Frei Vanildo Zugno: “A esperança é que, com a ação do Papa, toda a Igreja se torne mais franciscana”
13/11/2023
Na semana de 5 a 10 de novembro, o 1º Congresso Franciscano de Irmãos Leigos, realizado em São Paulo (SP), teve como assessor Frei Vanildo Luiz Zugno, frade capuchinho da Província Franciscana do Rio Grande do Sul. Natural de Veranópolis (RS), tem 57 anos e ingressou na Ordem em 1985, onde fez sua formação na área Filosófico-Teológica. É doutor em Teologia pelas Faculdades EST, de São Leopoldo. “Exerci a docência teológica durante 23 anos. Junto com ela, sempre me dediquei à formação pastoral de leigos e leigas e da Vida Religiosa Consagrada. Minha decisão pela vida capuchinha se deu pelo contato constante que, desde a infância, tive com os frades que administravam a Paróquia do lugar onde nasci e pelo contato com o Seminário Seráfico que ali existia”, contou Frei Vanildo. Nesta entrevista, um pouco de de seu pensamento que os Irmãos Leigos conheceram nestes dias.
Acompanhe:
Site Franciscanos – Como se deu sua decisão de ser irmão leigo?
Frei Vanildo – Minha opção pela vida laical se deu em decorrência do aprofundamento do que é ser franciscano. Pouco a pouco, na medida em que avançava no processo formativo, foi-se formando em mim a consciência da opção de Francisco de Assis na Igreja e na sociedade e, a partir dela, a opção por servir a Deus nesta forma de vida laical.
Site Franciscanos – Qual seu trabalho na CRB Nacional?
Frei Vanildo – Atualmente estou servindo à Vida Religiosa Consagrada, desempenhando a função de Assessor Executivo do Setor de Formação Continuada e editor da Revista Convergência. As duas atividades confluem em torno à formação dos religiosos e religiosas que já tomaram o caminho definitivo nesta forma de vida. Organizar e coordenar cursos e eventos, assessorar em demandas que estão a meu alcance e também orientar e facilitar as atividades de formação dos Regionais das Congregações e Ordens e membros da CRB é a minha atividade.
Site Franciscanos – Qual o papel de ser irmão na Ordem?
Frei Vanildo – A Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, assim como as outras Ordens franciscanas, não são Ordens profissionais. A vida franciscana não é um “fazer”, mas um “ser”. Somos chamados a viver em fraternidade e dar testemunho do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nessa compreensão, qualquer opção profissional, desde que não faça mal à nossa alma, como nos recomenda São Francisco na Regra, é possível para um frade. Assim, que nenhum frade tem um papel específico a desempenhar a não ser o de viver como irmão servindo a Deus e Seu Reino.
Site Franciscanos – “Vinho novo em odres novos”. O que essa frase tem a ver com a formação religiosa? Como você avalia a formação para a VRC?
Frei Vanildo – Estamos em um tempo de mudanças radicais na humanidade e na Igreja. Olhando o passado, sempre que transformações deste quilate aconteceram, surgiram novas formas de Vida Religiosa Consagrada. Ou então, as já existentes se refizeram para dar conta das novas realidades. Essas mudanças sempre foram um processo doloroso e algumas formas de vida religiosa não as suportaram e desapareceram. Hoje estamos numa destas mudanças. As formas de vida religiosa que não souberem se transformar para continuar, nos novos contextos, sendo sinais da Boa Nova, irão desaparecer. E, se permanecerem, serão apenas como peças de museus para serem observadas como uma curiosidade do passado, mas não como opções de vida a serem seguidas pelas novas gerações. A formação tem um papel fundamental neste renascer. Ela tem a missão de preparar os candidatos e candidatas para estas novas realidades. Para isso é preciso a renovação de conteúdos, métodos, processos e linguagens. Precisa de formadores ágeis e consistentes. Ágeis para perceber por onde vão os novos caminhos e se dispor a trilhá-los. E consistentes para, nestas novas formas, manter vivo o carisma fundacional.
Site Franciscanos – Como ser missão profética neste mundo conturbado?
Frei Vanildo – O Papa Francisco tem indicado quatro dimensões fundamentais da profecia: o compromisso com a Casa Comum, com a Fraternidade Universal e a Amizade Social. E, para sustentar estas três, a Espiritualidade no quotidiano. Em outras palavras, restabelecer as relações com Deus, com o próximo, com o próximo distante e com a criação.
Site Franciscanos – Falando para religiosas, o Papa disse: “A consagrada é mãe, deve ser mãe, não uma solteirona”. Comente essa frase.
Frei Vanildo – O Papa Francisco pronunciou essa frase num ambiente informal, numa conversa livre. E, infelizmente, penso eu, tomou uma figura preconceituosa do linguajar machista ao usar a expressão “solteirona”. É uma expressão depreciativa da mulher, especialmente daquelas mulheres que, por opção ou pressão social, não casaram e não tiveram filhos. Todos podemos ter nossos deslizes linguísticos, até o Papa! Mas o lado positivo – e isso o Papa comentou na “Amoris Laetitia” – é que a opção pelo celibato e virgindade não pode ser a negação ao amor, à fecundidade. E isso vale tanto para religiosas mulheres como para religiosos homens. Se a opção por não casar for apenas um fechamento em si mesmo e não uma entrega da própria vida para que outros tenham vida, ela não tem sentido cristão, é puro egoísmo.
Site Franciscanos – Os franciscanos estão aproveitando a divulgação que o Papa Francisco faz do carisma?
Frei Vanildo – Acho que ainda não suficientemente. É estranho que um jesuíta seja hoje o maior divulgador daqueles elementos que são fundamentais no nosso modo de ser. A esperança é que, com a ação do Papa, toda a Igreja se torne mais franciscana.
Site Franciscanos – Como estão as vocações nas instituições de vida religiosa consagrada?
Frei Vanildo – Há variações muito grandes. Dependendo do lugar e das instituições, há mais ou menos pessoas que optam por esta forma de vida. Há um fator demográfico que incide muito nas vocações. Regiões com decrescimento demográfico, como o Sul do Brasil, tem, naturalmente, menos vocações. O Norte e o Nordeste, por terem uma população jovem maior, têm mais vocações. E há também o fator eclesial. Onde a Igreja é viva e está presente na vida das pessoas, há mais vocações. Onde a Igreja se fecha em guetos sectários, há menos vocações. E assim para as Congregações e Ordens religiosas: quando se fecham em suas próprias instituições e projetos, as vocações desaparecem. Quando se abrem para a missão e as necessidades dos mais pobres, a tendência é ter mais vocações. E há ainda o fator cultural: a Vida Religiosa Consagrada ainda é culturalmente e, em alguns casos, até etnicamente, europeia. Ela ainda não mergulhou na realidade cultural do povo brasileiro. E pode pagar um preço alto por isso.
Site Franciscanos – Por que o carisma franciscano não perde a atualidade?
Frei Vanildo – O carisma franciscano é sempre atual porque ele consegue colocar em relação a ponta do sentimento humano com o modo de ser de Deus. Francisco de Assis viveu a sua experiência de Deus a partir dos sofredores de seu tempo. E o Filho de Deus se fez humano para sanar os sofrimentos de todos os tempos. Todos os homens e mulheres que, em seu tempo, colocam a sua vida em sintonia e serviço com as pessoas e criaturas sofredoras, seguem o caminho do Filho de Deus e, por isso, têm uma repercussão universal e atemporal.
Site Franciscanos – Por que as pessoas preferem ficar com a parte romântica do carisma franciscano e não com a parte dura e desafiadora? Por que o “Francisco amigo dos animais” é mais aceito que o “Francisco amigo dos leprosos”?
Frei Vanildo – Para Francisco, o amor não tem limites. Ele ama toda forma de vida porque a vida é dada por Deus. Ele ama tanto o verme que rasteja como o querubim que lhe traz os estigmas. Nosso problema é segmentar o amor, fragmentar a experiência da salvação, selecionar nossa expressão de amor. Em outras palavras, temos a tentação da heresia, da parcialidade, do partidarismo. E esquecemos a Totalidade de Deus, a universalidade de sua salvação. Precisamos resgatar o todo do amor de Deus que está em nós e em toda a criação.
Site Franciscanos – Hoje, Clara de Assis chegou ao seu lugar de honra na história franciscana?
Frei Vanildo – Infelizmente, não. A história foi escrita, maiormente, por homens. E a teologia franciscana continua sendo feita majoritariamente por homens. Há raras, honrosas e esperançadoras exceções. Mas precisamos todos, homens e mulheres que seguem a tradição franciscana, ter em mente que, sem Clara, não haveria Francisco e sem Francisco não haveria Clara. Um completa o outro e vice-versa.
Site Franciscanos – É possível os três ramos da Ordem Franciscana masculina se aproximarem mais?
Frei Vanildo – Não só é possível, como é necessário. E para isso não há necessidade de unificação jurídica e institucional. Assim como na igreja sinodal, somos convidados a viver a unidade na diversidade. Juntos, cada um aportando sua própria especificidade, podemos caminhar juntos para sermos testemunhas de Francisco e Clara.
Entrevista a Moacir Beggo