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Nobel dos professores: “Os jovens africanos são o futuro do mundo”

17/01/2020

Notícias

 

Os alunos de Frei Peter Tabichi têm muitas coisas para desmotivá-los: miséria, seca, fome, falta de água potável. Tudo isso somado aos problemas de abandono dos pais e responsáveis,  uso de drogas, gravidez na adolescência, casamentos forçados e até casos de suicídios. Por isso é surpreendente que na Escola Secundária Keriko — um colégio em Pwani, localizado em uma das aldeias mais pobres do vale do Rift, no Quênia — sentem-se os estudantes ganhadores do torneio nacional de Ciências, ou que uma de suas equipes de matemática tenha sido premiada em um torneio científico e de engenharia do Arizona, no Estados Unidos.

Em 2019, a Fundação Varkey de Dubai, que organiza o Global Teacher Prize, conhecido como o Prêmio Nobel dos professores, reconheceu o mérito de Frei Peter Tabichi por extrair o melhor de seus alunos, jovens de 11 a 16 anos. As dificuldades em seu caminho são muitas. No colégio há um só computador, que não possui conexão com a internet, os alunos chegam extenuados, após percorrer vários quilômetros a pé por estradas de terra, enfrentando muitas vezes a oposição de suas famílias, que não entendem o motivo dos jovens dedicarem tanto tempo ao estudo. O segredo de Frei Tabichi é motivar os jovens com o que tiver em mãos, ainda que seja uma caixa de fósforos. “Os jovens africanos são o futuro do mundo”, assinala o frade em entrevista ao jornal espanhol Alfa e Ômega, durante sua viagem a Roma, após encontrar-se brevemente com o Papa Francisco.

– Como concilia sua vocação de franciscano e sua vida como professor?

Frei Peter Tabichi  – Para mim, são dois aspectos inerentes. A Congregação dos Irmãos Franciscanos tem como carisma o empoderamento  dos pobres que trabalham no campo através da educação, no desenvolvimento de uma agricultura sustentável e na paz. Como franciscano, vivo com simplicidade, trabalhando sempre em áreas rurais, respeitando o meio ambiente. A austeridade define minha vida. A solidariedade e a entrega aos demais ajudam-me a ser mais livre e me afasta do desejo por acumular bens materiais. Ingressei na vida religiosa porque queria doar-me por inteiro à comunidade e dedicar-me com todo meu coração e minha alma ao ensino sem que nada me impedisse. Meu pai era professor e foi um modelo que inspirou as decisões mais importantes da minha vida. Sempre admirei sua dedicação extrema e desinteressada em melhorar a vida dos outros através da educação. Tenho tudo o que necessito para viver: um teto que me proteja, comida para me alimentar e roupa para me proteger do frio. Por isso posso doar os 80% do meu salário mensal para ajudar alguns de meus alunos mais desfavorecidos a comprar os livros necessários ou o uniforme da escola, que em outra situação estaria fora de seu alcance.

– Você trabalhava em uma escola privada. Por que decidiu continuar sua profissão em uma escola pública?

Frei Peter Tabichi  – Tanto os colégios privados como os públicos contam com ótimos professores. A diferença está basicamente nos recursos e no apoio da comunidade educativa. Comecei a lecionar em 2003 e passei por várias escolas no Quênia e em Uganda. Desde 2015 leciono Matemática e Física na Escola Secundária Keriko. É uma escola sem recursos, situada em uma das regiões mais pobres do Quênia. Por isso sei que este é meu lugar!

 

– Apesar das condições de pobreza extrema e da falta de recursos, seus alunos estão mais adiantados que outros de escolas mais abastadas. Qual é seu segredo?

Frei Peter Tabichi  – Há muitas falhas na escola onde trabalho, mas aprendemos a conviver com elas e não deixar afetar os alunos. Estamos muito longe do ponto onde a conexão com a internet é boa; temos só um computador para toda a escola. Não temos a estrutura das outras escolas porque não temos sequer biblioteca, sala dos professores, cozinha, refeitório e menos ainda sala de aula adequadas. Mas o que tento demonstrar são as teorias científicas para que não memorizem somente datas ou teoremas. Por exemplo, através de algo tão simples como uma caixa de fósforos, explico quais são as propriedades científicas da fricção. Aos finais de semana, com outros professores, nos dedicamos a visitar a casa de nossos alunos mais pobres, para detectar os problemas mais urgentes para saber como ajudá-los. Temos aula de recuperação para todos os que precisam. Além disso, motivamos os jovens com grupos de diferentes temas e concursos. Assim, aumentamos sua sede de aprendizagem: quando mais triunfam, mais duro trabalham e, por sua vez, este êxito inspira seus companheiros de classe. Nossos estudantes ganharam competições importantes, nacionais e internacionais. O mais importante é aumentar a confiança neles mesmos, fazer com que se sintam importantes para a sociedade.

– A Escola Secundária Keriko situa-se numa das aldeias mais humildes do Vale do Rift. Quais são os desafios que encontra em seu dia a dia como professor?

Frei Peter Tabichi  – Estamos situados numa remota parte do vale do Rift, onde chove pouco ou nada. A seca e a fome passam regularmente por aqui a cada três ou cinco anos. Em torno de 95% de meus alunos são pobres, sem acesso a água potável ou com graves problemas de insegurança alimentar. Além disso, um terço são órfãos ou de pai ou de mãe. Há também o problema das drogas, a gravidez na adolescência e os casos de suicídio. Muitos chegam a escola com fome e não podem se concentrar nos estudos. Por todas estas coisas, a educação deve ser uma prioridade para a sociedade. Os professores deveriam contar com o maior apoio possível porque  são eles, na maioria dos casos, os que podem mudar o futuro das crianças deste povoado. Os professores têm uma grande responsabilidade nas mãos. Somente nós podemos dar a estas crianças os instrumentos necessários para conquistar seus sonhos. Sem educação, resultaremos numa geração sem conquistas e não podemos permitir que isto aconteça. Cada um deve colocar seu grão de areia para garantir que as crianças tenham acesso a uma educação de qualidade, para assim podermos encarar o futuro com esperança. Esta é nossa tarefa como professores!

 

Frei Peter levantar o troféu Global Teacher Prize, conhecido como o Prêmio Nobel dos professores

– Na África, a idade mínima para que as meninas contraiam matrimônio é 15 anos, mas muitas se casam com 9 ou 10 anos. Como você enfrenta o abandono escolar feminino?

Frei Peter Tabichi  – Todas as crianças do mundo merecem a oportunidade de receber uma boa educação enquanto crescem para alcançar todo seu potencial. É vital que as meninas sejam parte disso, mas não podemos negar a realidade: existem 131 milhões de meninas em todo o mundo para as quais é negada a oportunidade de ir à escola, e muitas delas estão no continente africano. Em geral, somente uma família que respeite o ofício de professor pode deixar-se convencer para não impedir que suas filhas frequentem a escola. O que tratamos de fazê-los entender é que ir à escola é mais importante que ajudar com as tarefas domésticas ou que casar-se e formar uma família; que não é um desperdício investir em livros e que estudar pode ajudá-los a sair da pobreza. É ótimo que as meninas ajudem suas famílias sempre que possível, mas nunca às custas de sua educação ou de seu futuro. É um fato que as meninas com mais estudos são as que obtém melhores trabalhos quando adultas, e com melhores salários. E quando mostramos a quantidade de oportunidades que se abrem com o conhecimento, os estudantes se esforçam para conseguir melhores notas. Não fazem somente por eles ou suas famílias, mas para ajudar toda a comunidade. Não posso sentir-me mais orgulhoso das meninas que ensino. Como Esther Amimo e Salomé Njeri, que foram premiadas no ano passado na Feira Intel Internacional Science and Engineering, em Fênix, Arizona, por desenvolverem um dispositivo que ajuda pessoas que sofrem algum tipo de deficiência visual ou auditiva.

– Você é o primeiro africano a ganhar o prêmio “Global Teacher Prize”, outorgado pela Fundação Varkey. Como recebeu a notícia?

Frei Peter Tabichi  – Espero que este prêmio se converta num motor de esperança, que haja cada vez mais africanos motivados que olhem com confiança para o futuro. Foi uma honra sublime, que recebi com grande humildade. Vejo como um reconhecimento destacado, mas não de meu trabalho como professor, mas de todos os professores da África. Creio que este prêmio reivindica o papel de todos os professores do mundo. O Global Teacher Prize é uma premiação que também valoriza os jovens deste grande continente. Só estou aqui porque meus alunos conquistaram: este prêmio reconhece todo seu esforço e o incrível potencial que demonstraram, dando a eles uma oportunidade. Os jovens africanos são o futuro do mundo. As novas gerações não vão ter expectativas tão baixas. Elas sonham grande! O continente africano será um banco de produção de cientistas, engenheiros e empresários cujos nomes ressoarão em todos os lugares do planeta e as mulheres serão fundamentais neste processo.

Victoria Isabel Cardiel C.
Via Alfa y Omega
Tradução: franciscanos.org.br

Confira o vídeo do Global Teacher Prize, em inglês: