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Frei José Francisco: “Sefras, novo caminho para a evangelização”

23/06/2008

Entrevistas

O Serviço Franciscano de Solidariedade tem novo animador provincial. O mineiro Frei José Francisco de Cássia dos Santos foi escolhido pelo governo da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil para substituir Frei Mário Luiz Tagliari, que neste ano assumiu o Secretariado da Economia e Administração dos Bens.

Até o próximo Capítulo Provincial, em 2009, Frei José Francisco tem a missão de promover e animar 31 projetos sociais que compõem o Sefras, um serviço social fundamentado nos direitos humanos e ecológicos, a partir dos princípios cristãos e franciscanos, que visa à superação da desigualdade social.

Desde janeiro deste ano, Frei José Francisco é também o frade responsável pelo Centro Franciscano de Luta Contra a Aids (Cefran), uma obra social voltada para soropositivos ou pessoas vivendo com o vírus HIV/Aids. Nesta entrevista, Frei José fala de como recebeu a nomeação para esta função e de como vem se entusiasmando com o trabalho do Sefras, um novo caminho para a evangelização. Ele também revela como conheceu São Francisco e a sua Ordem, que ingressou, pela Província da Imaculada Conceição do Brasil, no dia 5 de janeiro de 2001 e fez a profissão solene no dia 2 de agosto de 2005. Frei José foi ordenado diácono no dia 4 de novembro de 2006.

Por Moacir Beggo

Site Franciscanos – Como o Sr. recebeu a notícia da nomeação, pelo governo da Província da Imaculada, para ser animador provincial do Sefras?
Frei José Francisco
Diria que desde a conclusão do Curso de Teologia, tenho vivido momentos de surpresa. Na minha formação inicial, nunca tive um vínculo mais estreito com o Sefras, a exemplo de outros frades envolvidos em algum projeto. Meu envolvimento nesta fase da formação foi com o trabalho pastoral paroquial e com a  experiência de dois anos no Colégio dos Canarinhos (Petrópolis). No final do ano passado, o Definidor Frei César (Külkamp) me consultou sobre as expectativas com o final do curso. Na conversa, fiz uma “nota de rodapé”, vamos dizer assim, dizendo que só não tinha disposição para ir à África neste momento. No mais, onde a Província convidasse, eu iria. E esse desafio veio logo na primeira transferência: São Paulo, Vila Clementino, a serviço do Sefras e para trabalhar no Cefran.

Site Franciscanos – Você conhecia o Cefran?
Frei José Francisco
Não conhecia o Cefran. Só tinha ouvido falar. Como disse antes, nunca tinha ido a um trabalho social. A gente convivia, em Petrópolis, com os frades que trabalhavam nos projetos e conversava sobre o assunto. Aqui, em São Paulo, não conhecia nada. Mas, ao chegar aqui, deixei-me desafiar pela realidade e comecei a me envolver com o projeto. Logo em seguida, veio a escolha para representar o Regional dos Frades de São Paulo no Sefras. Esse foi o segundo desafio, porque estava em processo de conhecimento do Sefras e começando a entender o que era o projeto Cefran. Depois, na Assembléia do Sefras, em Guaratinguetá, fui indicado para a lista tríplice, que foi enviada ao governo provincial, e veio a confirmação para ocupar o lugar de Frei Mário. Diria até que vivo uma situação paradoxal, pois se de um lado me sinto muito desafiado – a gente tem noção do tamanho da responsabilidade que é confiada -, por outro é motivo de muita alegria por saber que os confrades confiam na gente, no trabalho e estão dando este voto de confiança.

Site Franciscanos – Como o Sr. pretende exercer esta função?
Frei José Francisco
Não tenho uma proposta nova para o Sefras. O grande desafio é me inserir dentro do projeto que já está sendo construído. O Sefras é maior do que a idéia de um frade. Não é um frade que faz o Sefras. Estou assumindo o trabalho de animador, para animar o que existe. E o que existe é um Plano de Evangelização, um Plano de Ação do Sefras para o triênio (2007-2009), que foi aprovado no Capítulo Provincial (2006) e a mim foi confiado a condução deste trabalho, que já está planejado. Acho que o trabalho liderado por Frei Mário na construção, estruturação, organização do Sefras foi muito necessário neste tempo. E hoje, diante do que já é, e da proposta que se tem,  vamos caminhar juntos. As eventuais mudanças ou confirmação daquilo que já existe terão o seu momento. Não sou eu que vai dizer o que fazer. É o próprio tempo e a própria caminhada que vão determinar o que vamos fazer. Eu e juntamente com todos os frades envolvidos.

Site Franciscanos – Que horizonte o Sefras traz para o Sr.?
Frei José Francisco
O que tem me entusiasmado no Sefras é a possibilidade de percorrer novos caminhos da evangelização. De sair deste espaço eclesial já convencionado. Não desmerecendo, mas na atual conjuntura encontra-se limitada. A Igreja, enquanto pastoral, atinge muito pouco a sociedade, sobretudo no grande espaço urbano. O trabalho do Sefras é uma presença eclesiológica, evangélica, onde as pastorais de nossa Igreja não chegam. Então, é isso que me entusiasmou, que me leva a acreditar e a estar disposto para  assumir este serviço que me é dado neste momento.

Site Franciscanos – Desde janeiro deste ano, o Sr. está coordenando o Cefran. Como está sendo esta experiência?
Frei José Francisco
Este trabalho tem uma característica toda própria. É um trabalho muito gratificante. Quando cheguei, confesso que fiquei assustado. Assustado porque me deparei com um projeto diferente de todos os que existem. Por exemplo: quando você trabalha com criança, vislumbra um futuro para essa criança, dias melhores, uma dignidade, uma pessoa mais bem inserida na sociedade. Mas não via isso quando cheguei ao Cefran. Mas mudei o meu modo de entender o portador ao trabalhar com eles. Ele próprio, o portador, quando se descobre soropositivo, a primeira impressão que tem é de que a vida acabou. Então, simplesmente assina o seu atestado de óbito, existencialmente falando. Essa também foi a primeira impressão que tive ao chegar lá. ‘Vim trabalhar com um pessoal que não vislumbra o futuro’, pensava, assim como não vislumbrava um futuro no projeto. Pensei: ‘É um projeto a fundo perdido’. Mas quando  comecei a me envolver com eles, vi que a realidade não era a que estava concebendo. E que realmente o projeto existe para mostrar ao portador que aquilo que ele está se autocompreendendo não é real. Então, o projeto tem esse papel fundamental na vida do portador: de colocá-lo de novo na dinâmica do sonho, de sonhar com a vida, de criar projetos, de viver novamente. Esse é o grande papel do Cefran. Essa colocação é do próprio portador. Todos eles fazem esse depoimento de que quando receberam o diagnóstico médico, a vida havia acabado. Por isso, o Cefran tem um papel de, mais do que acolher a pessoa no seu estado de discriminação social, dar a ela o estímulo de que a vida não acabou ali no diagnóstico médico. A vida continua e ela deve se colocar de pé novamente e caminhar. Claro, com todos os cuidados necessários que agora a vida vai exigir, mas não há uma impossibilidade de viver. Essa foi a maior experiência que fiz no Cefran: entender a dinâmica do projeto, a missão do projeto. Nem sempre isso fica explícito no papel. Só no corpo a corpo que a gente amadurece essa compreensão.

Site Franciscanos – O que o Sr. diria para as pessoas que não conhecem o trabalho com soropotivos?
Frei José Francisco
Às vezes as palavras não conseguem transmitir toda a emoção  que o encontro com essas pessoas proporciona. Diria a todas as pessoas que tiverem contato com soropositivos, que não tenham medo, que se encontrem com eles, sintam a presença dessas pessoas, convivam com elas. Porque, ainda que exista muito preconceito do ponto de vista social, a Aids não é uma doença social. O convívio, a relação social não é transmissora. Às vezes, esse preconceito leva o portador a se auto-excluir, a ponto de se sentir um morto. Reanimar a vida depende dessa relação social. E depende de cada um de nós, enquanto sociedade, de acolher. Mas não um acolhimento simplesmente do ponto de vista intelectual e racional. Esse acolhimento se dá numa esfera afetiva. Não podemos ter medo do relacionamento.

Site Franciscano – O que o Sr. diria para uma pessoa que descobre que tem o vírus HIV/ Aids?
Frei José Francisco
O portador não deve se colocar nessa situação, como já definimos antes. Diante do diagnóstico médico, ele tem uma atitude de pânico e depois de resignação, de entrega diante da situação. Não diria até diante da situação da doença, mas da situação social. Acho que esse impacto é maior por tudo aquilo que a sociedade, o convívio social, vai significar na vida dela. As pessoas não devem deixar-se abater. Hoje, com os coquetéis, as pessoas podem levar uma vida tranqüila, uma vida normal, com atenção aos cuidados requeridos pela situação. Agora, ela vai ter acompanhamento médico, maior vigilância, mas isso não impede que ela tenha projeto de vida como qualquer outra pessoa. A primeira atitude é não se deixar resignar. Viva o impacto da descoberta, mas levante a cabeça, ponha-se de pé. Acho também muito importante procurar espaços onde esse preconceito foi quebrado. Eu percebo que dentro do Cefran – ainda que lá seja um lugar restrito, onde circula uma média de 350 famílias por semana – temos testemunhos de muitas pessoas que dizem “olha,  sinto muito bem vindo aqui porque é o único lugar que posso falar eu sou portador”. Neste espaço, podem conhecer outras pessoas sem sofrer qualquer tipo de discriminação.

Site Franciscanos – Quem é Frei José Francisco? Fale um pouco de sua vida e de sua vocação.
Frei José Francisco
Nasci numa cidade no Sul de Minas: Cachoeira de Minas, muito próxima do Estado de São Paulo, na Arquidiocese de Pouso Alegre. Minha família tem origem rural. Nascemos todos no sítio. Eu e meus seis irmãos. Sou o mais velho deles. Meu pai, a vida toda trabalhou na lavoura e minha mãe sempre foi uma doméstica. A minha cidade é pequena – com 12 mil habitantes – e destoa um pouco da realidade do Brasil, já que temos aproximadamente 55% da população do município ainda na zona rural, ao passo segundo dados do IBGE, 80%  da população estão nas regiões urbanas. Hoje, minha família mora na cidade, mas tem toda a sua fonte de renda ligada com a terra. Saímos do mundo rural num momento de dificuldades familiares. Os filhos precisavam estudar e não dava para ficar indo e vindo. Mas para morar na cidade, precisava arrumar serviço. Por isso, trabalhei em fábrica, depois no comércio, assim como minhas irmãs. Depois, com esse estreitamento junto à Pastoral da Igreja, fui trabalhar em um Colégio do Estado, para lecionar ensino religioso.

Site Franciscanos – Quantos anos você tinha nesta época?
Frei José Francisco
Eu já estava com 22 anos. Nesta fase da minha vida, já tinha essa interpelação vocacional, embora a condição em que vivíamos não permitia uma tomada de decisão. Por ser mais velho – e na seqüência tenho quatro irmãs, só depois vêm os dois irmãos –, a minha família dependia de mim. Quando ganhamos uma estabilidade, uma organização familiar melhor, minhas irmãs estavam encaminhadas no trabalho, decidi que ia cuidar da minha vocação. Sempre tive uma vida muito envolvida com a Paróquia, com a comunidade onde nasci. Então, isso fez com que procurasse o padre para conversar. O padre diocesano de minha paróquia ensinou o caminho que ele fez e fui parar num Seminário Diocesano.

Site Franciscanos – De que cidade?
Frei José Francisco
Em Pouso Alegre. Claro, nesse caminhar todo, não fui criança para o Seminário. Tinha 24 anos e já tinha concepção e intuições de um modo de pensar de ser Igreja. O pároco Pe. Otávio – com todo respeito à santidade dele, foi um exemplo em muitas coisas para mim durante a minha juventude e hoje é de saudosa memória –, era um homem de profunda oração. Os mais jovens diziam para ter paciência e relevar o Pe. Otávio porque tinha uma formação anterior ao Concílio Vaticano 2º. O primeiro choque que tive no Seminário Diocesano foi quando comecei a perceber, nas entrelinhas do dia-a-dia, que a formação me levaria a ser um padre como o Pe. Otávio. Não que ele não tivesse suas virtudes. Mas não era aquilo que alimentava o fundamento da minha vocação. Não era aquilo que me animava e me fazia vibrar. Então, entrei numa crise danada. E aí fui fazer um retiro em Itaici, que os jesuítas promovem para casados, religiosos, seminaristas de Filosofia, Teologia, etc. Estava lá como seminarista de Filosofia e numa bela conversa  com o Pe Romanelli coloquei para ele a crise que estava vivendo. Isso porque já estava prestes de fazer as malas e voltar para a casa. Aí, ele fez um trabalho de acompanhamento vocacional que a diocese não fez, ou melhor, não faz. Por quê? Na diocese, eles não aprofundam os aspectos da vocação. Eles aprofundam o trabalho para a vocação do padre secular. Pe. Romanelli me disse: “Seu problema não é vocacional, mas de carisma. Onde é que você está? Existe outras maneiras de ser religioso”. E o que foi bonito da parte dele é que não disse “venha ser jesuíta”. Ele abriu o leque e disse que existem outras formas e me mandou pesquisar. Então fui buscar informações e comecei a me aproximar da vida religiosa.

Site Franciscanos – E como chegou ao carisma franciscano?
Frei José Francisco
Foi lendo um livro do Leonardo Boff, que até então nem conhecia quem era direito o Boff, o que fazia, nada. Nessa época ainda não conhecia as teologias e nem as formas de conceber os diferentes modelos de Igreja. Mas tinha lá “Francisco, Ternura e Vigor”, um livro do Boff. Achei aquele título interessante, comprei o livro e comecei a ler. E o fato é que o li em menos de dois dias. A cada página que virava, não encontrava uma idéia nova para mim. O livro passava a ser uma conceituação daquilo que estava na minha inquietação. De forma confusa, em forma de crise. Mas aquele livro é como se fosse sistematizando a pessoa. Houve uma identificação. Aí, eu lembro hoje, sem fazer demagogia, muito significativamente daquela citação em que São Francisco fala “é isso que eu busco é isso que eu desejo”.

Está aqui “a coisa”. Aí fui procurar um frade. Não conhecia e nem havia a presença dos frades naquela região. Um dia, comentei com uma freira, amiga minha, e ela disse: “olha, a pagela da Folhinha do Sagrado Coração de Jesus tem o endereço vocacional dos frades franciscanos. Eu vou procurar para você e acho”. E ela trouxe a pagela com o endereço dos frades e entrei em contato com o procurador vocacional do Largo São Francisco, o Frei Pedro Pinheiro. Ele me acolheu com muito apreço por telefone. Foi muito atencioso comigo. Interessante que eu só fui conhecer o Frei Pedro pessoalmente depois de dois anos.  E ele me situou geograficamente e me indicou a Fraternidade de Bragança Paulista, para falar com Frei Fábio Panini. Isso aconteceu na hora do almoço e, quando foi à tarde, liguei para o Frei Fábio e ele já estava sabendo. Aí fiquei mais entusiasmado ainda pela atenção do Frei Pedro. Tive o primeiro contato com os frades, fui a Bragança Paulista e desenrolou um processo de aproximação e acompanhamento vocacional. E quando os padres da diocese souberam que eu tinha “um namoro escondido”, pediram que eu saísse do Seminário.

Site Franciscanos – Você só fez um mês de Aspirantado?
Frei José Francisco
Na verdade foram dois meses, porque morei um mês no Aspiratando e um mês na Fraternidade do Pari.  O Frei Fábio ficou preocupado comigo por morar distante e achou melhor que eu morasse com os frades. Fui para Luzerna em 98 terminar o Aspirantado; em 99, fiz o Postulantado; em 2000, fiz o Noviciado e; em 2001 e 2002, conclui o Curso de Filosofia, que já tinha começado na diocese. No ano passado conclui o quarto ano de Teologia. Na Filosofia eu morei em Rondinha, na Teologia morei inicialmente no Sagrado, trabalhando diretamente na Pastoral com Frei Piaia, e os dois últimos anos eu morei na Fraternidade São Benedito. Trabalhava no estágio pastoral de fim de semana na Paróquia São João Batista, em São João de Meriti, e durante a semana no Colégio Bom Jesus (Canarinhos).