Notícias - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Frei Mário: “O Sefras não tem caminho de volta”

03/04/2007

Entrevistas

Aos 53 anos, Frei Mário Luiz Tagliari está envolvido em uma nova missão na Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil. Desta vez, o governo provincial exigiu um pouco mais deste gaúcho de Passo Fundo, que escolheu seguir os passos de São Francisco de Assis há 30 anos: ser o responsável pela gestão financeira da entidade. Nesta entrevista, Frei Mário não esconde que é um apaixonado pelo trabalho do Sefras e, como frade da Província, aceitou o novo desafio com o coração apertado. Não é para menos. Para ele, o Sefras foi uma nova motivação vocacional em 25 anos de sacerdócio. Frei Mário também fala do processo de estruturação do Sefras, da consolidação e reconhecimento na Província, agradece seus colaboradores, frades, benfeitores e lembra ao novo animador do Sefras que o segredo é trabalhar bem assessorado e em conjunto. 

Por Moacir Beggo

Celebração na Casa de Clara
Celebração no São Francisco
Celebração no São Francisco
Na Casa de Clara
No Cefran
No Centro Infantil Clara de Assis
No Cefran
Retiro de Agudos
No Centro Infantil
Na festa do Cefran – 2006
No Escritório do Sefras
Na festa do Cefran 2006
No Grito dos Excluídos
No lançamento do DVD do Cefran
Na festa do Cefran 2006
Semana da Paz

Site Franciscanos – Como começou sua experiência no Sefras?
Frei Mário Tagliari
Na verdade, começou antes de até existir o nome Serviço Franciscano de Solidariedade, ou seja, o SEFRAS. Desde a morte de Frei Reynaldo Amexeira, o fundador do Centro Franciscano de Luta contra a Aids (Cefran), intrigava-me o fato desta obra não ter um frade à sua frente. Frei Jurandir, que era o ecônomo provincial na época, delegou ao funcionário Betinho (José Roberto Pereira), a função de fazer a parte administrativa do Cefran. Além de Frei Reynaldo ser da minha turma, acompanhei de perto a criação do Cefran. Estava na reunião do Convento São Francisco quando nós, como fraternidade, acolhemos este trabalho. É bom lembrar que foi numa época em que somente o fato de acolher um soropositivo no espaço da igreja era inconcebível. A doença estava na fase inicial e provocava muito preconceito. Mas a fraternidade se abriu e acolheu muito bem a proposta de Frei Reynaldo. O Cefran passou a funcionar dentro do Convento. Com o tempo, este projeto cresceu e se mudou para a nova sede na Rua Serra de Jairé, no bairro do Belém.

Site Franciscanos – Quando e como foi assumir o Cefran?
Frei Mário –
Em meados de 2001. De imediato, não quis assumir administrativamente o Cefran. Fiz questão de estar em contato com os soropositivos, usuários do projeto. Aos poucos fui me encantando com o trabalho de acolher, ajudar a cuidar, principalmente redescobrir o abraço e o beijo de Francisco ao “leproso”. Como frade, estava diante de um desafio concreto, acolhendo, abraçando e beijando um ser humano, homem ou mulher, independente do gênero, portador do vírus HIV, com seus familiares, e numa situação de extrema pobreza. Foi então que criei o Grupo de Espiritualidade e tive o apoio de Irmã Isabel, franciscana de Ingostadt, para ajudar neste trabalho de ser presença franciscana no local.

Site Franciscanos –  Foi uma experiência marcante em sua vida?
Frei Mário –
Sim. Foi o maior desafio e tomou conta da minha vida aos poucos.  Em primeiro lugar, precisei superar os preconceitos que carregava. Depois de três anos e meio à frente do Sefras, como animador provincial, posso dizer que nos meus vinte e cinco anos de sacerdócio – vou celebrar no ano que vem – foi uma nova descoberta como frade franciscano, como padre e como evangelizador. Encontrei uma motivação muito forte na minha vida. Este trabalho no Sefras, começando pelo Cefran, marcou uma nova fase na minha vida como religioso franciscano. Ele me fez redescobrir o sentido de um sacerdócio e de uma presença religiosa, que é o de ser solidário e ter compaixão pelo sofrimento humano.

Site Franciscanos –  Como foi o início como animador do Sefras?
Frei Mário –
Antes do Capítulo Provincial, no final de 2003, vivíamos um período efervescente na Província com a preparação do Plano de Evangelização, que também participei com um olhar técnico porque tinha feito, na Fundação Getúlio Vargas, o Curso de Administração do Terceiro Setor. Nesta época, existia um Departamento de Obras Sociais ligado ao Secretariado de Evangelização. Frei André estava à frente das obras em São Paulo, que ainda não estavam organizadas como Sefras. Na verdade eram três projetos sociais em São Paulo: Cefran e Comunidade Missionária do Povo de Rua, que funcionavam no Convento São Francisco, e depois a Educafro, que veio do Rio de Janeiro com Frei David. A partir daí começamos ampliar e novos serviços surgiram a partir desses existentes. Com o término do Capítulo Provincial de 2003, o Congresso Capitular me nomeou como coordenador do Sefras, que estava se estruturando em São Paulo. Mas é importante frisar que os frades, desde São Francisco de Assis, sempre estiveram envolvidos com trabalhos e questões sociais, especialmente com as pessoas mais excluídas. Então, o Capítulo Provincial aprovou o Plano de Evangelização e  assumi o Sefras no início de 2004. Com sete objetivos muito específicos para o Departamento das Obras Sociais, descritos no Plano, pude trabalhar nestes três anos e meio na implantação do Sefras.

Site Franciscanos – Que balanço o Sr. faz deste triênio (2004-2006) de implantação do Sefras na Província?
Frei Mário
Posso até dizer que foi assustador o crescimento, a evolução e o número de fraternidades no Sefras. No final de 2003, havia 9 projetos em 3 cidades e hoje o Sefras está em 13 cidades, com 31 projetos. Alguns novos estão em desenvolvimento, como os dois projetos no Seminário de Agudos. Este crescimento se deve ao fato de termos levado o Plano de Evangelização e seus objetivos, no que diz respeito ao então chamado Departamento das Obras Sociais, muito a sério. E entre eles estava o de implantar o maior número de projetos sociais possíveis na Província e qualificar os funcionários e voluntários destes projetos sociais. Neste sentido, a formação teve prioridade. Fiz questão de começar o trabalho com os Retiros Franciscanos – e aí vem a experiência do tempo do Pró-Vocações – para as pessoas que atuavam nos projetos sociais. Para mim, desde o começo, estava muito claro: não faríamos um trabalho social por si só, mas como um modo diferente de evangelização. E para isso tinha de ter o suporte da mística franciscana. Desde o início, contamos com a ajuda e a simpatia do Vigário Provincial, Frei Vitório (Mazzuco) em todos os eventos; com a ajuda de Frei Régis, que trabalha na Secretaria da Província; e com os frades, que aos poucos, foram se envolvendo com os trabalhos sociais. Hoje, a gente pode dizer que a mística franciscana desembocou nos valores do Sefras. Este processo, na verdade, foi uma construção coletiva, com pessoas fundamentais na assessoria técnica, como o José Carlos e a Fabíola (José Carlos Freire e Fabíola Teixeira) e tantos outras nesta área, que garantiram que o Plano de Ação do Sefras fosse realmente um projeto de política social da Província. Então, hoje, sem vangloriar, posso dizer que a Província tem um Projeto Social muito definido.

Site Franciscanos – Então, o Sefras realizou nestes três anos seus objetivos como pedia o Plano de Evangelização?
Frei Mário
Penso que também neste período o Sefras evoluiu muito. No Capítulo Provincial de 2006 foi novamente revisto o Plano Operacional de todos os Departamentos e o Sefras deixou de ser um Departamento de Obras Sociais e passou a ser um Serviço, ligado diretamente ao governo provincial. E o animador provincial passou a fazer parte do Conselho da Animação da Província. Essas conquistas, sem dúvida, deram-se ao longo desses três anos e meio de estruturação, exatamente porque o  Sefras passou a ter credibilidade não só externamente, mas também dentro da própria Província. Foi um reconhecimento.

Site Franciscanos – Mas nem todas as fraternidades têm projetos no Sefras?
Frei Mário
Se não criamos ou não implementamos maior número de serviços e de unidades prestadores de serviço dentro do Sefras foi porque, desde o início, tive muito claro que o Sefras não é uma decisão de governo e que faz as fraternidades abrirem projetos à força. Fazer uma intervenção na área social é sempre uma opção da fraternidade local, ou seja, dos frades. Deixo bem claro que a atuação do Sefras enquanto Província é de assessoria. Agora, sem dúvida, há um longo trabalho pela frente a ser feito. A formação hoje, do frade, também passa pelo Sefras. Nos tempos de férias, os frades estudantes de Filosofia e Teologia fazem estágio nas obras sociais, embora nas cidades onde existem os cursos, os estudantes atuem nos projetos o ano todo, como em Petrópolis e Curitiba. Há três anos, os postulantes passam um mês em São Paulo fazendo uma experiência bem concreta em obras como o Albergue, o Recifran. Então, isso já está sendo assumido, pelos frades, como uma possibilidade concreta na formação do frade. Na verdade, é uma solicitação do Ministro Geral para a celebração do 8º centenário da fundação da Ordem de estarmos juntos às pessoas mais excluídas de nosso tempo, atualizando o abraço de Francisco ao “leproso”. Isso me faz lembrar do Projeto de Hanseníase. A gente fala em “abraçar o leproso hoje” pensando em outras situações de exclusão, mas é bom não esquecer que a hanseníase é a mesma “lepra” do tempo de São Francisco e está aí desafiando o Brasil, que é um dos primeiros países com maior número de casos no mundo. E nós, atendendo ao desejo do Ministro Provincial (Frei Augusto Koenig), começamos um projeto “Franciscanos pela Eliminação da Hanseníase” que hoje também já tem uma caminhada muito bonita e está fazendo parceria com a Pastoral da Criança.

Site Franciscanos – O que o Sr. diria para o novo animador do Sefras?
Frei Mário
No Retiro Provincial, que se encerrou no dia 19 de agosto na Fazenda da Esperança, no mesmo local em que o Papa esteve com os jovens em recuperação de drogas e durante a celebração na belíssima Capela, passei oficialmente para o Frei José Francisco Cássia dos Santos a função de animador provincial. O nome dele foi acolhido pelo governo provincial, digo acolhido porque foi a Assembléia do Sefras, que cada vez mais tem a participação de leigos, sejam eles funcionários ou voluntários, que indicou uma lista tríplice de nomes para o governo provincial. Frei José Francisco encabeçava esta lista e foi nomeado para o próximo triênio (2007-2009). O que digo para o Frei José é que se deixe conduzir pelo Plano de Ação do Sefras, que está delineado e traçado, e é fruto deste bonito processo de construção coletiva. Mas, claro, vai ter o colorido e o jeito dele. Uma questão que eu diria para o Frei José, e que no fundo serve para todos nós, frades,  que nós fomos preparados dentro de uma mística franciscana para sermos religiosos e frades. E uma coisa que aprendi nestes três anos e meio é que, em termos de ação social e assistência social,  temos de trabalhar com pessoas técnicas, capacitadas para isso. Não é conselho, mas eu diria que nós não tenhamos a pretensão de saber todas as respostas e sim contar com essa ajuda cada vez mais qualificada, de assessorias em todas as áreas. Mais importante é sermos frades e presença de São Francisco nos trabalhos.

Site Franciscanos – Como é exercer o cargo de Secretário de Administração e Bens da Província da Imaculada, além de ser Definidor, eleito no Capítulo Provincial de 2006?
Frei Mário
No Capítulo Provincial de 2006 fui eleito Definidor e depois, no Congresso Capitular, recaiu sobre mim o serviço de assumir a coordenação do Secretariado de Administração dos Bens da Província. Nós, internamente, chamamos de ecônomo da Província. Não estou sozinho neste trabalho. Tem mais três frades, direta e indiretamente ajudando nesta missão. Mas sem dúvida é um trabalho bastante diferente do que eu vinha fazendo. Não foi uma escolha minha, eu estou à disposição da Província. Mas posso dizer, com sinceridade, que no Sefras estava plenamente feliz e realizado. De qualquer forma, não deixo de estar muito próximo do Sefras porque, financeiramente falando, para pagar a conta do social tudo passa pelo Secretariado de Administração. Então, estaremos muito próximos e entendendo muito mais os orçamentos e as dificuldades de cada serviço e de cada fraternidade para fazer essa prestação qualificada. O secretário de Administração dos Bens também participa do Conselho do Sefras, assim como o Animador Provincial do Sefras participa do Conselho Gestor da Província. Essa comunicação é fundamental. Os desafios, nesta área, são imensos, mas infelizmente os recursos são finitos.

Site Franciscanos – Fazer um trabalho social organizado requer orçamentos e estrutura?
Frei Mário
Exatamente. Não faltam desafios e necessidades na área social. Mas nós temos de perceber muito concretamente nossas limitações em termos orçamentários. Então, neste sentido, fazer o que for possível será sempre o nosso objetivo e tentar buscar recursos para financiar aquilo que muitas vezes não temos possibilidades próximas de nós.

Site Franciscanos – O que o Sr. diria para as pessoas que conheceu neste universo social?
Frei Mário
O número de pessoas que, ao longo desses três anos e meio de Sefras e dois de Cefran, que o próprio tipo de trabalho me deu de presente, é muito grande. Queria dizer para as pessoas um muito obrigado, Deus lhes pague. E dizer que toda solidariedade humana não é em vão, porque quando hospedamos alguém, é a Deus que hospedamos; quando abraçamos o humano solidariamente, é a Deus que estamos abraçando. Então, muito obrigado às pessoas que me ajudaram neste trabalho, seja financeiramente, na assessoria, no trabalho voluntário, na aliança com quatro congregações franciscanas femininas, aos funcionários e frades Que não deixem de participar e de continuar participando do Sefras. Tenham a certeza de que estarei sempre apoiando a todos como um apaixonado pelo trabalho do Sefras. Tenho certeza de que, hoje, o Sefras na Província não tem mais caminho de volta. Ele vem, depois de 800 anos da morte de São Francisco, ser muito concretamente um modo, entre tantos outros, válidos também, de evangelizarmos a partir do sofrimento das pessoas.