força coletiva para fundar uma bio-civilização e conduzir os destinos da terra.
d) Ecologia integral e Ecoteologia
A Ecologia Integral sai do campo da natureza e avança para o cuidado total da vida. O meio ambiente tem que gerar uma justiça social que traga a paz a tudo e a todos. A Ecoteologia traz a ecologia integral para a fé e faz disso uma disciplina teológica diferenciada.
Adriana Rabelo