Grito dos Excluídos em Colatina denuncia a dura realidade da Comunidade Maria Ortiz, da Paróquia Santa Clara
10/09/2023
Colatina (ES) – Este 7 de setembro, Dia da Independência do Brasil, foi marcado pela retomada do Grito dos Excluídos e Excluídas na Diocese de Colatina. Cerca de 120 pessoas saíram do centro de Colatina rumo à comunidade Maria Ortiz, pertencente à Paróquia Santa Clara, que fica no distrito de Baunilha. Fiéis e frades da Paróquia Santa Clara fizeram-se presentes e contribuíram com a organização e condução do evento.
No local, os participantes constataram uma realidade desafiadora. A pequena vila de pescadores, que fica a 23 quilômetros do centro, aguardava ansiosa a chegada do grupo e, durante o ato, expuseram sua situação de completo abandono. O local fica às margens do Rio Doce e da linha férrea. Após o rompimento da barragem com rejeitos de minério, em Mariana (MG), os ribeirinhos e pescadores locais tiveram sua principal fonte de subsistência interrompida, gerando graves problemas sociais e emocionais que persistem até hoje, quase nove anos depois desse crime ambiental.
“Fizemos o movimento inverso: saímos do centro em direção à periferia, à minoria para perceber a realidade de um povo esquecido e invisível aos olhos da sociedade. Contemplamos a situação com nossos próprios olhos e deixamos que aquela comunidade ‘gritasse’ as suas dores e angústias”, relatou o coordenador diocesano da Ação Evangelizadora, padre Marinaldo Serafim.
O bispo diocesano de Colatina, Dom Lauro Sérgio Versiani Barbosa, ficou indignado com o que encontrou em Maria Ortiz: uma comunidade fragilizada e que teve sua identidade religiosa comprometida por não poder acessar os templos locais. “As capelas foram interditadas. Precisamos agir rápido para melhorar a realidade desse povo sofrido”, disse dom Lauro.
Segundo Genivaldo Lievore, membro da Comissão Justiça e Paz da Diocese de Colatina, há duas igrejinhas na comunidade. Uma delas é histórica, tendo sido construída em 1916 e dedicada a Nossa Senhora da Cabeça, cujos devotos a ela recorrem para a cura de doenças da cabeça, como tumores e depressão.
Genivaldo explicou que o acesso a essa capela foi isolado em 2006 por uma muralha de blocos de granito, toras de madeira e a linha do trem, em decorrência da abertura do Porto Seco de Colatina. Trata-se da única igreja capixaba dedicada a Nossa Senhora da Cabeça e que padece pelo abandono em meio ao mato e à intensa atividade empresarial de transporte de cargas. Com isso, um imóvel localizado às margens do Rio Doce foi adaptado, em 2008, para que pudesse ser usado como templo. Mas a reforma realizada neste imóvel comprometeu a estrutura da construção e por isso foi interditada pela Defesa Civil, há mais de dez anos.
AÇÕES IMEDIATAS
Diante dessa situação, os moradores manifestaram abertamente sua indignação ao bispo de Colatina que, junto à Comissão Justiça de Paz, tomou duas decisões que serão aplicadas o quanto antes: solicitar uma análise de engenharia estrutural do templo novo, seguida da obra necessária para sua recuperação; e buscar o diálogo com as empresas e os proprietários do entorno para dar condições de acesso à capela histórica. “Nesse momento, não devemos apontar culpados, mas procurar as melhores e mais rápidas soluções para esse caso”, informou Genivaldo.
CELEBRAÇÃO ECUMÊNICA
Sem acesso aos templos, o grupo de participantes do Grito dos Excluídos, entre idosos, crianças, jovens, religiosas, religiosos, padres, pastores e lideranças civis e de movimentos sociais, participaram de uma celebração ecumênica ao ar livre. Além de membros da comunidade, também tomaram a palavra o bispo diocesano, dom Lauro Sérgio, e os pastores das Igrejas Presbiteriana e Luterana presentes. “Todas as falas apontaram para a mesma direção e expressaram a mesma angústia e indignação”, observou padre Marinaldo.
“Nós temos que dar voz aos que não tem voz. A Comunidade de Maria Ortiz precisa ser ouvida. Não só está, mas toda a voz dos pobres, dos sofredores. As alegrias, e as esperanças, as tristeza e as angústias dos homens e das mulheres de hoje, sobretudo dos pobres são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Jesus Cristo”, disse Dom Lauro, citando o Documenta da Igreja, Gaudium et spes. “Se as alegrias e tristezas dos homens e mulheres de hoje não são nossas, nós não somos discípulos de Jesus Cristo”, alertou.
Segundo Dom Lauro, o Grito dos Excluídos que já chega em sua 29ª edição, é uma decorrência da fé cristã em Jesus Cristo, do mistério pascal, do Filho de Deus que veio a este mundo e assumiu sua realidade humana para resgatar, para dar vida e vida em abundância.
“É importante que nós tenhamos um espaço para sermos uma casa da palavra, casa do pão, casa da ação missionária, da caridade. Vamos sair da superficialidade e lançar as redes em nossa vida, buscando algo mais profundo, mais consistente. Este é um trabalho sinodal, caminhando juntos. É o que o Papa Francisco nos propõe”, afirmou dom Lauro!
A comunidade de Maria Ortiz ficou satisfeita com a presença de tantas lideranças e pessoas de boa vontade, o que reavivou a esperança de que a vida pode melhorar na região. “Vamos lutar e acompanhar de perto essa situação, envolvendo não apenas a Diocese de Colatina, como também as nossas Igrejas irmãs e todos os órgãos competentes para mudarmos esse quadro”, enfatizou padre Marinaldo.
VOCÊ TEM SEDE E FOME DE QUÊ?
No final do evento, o poeta Ledesmar Jose Walger, proferiu uma carta que fez especialmente para o evento. Leia na íntegra:
Ouviram do Ipiranga as margens plácidas. Vivemos em um país sem ordem, sem progresso e sem graça. Onde tem pobres morando nas ruas e praças. Em Colatina temos lugares, raiz. Um deles é o vilarejo de Maria Ortiz. Que sofre por ver a comunidade infeliz! O grito é pela justiça, é a voz do povo que diz! O trem da Vale que corre veloz, com o barulho que faz, em casa não se ouve nossa voz. Vidas ceifadas nos trilhos malditos, será que ninguém pode ouvir nossos gritos? Vida em primeiro lugar para o povo que tem fome! Você tem sede e fome de quê? Fome de respeito e igualdade, sede de trabalho e justiça, fome de direito de viver! Sede de ver as águas do Rio Doce limpas para beber, de ver nelas a vida renascer! Temos direitos a ter saneamento básico, saúde e lazer. E entusiasmados podermos cantar o nosso hino, quando o dia da Paz renascer! Um grito pela fome do pescador que amanhece no leito do rio e volta para casa sem peixes com o cesto vazio.
Era 5 de novembro, 15h, um estrondo, um grito de morte pairava no ar. Iniciava a morte do Rio Doce com destino à Regência ao encontro do mar. Em Mariana, pessoas morriam na lama da barragem. Onde está a justiça? Que a ninguém conseguiu prender, nem da Vale, nem da BHP! Um grito pela Paz se faz necessário. Então gritemos, mesmo não sendo fariseus, rezemos o nosso grito aqui nesta praça, para escutarem nossa voz que ecoa por justiça, liberdade, igualdade, paz e fraternidade. Portanto, grito eu, grite você, gritemos nós, que ninguém cale a nossa voz, então que se cumpra a profecia, que as pedras gritem por nós. Com Francisco, gritemos pelos três “T”: Terra, Teto e Trabalho!
Chega de ver o povo escravizado, mas que sejamos organizados. Você tem sede e fome de quê? Que nenhuma pessoa fique sem ter comida no prato! Que ninguém fique sem lugar para morar e orar, o templo sagrado que é o nosso lar. O asfalto e o cimento constrói o progresso, mas, porque negam o nosso direito à saúde e saneamento? Gritemos por aqueles que disputam as marquises para dormir, também pelos lavradores e os operários que não tem seus direitos respeitados. Pela juventude escravizada e sem instrução, perdida sem rumo nesta nação. Hoje o grito é por todos nós, somos todos atingidos!
Depois de 8 anos do crime acontecido, nada foi feito em prol da ecologia e do rio. Grito, pelas irmãs trabalhadoras, que são operárias e mães também, que se saem de casa, o filho chora, e se ficam, o pão não vem. Grito, pelos impostos que pagamos que deviam ser para a vida melhorar, mas, em Maria Ortiz, não tem doutor e nem posto, porque o que tinham, fechado está. Gritemos pelas mulheres, negras, louras, brancas, morenas e mulatas, as “Marias” cheias de fé, que trabalham fora, cuidam dos filhos, e na Igreja, tem a missão de anunciar Jesus de Nazaré. Entoemos um grito de misericórdia por todas as mesas sem pão: Rasguemos nossos corações! Agora, sem voz para gritar, vamos terminar, e os Direitos dos excluídos (as), coloquemos aqui no altar, para o Senhor abençoar.
Frei Augusto Luiz Gabriel, com informações da Diocese de Colatina