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Frei José e os novos desafios da Missão de Angola

10/02/2015

Entrevistas

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Moacir Beggo

O presidente da Fundação Imaculada Mãe de Deus de Angola, Frei José Antônio dos Santos, hoje tem como palavra-chave de sua rotina o verbo CONSOLIDAR. É com esse pensamento que ele participa da consolidação do belo trabalho missionário da Fundação, ou seja, fazer com que o já foi realizado durante estes 25 anos de presença franciscana consiga produzir frutos em terras angolanas. Os frutos, contudo, são abundantes como se pode ver pelo celeiro vocacional que se tornou a Missão nos últimos anos. Nesta entrevista, Frei José Antônio fala do passado, do presente e do futuro da Missão. Acompanhe!

logo-angolaSite FranciscanosQue cenário religioso, político e social o sr. encontrou em Angola quando chegou como missionário há 14 anos?

Frei José Antônio dos Santos – Todo o cenário politico, religioso e social era marcado pela guerra civil, que se estendia já por vários anos, com momentos de maior ou menor intensidade. A guerra destruiu, além das estruturas físicas, também muito das estruturas familiares, com o constante deslocamento das famílias e, dessa forma, muito das referências culturais. Os vários anos de guerra determinaram a realidade política fortemente marcada pela desconfiança que impedia qualquer tipo empreendimento e, portanto, dificultava o avanço econômico e social do país. As estradas eram precárias, impedindo a livre circulação de mercadorias, por vezes até mesmo os produtos mais básicos. O ambiente religioso era bastante intenso. Lembro-me de uma prece que era repetida ao final de todas as missas e celebrações litúrgicas. Era uma súplica pela paz. O povo repetia aquelas palavras em voz alta e forte. A vibração presente na oração demonstrava a esperança que todos tinham de que, um dia, a paz iria chegar.

Site Franciscanos – O que mudou neste tempo?

Frei José – Acredito que é possível afirmar que quase tudo mudou. Saímos de um período marcado pela guerra que destruiu todo o país, para um momento de grandes esperanças na reconstrução. Há um avanço muito grande na reforma e ampliação das cidades, construção de moradias populares, hospitais, escolas etc. Acredito que o grande desafio neste momento é a manutenção de tudo o que está sendo feito. Quando terminou a guerra, o governo sugeriu que a Igreja ajudasse no processo de reconstrução nacional, sobretudo no setor da educação e da saúde. A Igreja realmente tem procurado ajudar nestas duas áreas. Nossa missão franciscana tem se envolvido neste processo, sobretudo, através das escolas paroquiais, que acolhem as crianças e adolescentes mais carentes que, de outra forma, muito possivelmente, ficariam sem estudar.

Site Franciscanos – Que balanço o sr. faz deste trabalho na missão?

Frei José – O balanço é positivo. Inicialmente, havia muita expectativa em torno do que fazer e como fazer. Fui enviado para a fraternidade do Postulantado (Viana) para ajudar na formação, como vice-mestre dos postulantes. Ao chegar, já pelo meio do caminho, recebi a notícia de que o confrade que estava à frente da fraternidade e da formação, havia pedido para se retirar da missão e ir para outro projeto missionário da Ordem.

Avaliando todo o meu itinerário na missão, acredito que foi o momento mais difícil de todos. Chegar a outro país, recém-saído da formação, e cair dentro desse tipo de situação totalmente inesperada. Ninguém sabia quem iria substituir o confrade. O processo formativo do grupo de postulantes já seguia avançado. A dúvida pairava no ar. No meu coração meditava e me perguntava: que pai é esse que abandona os filhos em meio ao vendaval.

Havia muito boa vontade dos frades que permaneceram em ajudar a encontrar uma solução, dar apoio, ajudar, porém, durante quase dois anos, o que aconteceu foi uma sucessão de reajustamentos na fraternidade que a tornava inconstante. Mesmo recém-formado, percebia que esse ambiente não ajudava em nada a formação. Finalmente, as coisas foram se ajustando e, um novo confrade, já com experiência em formação chegou e ajudou a fazer a transição. Passei estes 6 anos iniciais na fraternidade de Viana. Durante esse tempo de missão, meu programa de trabalho tinha escrito em letras bem grandes sobre minha mesa: APRENDIZADO. Queria lembrar sempre que estava ali, naquele momento, mais para aprender do que para ensinar.

Algumas coisas me ajudaram muito neste momento: a acolhida, a abertura e o espírito fraterno por parte dos confrades que já estavam na missão; a partilha e a amizade dos confrades que foram junto comigo para a missão; o Curso para Missionários, oferecido pela Conferência Episcopal, que nos apresentava um pouco de tudo: oportunidade para conhecer um pouco da cultura, das línguas locais, da organização econômica, política e religiosa, mas, sobretudo, para conhecer outros missionários, recém-chegados de outras congregações e assim partilhar expectativas e experiências; a alegria dos nossos formandos e o seu entusiasmo e busca por cultivar a vocação franciscana; os tempos de trabalho pastoral junto às aldeias de Malange, com os frades estudantes, no período pós-guerra. Todas essas experiências ajudaram a conhecer um pouco da realidade de nossa missão. Hoje, a palavra-chave do meu trabalho tem sido CONSOLIDAR. Ou seja, tentar fazer com que o que já foi realizado durante estes 25 anos consiga produzir frutos e assim, aos poucos, a Fundação vá se consolidando, cada vez mais, em terras angolanas.

Desde quando cheguei a Angola que procuro estudar um pouco da sua história. Comecei com o processo de chegada dos primeiros europeus até o processo de independência. Depois percebi a necessidade de descobrir um pouco o processo de fixação dos vários povos de origem bantu no território, pois isso nos ajuda a entender um pouco da cultura ou culturas locais. Atualmente tenho pesquisado sobre os outros momentos em que houve presença de frades menores ou de algum dos grupos de frades que depois se integraram à OFM. Foram vários os momentos, como podem comprovar algumas ruínas de antigos conventos ou a lista dos bispos da cidade de Luanda, pelo menos 6 eram franciscanos. Alguns vieram diretamente de Portugal, outros já eram missionários. Isso indica a presença dos frades. Porém, pouco dessa história foi conservada, mas, conhecê-la nos ajuda a entender o que é necessário fazer para que a presença atual seja realmente duradoura e produza frutos de verdadeira evangelização, de promoção da dignidade da pessoa humana.

01Site Franciscanos – Hoje, como presidente da Fundação, quais os principais desafios da missão?

Frei José – No momento em que nos preparamos para celebrar os 25 anos da atual presença dos frades menores em Angola, podemos afirmar que passamos do período de “instalação e reconhecimento” do terreno. Assim, surge o grande desafio que é a consolidação do que foi instalado e reconhecido. Com isso, o maior desafio é ter frades em número suficiente para oferecermos um trabalho na área pastoral e formativa de qualidade para que o nosso serviço de evangelização possa realmente ser o lugar onde o frade menor e todos aqueles que com ele se encontram possam sempre sair realizados em sua missão. Sabemos que tudo é um construir constante, mas, nos encontramos no momento em que o maior desafio não é somente construir, mas manter o que já foi edificado. Não falamos apenas das construções de pedra e cimento, mas, sobretudo da construção espiritual da Fundação.

Nossas paróquias cresceram, não em extensão territorial, mas, em número de pessoas, que passaram a residir nelas por causa do processo de deslocamento das populações que se iniciou logo nos primeiros anos do pós-guerra e vem se intensificando cada vez mais. A paroquia de Malange, por exemplo, há bem pouco tempo (três ou quatro anos) tinha poucas residências. Atualmente, para todo lado que se olha se vê uma nova construção. O mesmo pode ser dito das outras duas paróquias. O Kimbo São Francisco (em Luanda) vê o número de peregrinos aumentar todos os dias. Antes, recebíamos pessoas da grande Luanda, hoje há fiéis vindos mesmo de outras regiões.

Na formação, o número de vocacionados tem aumentado. Isso nos ajuda a fazer uma melhor seleção inicial. Ou aproveitamos o bom momento que a graça nos concede ou talvez nos arrependamos depois. Acrescenta-se a isso o fato de que o índice de perseverança tem sido bastante alto. Porém, a inconstância no número de formadores tem sido uma prática. Isso empobrece a nossa capacidade de acolher e ajudar no processo de discernimento e animação vocacional. Além disso, as constantes mudanças fazem com que não se gerem experiência e continuidade nos processos formativos. Muitas vezes acabamos por experimentar de novo aquilo que o passado já comprovou ser ineficiente.

Site Franciscanos– A Fundação vive um bom momento vocacional, fale sobre esse “celeiro vocacional” na missão.

Frei José – O atual bom momento vocacional é resultado do trabalho de todos os frades ao longo destes 25 anos. Outros fatores que também têm contribuído para tal foi o crescimento no número de escolas que possibilitam aos jovens terminar o ensino fundamental e, por vezes, o ensino médio e assim estarem aptos a entrar em um seminário ou casa de formação. No nosso caso específico, o apoio das religiosas nas regiões onde não temos presença tem sido fundamental. O material vocacional, sobretudo os subsídios impressos contribuem para que os jovens que nos procuram venham já com uma ideia geral sobre o que significa ser frade menor. A criação de uma coordenação mais centralizada da Pastoral Vocacional que ajuda na animação local também tem ajudado a promover mais visitas às famílias etc., algo muito importante na acolhida dos jovens vocacionados por aqui.

Site Franciscanos – Por que quis ser missionário?

Frei José – O desejo de ser missionário surgiu já no primeiro ano de formação, durante o aspirantado. Os primeiros frades tinham sido enviados para a missão em Angola havia pouco tempo. Os relatórios, as notícias falavam das primeiras experiências, das dificuldades e eram entusiasmantes. Então surgiu a primeira ideia de também ir para Angola.

Essa ideia foi reforçada durante o tempo de noviciado com a leitura das biografias dos frades que chegaram para a reforma da Província. Durante os momentos de meditação líamos essas biografias e era um momento onde podíamos viajar até a missão e pensar como tudo tinha sido e como tudo poderia vir a ser se tomássemos a decisão de seguir para a missão. No último ano da Teologia, conversei com o ministro provincial da época e ele disse que se eu quisesse realmente ir, que escrevesse uma carta. Em 8 de dezembro de 2000 recebi a transferência para a missão. Na verdade, quis ser missionário por acreditar que poderia aprender muito vivendo dentro de uma realidade e cultura diferentes, por acreditar que todos somos chamados a ser missionários e porque tenho claro que o carisma franciscano pode ajudar a construir uma sociedade mais justa e mais fraterna, sobretudo em um lugar onde a palavra guerra, no passado, era mais usada do que a palavra paz.

Site Franciscanos – Como se deu o seu discernimento vocacional? Por que escolheu ser franciscano?

Frei José – A descoberta da vocação religiosa como possibilidade de realização existencial se deu quando ainda era bem criança, no primeiro dia de catequese. A arquidiocese de Niterói, da qual sou originário, vivia um momento de trabalho vocacional bastante intenso, pois, na época, faltavam vocações. Havia um pequeno caderno vocacional e o catequista o usava nos primeiros encontros. Pois bem, o primeiro encontro falava sobre a vocação de Samuel, quando Deus chama Samuel pelo nome. Naquele dia senti que talvez esse poderia ser meu caminho.

Passou muito tempo e uma religiosa catequista franciscana me questionou sobre a possibilidade de ser franciscano e me levou até aos frades. No primeiro encontro com os frades tive a certeza de que queria mesmo ser franciscano. Muitos foram os que me ajudaram neste processo de descoberta. Hoje, cada vez que visto o hábito e o vejo cada vez mais velho, desgastado e surrado, lembro com carinho de todas essas pessoas e tenho clara a certeza de que foi a melhor e mais acertada decisão que já tomei na vida. Sobre por que escolhi ser franciscano poderia dizer muitas coisas, mas acho que posso resumir da seguinte maneira: nos momentos de alegria ou de dificuldade ser franciscano me realiza, me sustenta espiritualmente e me dá forças para continuar a caminhada. O modo de vida e o ideal de São Francisco, dos irmãos menores e itinerantes, me fez encontrar sentido para a caminhada.

Site Franciscanos – O que você diria para os frades e leigos que querem se tornar missionários em Angola?

Frei José – Cada um tem a sua própria medida, mas todos podemos doar um pouco de nosso tempo e de nossa vida como frades menores e como cristãos para a missão. Já tivemos irmãos que ficaram na missão durante dois anos ou até menos e fizeram muito. Até hoje as pessoas têm uma boa lembrança deles. Não importa o tempo que você pode oferecer: um ano, dois, três… a vida inteira. O que importa é ser capaz de fazer algo, sobretudo, neste momento em que a missão cresce. Esse tempo, se bem aproveitado, ajudará a consolidar nossa Fundação missionária. E depois teremos irmãos angolanos que, por si, tocarão a missão. É necessário ir sem a pretensão de que resolveremos tudo. Vamos para ajudar a regar as sementes já lançadas em terra boa e com a plena certeza de que fazer crescer é obra do próprio Deus.