Há motivos gravíssimos por trás da renúncia de Bento XVI”, afirma arcebispo italiano
08/03/2017
O arcebispo emérito de Ferrara confirma a hipótese do suposto complô internacional e interno ao Vaticano para fazer com que Ratzinger renunciasse.
É a primeira vez que um bispo credencia a ideia de um complô, de pressões e de uma chantagem por trás da renúncia de Bento XVI, dando a entender, sem meias palavras, que o Papa Ratzinger não foi embora por sua própria vontade. Uma tese que até agora tinha circulado em certas reconstruções midiáticas, corroborada e apoiada por aqueles que não se resignam ao fato de o ex-pontífice alemão não estar mais no trono e de o ministério petrino ter passado para os ombros do seu legítimo sucessor.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 07-03-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Luigi Negri, 75 anos, arcebispo emérito de Ferrara, também é autor de ensaios sobre a história da Igreja e, por isso, as suas incandescentes declarações estão destinadas a fazer barulho.
O prelado concedeu uma entrevista ao jornal online Rimini 2.0. Ele lembrou e reiterou, como já tinha feito nos últimos meses durante um encontro público em Milão, a sua relação de “forte amizade” com Bento XVI, contando que o visitou várias vezes, até mesmo recentemente.
“Nesses últimos quatro anos, eu me encontrei diversas vezes com Bento XVI. Foi ele que me pediu para guiar a diocese de Ferrara, porque estava muito preocupado com a situação em que a diocese se encontrava. Com Bento, nasceu uma relação de forte amizade. Eu sempre me dirigi a ele nos momentos mais importantes para discutir escolhas a serem feitas, e ele nunca me negou a sua opinião, sempre em espírito de amizade.”
Na pergunta seguinte, o entrevistador questiona que ideia Negri tinha sobre a renúncia ao papado. Eis o que o arcebispo emérito de Ferrara responde: “Tratou-se de um gesto inédito. Nos últimos encontros, eu o vi fisicamente fragilizado, mas muito lúcido no pensamento. Tenho pouco conhecimento – por sorte – dos fatos da Cúria Romana, mas estou certo de que, um dia, surgirão graves responsabilidades dentro e fora do Vaticano. Bento XVI sofreu pressões enormes. Não é por acaso que, nos Estados Unidos, também com base naquilo que foi publicado pelo Wikileaks, alguns grupos católicos pediram que o presidente Trump abra uma comissão de inquérito para investigar se a administração de Barack Obama pressionou Bento. Por enquanto, continua sendo um mistério gravíssimo, mas estou certo de que as responsabilidades vão vir à tona. Aproxima-se o meu ‘fim do mundo’ pessoal, e a primeira pergunta que vou fazer a São Pedro será justamente sobre esse caso”.
Negri, portanto, está “certo” de que Bento deixou porque foi submetido a fortíssimas pressões e que há pessoas responsáveis por essa sua escolha, evidentemente considerada pelo arcebispo como não livre. Exatamente como repetem os teóricos da conspiração, que veem justamente nessas pressões um condicionamento que tornaria inválida a própria renúncia.
É aquilo que permite que uma galáxia de grupos e facções pseudotradicionalistas ainda considerem Ratzinger como o “verdadeiro papa”, embora o arcebispo de Ferrara, na entrevista citada, não chegue a essas consequências.
“São todos absurdos”
Essa leitura dos fatos, portanto, acaba apresentando o papa emérito como objeto de pressões e incapaz de resistir a essas mesmas pressões. No livro-entrevista Ultime Conversazioni, com Peter Seewald, o jornalista alemão havia feito a Ratzinger uma pergunta explícita sobre os jornais que falam de “chantagem e conspiração”. “São todos absurdos”, respondera peremptoriamente o papa emérito “muito lúcido no pensamento”, desclassificando essas elucubrações como suspense ficcional.
“Devo dizer – acrescentara – que o fato de que um homem, por qualquer razão que seja, imagine ter que provocar um escândalo para purificar a Igreja é um caso insignificante. Mas ninguém tentou me chantagear. Eu sequer teria permitido. Se tivessem tentado fazer isso, eu não teria ido embora, porque não se deve sair quando se está sob pressão. E também não é verdade que eu fiquei desiludido ou coisas semelhantes. Ao contrário, graças a Deus, eu estava no estado de ânimo pacífico de quem superou a dificuldade. O estado de ânimo em que se pode passar o bastão tranquilamente para quem vem depois”.
É preciso notar como Bento XVI enfatiza o seguinte: “Se tivessem tentado fazer isso, eu não teria ido embora, porque não se deve sair quando se está sob pressão”. Depois do lançamento do livro-entrevista, assim como da conversa que conclui que o belo livro biográfico editado por Elio Guerriero, que além de explicar as motivações da renúncia também contêm palavras de apreço pelo sucessor, os teóricos da conspiração reagiram chamando Ratzinger de mentiroso: ele teria renunciado porque estava sob pressão e chantagem, mas, obviamente, não seria capaz de confirmar isso e, ao contrário, seria forçado a dizer publicamente o contrário.
Esse suspense ficcional caminha lado a lado com outras afirmações, em certo sentido, ainda mais graves, as teorias sobre o “papado compartilhado” e sobre o “ministério petrino” em cogestão. Teorias que, nos últimos anos, contaram com alguns defensores, pondo em discussão, desta vez de verdade, a tradição da Igreja e a sua constituição divina.
Resta em aberto a questão sobre até que ponto algumas escolhas pessoais, e nunca codificadas por escrito, feitas por Bento XVI – como a de manter o hábito branco e o nome papal, assim como a escolha da figura do emeritado –, alimentaram involuntariamente os seguidores da teoria dos dois papas, que depois degenerou em teoria do papa renunciatário por estar sob chantagem. Assim como resta em aberto a questão sobre aqueles visitantes que, dirigindo-se frequentemente para encontrar Bento, depois fazem uso dessas entradas para afirmar exatamente o contrário daquilo que o próprio Ratzinger disse publicamente.
Texto do site: http://www.ihu.unisinos.br