Notícias - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

“Nossa preocupação maior hoje é ajudar a classe trabalhadora”, diz Marina de Oliveira

30/04/2023

Entrevistas, Notícias


Em entrevista para o programa “Manhã Franciscana”, Marina de Oliveira, coordenadora nacional da Pastoral Operária conversou, diretamente de Cariacica (ES), onde reside, com o Vigário Provincial, Frei Gustavo Medella, às vésperas do 1º de Maio, Dia do Trabalhador.

A Pastoral Operária tem por missão envolver cristãos no compromisso com os trabalhadores da cidade. Atua como presença da Igreja junto à classe trabalhadora e presença da classe trabalhadora dentro da Igreja.

JPIC –  Em que contexto surge a Pastoral Operária?

Marina – A Pastoral Operária nasce no período da Ditadura Militar, mais precisamente em 1970, em São Paulo. Também no contexto do Êxodo Rural, quando os trabalhadores vinham do campo para a cidade em busca de melhores condições de vida para suas famílias e iam se amontoando em bolsões de pobreza, em bairros bem empobrecidos, ocupando-se principalmente de trabalhos braçais. No âmbito da Igreja, a  repercussão do Concílio Vaticano II se manifestava no surgimento e consolidação das Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s). Neste processo, surgem as dificuldades no mundo do trabalho, entre elas a exploração vivenciada pelos trabalhadores. A Pastoral Operária surge, então, na perspectiva de organizar pequenos grupos de trabalhadores, lá em seu local de trabalho, para contribuir na reflexão sobre mudanças que poderiam acontecer. A partir daí tivemos um processo de abertura ao movimento sindical, até então restrito ao âmbito dos empresários. Marcamos ainda presença junto às associações de moradores, na luta para que os bairros tivessem serviço de água, energia e esgoto e, é claro, na participação efetiva nas comunidades de fé da Igreja, que nos deu apoio muito grande. Nossa missão era levar o trabalhador a entender que estava a seu alcance mudar para melhor a realidade na qual ele vivia.

JPIC –   Atualmente, como ela se organiza e que trabalhos realiza?

Marina – Nós tínhamos nossa presença mais forte junto aos trabalhadores do “chão de fábrica”. Hoje, o contexto da conjuntura mudou totalmente. A realidade de trabalho é bem diferente. O trabalhador está nos aplicativos de motorista ou de entrega de mercadoria. Ele está desempregado ou na economia informal, vendendo churrasquinho na rua, catando materiais recicláveis ou num pequeno negócio, no processo do famoso “empreendedorismo”, que não existe e é apenas uma forma de explorar trabalhador, dizendo que ele é dono de seu próprio negócio, no entanto sem qualquer direito garantido. A realidade da inteligência artificial é outro fator desafiante. Existem ainda os empregos formais, mas percebemos o medo que os trabalhadores têm de se organizar por conta do risco de perderem o trabalho. Nosso esforço tem sido envolver as pessoas num processo de aprendizagem através da formação,  para que elas compreendam onde estão e o que pode ser feito para mudar a realidade.  Com os desempregados, formamos grupos na perspectiva e buscar alternativas de trabalho e garantia de direitos. Também acompanhamos os trabalhadores da economia informal, na perspectiva de cresçam numa compreensão econômica mais voltada à partilha, à solidariedade e à colaboração. Nossa preocupação maior hoje é ajudar a classe trabalhadora onde quer que ela esteja.

JPIC –  Como a Pastoral se faz presente na vida das comunidades da Igreja?

Marina – Nós estamos em comunhão com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), incluídos dentro do grupo das Pastorais Sociais. Nós estamos presentes no Amazonas, em Manaus, no Nordeste, nos estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Paraíba, Bahia, e em todos os estados das Regiões Sul e Sudeste. Estamos inseridos nas Igrejas locais e engajados em diferentes trabalhos, como liturgia, Ministério da Palavra, Catequese, entre outros. Temos presença na organização das pastorais sociais e em diferentes fóruns de discussão e espaços de controle social, como nos Conselhos públicos.  Os desafios são complexos: temos mais de 30 milhões de irmãos e irmãs que passam fome e vivem desalentados, sem moradia e condições mínimas de vida. Junto com as outras pastorais sociais e organismos da sociedade, estamos empenhados nesta luta coletiva por melhorias tão urgentes. Temos consciência de que sozinhos não alcançaremos as conquistas sonhadas.

JPIC –  Quais são os principais desafios que a Pastoral Operária tem diante de sua missão?

Marina – Em relação ao mundo e à sociedade, nós temos o desafio da conjuntura que muda muito rapidamente. Precisamos estar sempre atentos e atualizados para atuar de forma mais efetiva. Existe a questão do trabalho escravo, que está chegando com muita força, especialmente no trabalho urbano, onde atua a Pastoral Operária. Temos buscado dialogar com o Ministério Público do Trabalho, no sentido de uma atuação mais direta. Também estamos lutando para se cumpra a determinação constitucional de que toda propriedade onde seja comprovado a prática do crime de exploração do trabalho escrevo seja desapropriada e revertida em benefício da causa dos pobres e trabalhadores do campo e da cidade. A realidade dos trabalhadores por aplicativo, pessoas trabalham 15 ou 16 horas por dia, sem descanso, entregando comida sem ter direito a refeição, enfim sem nenhum direito garantido. No âmbito interno da Igreja, temos percebido, de maneira geral, que a formação de nosso clero não tem estado tão voltada às questões sociais, à Doutrina Social da Igreja, de fato. O desafio, então, é trabalhar para que, em sua formação, nossos ministros ordenados cultivem o olhar atento ao compromisso social da Igreja. Todos, na Igreja, somos formados para viver em sociedade. Se não conseguimos entender este processo, temos dificuldade de entender a importância das pastorais específicas que atuam no campo social, como a Pastoral Operária, a Carcerária, entre tantas.

JPIC –   Quem pode tomar parte na Pastoral Operária e como deve proceder?

Marina – Nos lugares onde a Pastoral Operária está presente, ou nas outras dioceses, pode-se conseguir o contato das pessoas e lideranças ligadas a este trabalho. Se alguma pessoa, em seu ambiente de trabalho, está sofrendo com assédio, exploração e se sente sozinho, pode entrar em nosso site (www.pastoraloperaria.org.br) e lá vai encontrar um lugar onde pode apresentar sua denúncia para que nós possamos abordar esta situação junto com a pessoa que a sofre. Também podem ser formados pequenos grupos nas comunidades para discutir a questão do trabalho. Hoje já temos grupos de base criados em algumas dioceses e que nasceram desta iniciativa. Estamos presente ainda nas redes sociais. O ideal é que tenhamos consciência do que estamos vivenciando como trabalhadores e trabalhadoras em nosso local de trabalho e, a partir daí,  busquemos nos juntar com outras pessoas, pois um feixe de gravetos é muito mais difícil de ser quebrado do que um graveto solitário.