O agir coletivo do Texto-Base às práticas em comunidade
07/04/2025
“O Cristo-Deus se fez humano nesta terra e às criaturas deu valor e atenção. A vida plena, que no mundo já se espera, ganha sentido com a nossa redenção. Ao entregar o Paraíso ao ser humano, Deus contemplou sua beleza e seus dons. Louvado seja nosso Pai, o Criador: ‘Deus viu que tudo, tudo era muito bom!'”
O hino da Campanha da Fraternidade 2025 é um convite para uma importante reflexão, iniciada neste tempo da Quaresma, quando somos chamados a voltar nossos corações e práticas para uma relação integral com Deus e com o meio ambiente que nos cerca, partindo do princípio de que tudo está interligado, pois também somos natureza.
Em seus 61 anos de história, esta é a 9ª vez que a temática ambiental é abordada. Mas, desta vez, a Igreja traz à luz a questão ambiental em tempos de urgente crise socioambiental, para um “processo de conversão integral, ouvindo o grito dos pobres e da Terra” (Objetivo Geral da CF 2025).
A partir do tema: “Fraternidade e Ecologia Integral” e do lema: “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31), a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), em parceria com pesquisadores e religiosos, definiu a Campanha com o propósito de motivar os cristãos — e todos aqueles que desejam promover o bem comum e a preservação da Casa Comum —, tendo como base o reconhecimento do caminho percorrido e das ações já iniciadas com a Encíclica Laudato si’ (LS) e o Sínodo da Amazônia, em vista de seu fortalecimento e continuidade.
Por meio dessa profunda reflexão, com olhar especial para as diferentes realidades do país e do mundo, dentre os objetivos específicos definidos, está a denúncia dos males que o modo de vida atual impõe ao planeta e que têm gerado uma “complexa crise socioambiental” (LS 135), dado que, em nossa Casa Comum, “tudo está interligado” (LS 16). Assim como apontar as causas da grave crise climática global, a urgência de uma alteração profunda em nossos modos de vida e as “falsas soluções” (LS 54) fomentadas em nome da transição energética.
Além das questões abordadas e apontadas inicialmente neste texto, a Campanha da Fraternidade deste ano tem a missão de promover o despertar e o sentimento de urgência diante dos fatos negativos que adoecem a existência de todas as criaturas (animais, vegetais e humanas), evidenciando que todos somos um, somos natureza e frutos da criação de Deus.
Por isso, a urgência de uma ecologia integral, apresentada na Encíclica Laudato si’, do Papa Francisco, e na Exortação Apostólica Laudate Deum, ganha força com este documento que completa 10 anos.
Elaboração do Texto-Base
Toda Campanha da Fraternidade é executada a partir de um Texto-Base, documento principal de orientação e aprofundamento da temática proposta pela CNBB. Esse material é um instrumento formativo e pastoral que tem como objetivo favorecer a reflexão sobre o tema e o lema da Campanha, sendo um guia para comunidades, paróquias, dioceses e pastorais desenvolverem encontros, celebrações, ações concretas e momentos de espiritualidade durante a Quaresma. O texto oferece subsídios teológicos, bíblicos, sociais e pastorais, sempre contextualizados à luz da Doutrina Social da Igreja.
De acordo com o site da CNBB, o Texto-Base da Campanha deste ano evoca a inter-relação entre o Criador e toda a criação, destacando o ser humano como protagonista do cuidado. A ele foi dada a missão de guardião responsável pela Casa Comum, na qual, dentro de uma cosmovisão integradora, se devem conjugar as dimensões ambiental, antropológica e teológica.
A convite da CNBB, em um processo coletivo que contou com a participação de pesquisadores, professores e religiosos de diversos saberes e posições da sociedade, em janeiro de 2024, o material da Campanha da Fraternidade passou a ser desenvolvido.
O trabalho coletivo envolveu uma equipe qualificada, com cientistas como as professoras e pesquisadoras Ima Célia Guimarães Vieira e Márcia Maria de Oliveira; o padre Josafá Carlos de Siqueira, biólogo; além de Matthias Grenzer, professor de Teologia da PUC-SP, Moema Maria Marques de Miranda e Dom José Altevir da Silva, que contribuíram com a abordagem espiritual, na perspectiva do conjunto dos saberes. O grupo teve como missão trabalhar a dimensão do iluminar da Campanha da Fraternidade, integrando a perspectiva bíblica, dos Padres da Igreja, da Doutrina Social da Igreja e, ao mesmo tempo, o conhecimento e a sabedoria dos povos ancestrais e das ciências — questões consideradas pelo Papa Francisco na Encíclica Laudato si’.

Profa. Moema
Em entrevista ao site Franciscanos, Moema Miranda, franciscana OFS (Ordem Franciscana Secular), professora do Instituto Teológico Franciscano e assessora da Comissão Episcopal Especial de Ecologia Integral e Mineração da CNBB, falou sobre sua satisfação em participar da elaboração do documento:
“Foi uma alegria e um trabalho de muita fraternidade, conduzido de uma maneira muito gentil e competente pelo padre Jean Poul, que é o coordenador das Campanhas da Fraternidade. O tema deste ano foi sugerido pela Comissão Especial Eclesial de Ecologia Integral e Mineração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, onde nós atuamos como assessores”.
Além da professora, Frei Rodrigo Péret, da Custódia do Sagrado Coração de Jesus, localizada em Franca (SP), também integra a Comissão. Há dois anos o grupo já havia percebido que a questão ambiental estaria em destaque neste ano, devido à realização da COP 30 no Brasil, à comemoração dos dez anos do lançamento da Encíclica Laudato si’ e aos 800 anos da celebração do Cântico das Criaturas.
“Embora já tivesse tratado do tema da ecologia em outras oportunidades, era urgente a abordagem deste ano sob a perspectiva da ecologia integral. Como franciscana, foi um trabalho muito gratificante perceber o quanto a espiritualidade de São Francisco e de Santa Clara de Assis tem hoje uma atualidade talvez maior do que em qualquer outro momento da história da humanidade no planeta Terra”, salientou.
Segundo ela, a motivação para participar do grupo responsável pelo Texto-Base da Campanha da Fraternidade veio também da chance que teria de levar a perspectiva franciscana e clariana, bem como a visão trabalhada na Comissão Especial de Ecologia Integral e Mineração, de tal forma que ele pudesse ter, além de uma abordagem consistente e abrangente, a iluminação e a compreensão características do franciscanismo.
“É muito gratificante perceber que a nossa prática da espiritualidade franciscana e clariana seja reconhecida como algo que pode contribuir com a Igreja do Brasil. É uma possibilidade de estarmos presentes com nossa humildade, sendo reconhecidos e sabendo que podemos contribuir com nosso conhecimento parcial para a tão importante conversão à qual o Papa Francisco nos chama. Talvez o elemento mais importante seja essa conversão presente na Laudato si’, para que possamos romper com a perspectiva antropocêntrica — como se nós, seres humanos, fôssemos o centro absoluto da criação, um reino dentro de outro reino — e compreender, como São Francisco já nos convida, que somos partes, somos irmãos e irmãs dos seres não humanos, das florestas, dos rios, das águas — parte da criação infinita de Deus”, explicou Moema.
Abordagens integradas e franciscanas
Voltando a falar sobre a ideia de a Campanha da Fraternidade abordar a ecologia integral, das múltiplas dimensões da ecologia, como a humana, a social e a ambiental, no sentido da inter-relação no planeta Terra com todos os aspectos que levam à vida — a hidrosfera, a atmosfera, todas essas dimensões que compõem a biosfera, a esfera da vida —, segundo Moema, podemos inclusive relacionar à dimensão da teosfera, a esfera do amor de Deus.
“Na oração final da Laudato si’, o Papa Francisco fala desse onipotente Senhor que está presente em todo o universo e na mais pequenina das suas criaturas. Então, talvez esse seja o diferencial que a abordagem da Encíclica Laudato Si’ traz, o que já era um percurso da Igreja, anterior ao atual Pontífice”.
Seguindo a linha de reflexão proposta pelo Papa Francisco, a professora ainda reforçou a importância das dimensões da vida e da fé estarem integradas com as dimensões científica e política, justamente para que possamos buscar alternativas. E o Texto-Base nos oferece, segundo ela, a dimensão do agir:
“Tomada essa consciência, precisamos atuar como comunidade — no nosso plano pessoal, sim —, mas precisamos atuar coletivamente. A dimensão do problema não nos permite uma atuação somente intimista. Ela exige uma participação de compromisso com a causa da Casa Comum. O Texto-Base contribui com esses elementos e com uma leitura consistente que, por meio de infinitas formas de formação, divulgação e atividades preparatórias comoventes, contribuem com o processo de formação”.
Citando Byung-Chul Han, no livro O espírito da esperança: contra a sociedade do medo, no qual ele fala da diferença entre esperança e otimismo, Moema afirma que, em meio a um mundo de crises muito sérias, necessitamos ter um olhar que nos dê total consciência da gravidade da situação e, ao mesmo tempo, precisamos cultivar a confiança de que é possível mudar — porque a causa da crise está vinculada à ação humana.
“Se nós fizemos, podemos desfazer. O apóstolo João nos convida a, no meio do caos, enxergar o caminho da luz conduzidos pelo Cordeiro, aquele que traz a marca da degola, que, sofrendo a violência, atua pela paz, não revida na mesma moeda, mas nos conduz para um caminho de vida, e de vida em abundância. Essa dimensão da esperança é aquela que cresce nos momentos de tragédia e de dificuldade, como vimos com a Covid. É essa esperança, como cristãos e cristãs, que nos conduz e que pode garantir que sejamos, como Jesus nos convida: sal da terra e luz do mundo. Paz e bem!”
Adriana Rabelo