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Frei Cássio: “A melhor escolha que alguém pode fazer na vida é ser Franciscano”

30/10/2018

Entrevistas

Frei Augusto Luiz Gabriel

Frei Cássio Vieira de Lima nasceu em 22 de agosto de 1921, em Japurá, estado de São Paulo. Proveniente de uma família simples e muito pobre é o mais velho de cinco irmãos. Seu pai se chamava Olímpio de Paula Vieira e sua mãe, Rita de Paula Vieira, que faleceu quando tinha apenas 9 anos. Ingressou na Ordem dos Frades Menores no dia 20 de dezembro de 1941. Fez a profissão solene no dia 21 de dezembro de 1945 e foi ordenado sacerdote no dia 16 de julho de 1949.

Atualmente reside na Fraternidade Bom Jesus dos Perdões de Curitiba (PR) e é atendente conventual. Frei Cássio conta que desde cedo quis ser padre. Para ele, a melhor escolha que alguém pode fazer na vida é ser franciscano.

Também sempre gostou de estudar. Aprendeu onze línguas estrangeiras e, segundo ele, se passa um dia em que não pode estudar, sente que falta algo: “É como se eu não tivesse almoçado”. Durante os trabalhos diários, leva livros em alemão para o confessionário e lê enquanto não aparecem fiéis para se confessar.

Para ele, ser franciscano é um grau de santidade e uma espécie de garantia para conquistar a vida eterna. E sobre o segredo para a longevidade, afirma com convicção: “Fui vivendo, vivendo e, quando percebi, estava com 90 anos. Agora cheguei aos 97 e espero passar dos 100!”

Acompanhe a entrevista!

Site Franciscanos – Como se deu seu discernimento vocacional?
Frei Cássio – Quando tinha mais ou menos sete anos, lembro-me que minha mãe me dizia: “Gostaria que você fosse padre!”. Ela sempre me falava sobre a Igreja e religião. Na nossa cidadezinha não havia padre e sequer uma única missa. Lembro-me de que, numa ocasião, especialmente quando fui crismado, apareceu alguém que não sabia se era bispo ou padre, e celebrou minha crisma… Essa ideia da minha mãe entrou na minha cabeça, e ficou. Mas não tinha noção do que era ser padre religioso ou diocesano. Mais tarde, minha mãe veio a falecer (3 de abril de 1930) e, em 1935, entrei no seminário. Comecei, então, a entender a diferença de padre secular e religioso. Foi um franciscano que apareceu na minha paróquia e me ‘conquistou’. Nesse dia, estava acompanhado com a minha avó, uma senhora muito católica e dedicada, que falou com ele. Era o Ministro Provincial daquele tempo. Então, fui para Rio Negro (PR) e comecei a minha vida de seminarista.

Site Franciscanos – O que influenciou na sua decisão?
Frei Cássio – Como já disse, a grande incentivadora foi minha mãe. Tudo o que ela dizia era sagrado. Nos momentos de orações e do terço, comecei a entender um pouco a religião, Deus… Mas era um entendimento muito pequenino. O que eu queria mesmo, talvez, fosse primeiramente satisfazer a vontade da minha mãe. Mais tarde é que fui entender que ela tinha o desejo mais sagrado para minha vida, e deu certo!

Site Franciscanos – E por que escolheu ser religioso franciscano?
Frei Cássio – Eu não escolhi, os outros escolheram por mim. Essa minha avó, com quem eu convivia, era muito religiosa. Nós rezávamos o terço todas as noites em casa. Ela me mandava, sozinho, para a Igreja rezar. Eu não sabia admirar isso naquele tempo, e nem explicar, mas de alguma forma já estava embevecido pela capacidade da vida religiosa que ela tinha. Ela queria que eu fosse padre, indiferentemente se fosse religioso ou secular.

Site Franciscanos – Qual a fórmula para ser um bom frade menor?
Frei Cássio – Olha, antes de mais nada, existia uma convicção: eu queria ser padre porque isso era o melhor que podia acontecer. E depois que estava no seminário há alguns anos, e vendo ali o exemplo dos padres, do que eles diziam e viviam, isso me deixava completamente entusiasmado. Outra coisa é que sempre gostei muito de estudar. Fiz cinco ou seis cursos universitários, e não me arrependo. Se pudesse iria estudar mais alguns. Até comecei outros cursos, como por exemplo, de Direito, mas não consegui concluir por conta dos trabalhos de que a Província me incumbiu. Então, aprendi o que é ser franciscano vendo os padres franciscanos do Seminário de Rio Negro. Naturalmente, depois os padres franciscanos do noviciado de Curitiba e da Teologia. Em Petrópolis, tive grandes decepções, por conta de um padre que me tratou muito mal. Infelizmente é uma lembrança profunda e negativa que não é possível esquecer. Mas, acabamos superando. O que eu vi, especialmente nos primeiros anos do Seminário de Rio Negro, como o esforço dos frades, a seriedade deles e a capacidade que eles tinham de colocar dentro de nós a vontade de ser bom, de ser padre/frade, de ser amigo de Deus, influenciou toda a minha vida.

Site Franciscanos – Quantas línguas o sr. fala?
Frei Cássio – Além das línguas como o latim, grego, francês e português, que estudei em Rio Negro, também aprendi mais alguns idiomas por minha conta. Especialmente quando tive que ser diretor do ginásio em Curitiba, São José dos Pinhais e em Clevelândia. Quando deixo de estudar por um dia, sinto que falta algo dentro de mim. É como se eu não tivesse almoçado. Gosto e acredito que todo padre deveria estudar, claro que em graus diferentes, mas o estudo faz parte da nossa vocação. Nele aprendemos a raciocinar, e quem não raciocina não está fazendo a vontade de Deus. Se Ele deu raciocínio para nós, e note que deu somente para nós, pois árvores e animais não pensam. Eles não têm cérebro. O meu tem funcionado muito bem, com a graça de Deus. Estudei 11 línguas. Conhecer uma língua estrangeira ajuda a desenvolver muito o raciocínio. Não é só aprender vocabulário, é satisfazer a Deus cumprindo essa inclinação que ele nos deu!

Site Franciscanos – Qual o segredo para a longevidade?
Frei Cássio – Não sei se existe segredo. Acredito que deveria existir antes prudência. Por exemplo, não sei comer rapidamente. É um problema meu aqui na Paróquia Bom Jesus dos Perdões. Não consigo almoçar em menos de 45 minutos.
Acredito que devemos saber escolher os alimentos naturais, e comer de tudo. Procuro fazer 4 ou 5 refeições por dia. Nunca pensei em comer bem para viver bastante. Nunca pensei nisso. Eu também não pensava que iria ficar tão velho. No meu tempo, os padres morriam mais cedo. Eu via isso e também achava que aconteceria assim comigo. Mas Deus fez o caminho de outro jeito comigo. Fui vivendo, vivendo e, quando percebi, estava com 90 anos. Agora, com 97, espero passar dos 100!

Site Franciscanos  – O que o sr. faria de novo e o que não faria?
Frei Cássio – Bom, acredito que algumas designações minhas como padre não foram acertadas. O Provincial não acertou, mas ele não tem culpa. Ele não é Deus para saber de tudo. Penso que o melhor tempo de padre que tive é o que estou vivendo agora. Fiquei 30 anos como pároco na Paróquia Santa Madalena Sofia de Curitiba (PR), e ali tive bastante sorte e bastante ajuda de Deus, podendo realizar muita coisa, de forma que consegui converter bastante gente e criar muitas amizades. Construí uma Igreja grande e bonita, num lugar muito pobre, com a ajuda de pessoas de outros lugares onde eu já havia trabalhado antigamente. Infelizmente, o atual bispo se tornou meu inimigo sem eu saber o porquê, pois da forma como ele me tocou de lá, de forma repentina, não foi bom. Mas assim é a vida. Continuo trabalhando e ajudando nas missas e confissões paroquiais.

Site Franciscanos – Falando sobre a Igreja Santa Madalena Sofia, como foi esse trabalho? Teve alguma experiência marcante?
Frei Cássio – A igreja que existia lá na época estava em péssimas condições e precisava ser construída uma nova. Então, disse ao povo: ‘Nós não podemos continuar com essa igreja aqui, feia e abandonada. De repente, este teto pode até cair em cima de vocês na hora da missa. Vamos fazer aqui uma nova igreja para durar muitos anos, assim como Deus merece’. Alguns criaram resistências alegando que os fiéis eram muito pobres. Outros padres já haviam tentado, mas não tinha dado certo. Sei que de tanto insistir, depois de umas quatro ou cinco reuniões, eles acabaram concordando. E começamos. Fomos falar com o bispo e ele concordou. Porém, depois, quando apresentamos o projeto da Igreja, ele pôs a mão na cabeça e pediu para que fizéssemos um projeto menor. Então, disse: ‘Senhor bispo, eu não gosto de fazer coisas pequenas, sempre fiz coisas grandes como a igreja merece’. Eu vou tentar e fazer o possível para conseguir ajuda para construir.
E o bispo enfaticamente disse: ‘Frei, o senhor vai levar 50 anos para fazer essa igreja, mas se quer tentar pode começar. Depois não diga que eu não avisei’. E o bispo citou o exemplo de outra igreja que na época estava em construção fazia 49 anos. E prometi a ele que em 10 anos entregaria a Igreja pronta para comunidade e o bispo, batendo na mesa, disse que duvidava, mas pelo menos me deu aval. Começamos com toda a força a construção, e terminamos a Igreja em 7 anos.
Quando fui novamente até o bispo convidá-lo para a inauguração, ele brincou comigo perguntando se ela estava totalmente pronta. E ele foi até lá ver e compareceu para a inauguração da Igreja. Fizemos o que pudemos. Houve gente que ajudou muito. Um homem, por exemplo, em um almoço oferecido na casa de um deputado, nos doou cinco mil sacos de cimento. Algumas coisas realmente foram quase que miraculosas. Teve outro senhor que doou cinco caminhões de areia que deu para a construção da igreja toda. E assim íamos construindo. Muita gente ajudou! Outro exemplo é de um senhor que tinha uma floresta enorme e nos doou a madeira de todos os 120 bancos existentes na Igreja. E assim as coisas aconteceram, deixando o bispo entusiasmado e admirado. Deus quis que a Igreja saísse e assim aconteceu. Posso afirmar que nestes 30 anos que fiquei por lá tive muita sorte e por isso agradeço muito a Deus.

Site Franciscanos – O que o sr. diria para um jovem que quer entrar na Ordem hoje?
Frei Cássio – A Ordem Franciscana no mundo é a melhor coisa que Deus mandou aqui para terra. Todos aqueles que aceitam o franciscanismo estão aceitando uma coisa boa e santa. A melhor escolha que alguém pode fazer na vida é ser franciscano, tanto os homens que se tornam irmãos leigos e padres, como as mulheres que se tornam freiras, especialmente as Clarissas. Ser franciscano é um grande grau de santidade e uma espécie de garantia para conquistar a vida eterna.

Site Franciscanos – Como deve ser a vida de oração de um frade?
Frei Cássio – Olha, devemos rezar nem de menos e nem de mais. Precisamos rezar sem dúvida. Todas as pessoas precisam rezar. Como religiosos precisamos rezar por nós mesmos, pelos outros confrades, por toda a humanidade, e assim agradamos a Deus. Lembrar sempre que rezar é conversar com Deus. Existe coisa mais santa, nobre e elevada do que conversar com Deus? A oração devia ser muito mais espalhada, devia ser uma forma de convicção. Não precisa ser a oração do livro, de dois, três ou quatro metros de comprimento, pode ser a oraçãozinha de um centímetro mesmo, desde que a gente se concentre só em Deus. Quem não reza, diz o antigo provérbio, não se salva. Quem reza pode se tornar santo.
Todos sem exceção, cada um do seu jeito e no seu grau tem que rezar. Acho que a coisa mais séria de nossa vida, muito mais do que comer é rezar, pois comer não leva a gente pro céu, e rezar leva!

Site Franciscanos – São Francisco tem lugar no mundo de hoje?
Frei Cássio – Olha, penso que é aquele que tem mais lugar do que todos os outros. Mesmo que as outras congregações tenham lá as suas convicções, a minha é está: São Francisco foi realmente o maior santo que o mundo produziu e a gente precisa dele.

Site Franciscanos – Como o sr. vê a Ordem dos Frades Menores hoje?
Frei Cássio – Olha, essa pergunta é um pouco difícil. Então, eu não tenho tido tempo para me aprofundar, mas eu penso que a Ordem de São Francisco não vai acabar, a não ser com o fim do mundo. É um ideal tão grande, profundo e necessário que vai durar para sempre.

Site Franciscanos – O que o sr. acha do Papa Francisco?
Frei Cássio – Deus mandou alguém muito especial para uma época especial. É verdade que eu não conheço tudo o que ele diz, escreve e faz, não é possível porque a gente tem obrigações que ocupam nosso tempo, mas acredito que foi uma bênção de Deus para a Igreja. E a gente agradece a Deus por isso!

Site Franciscanos – Quantos papas o sr. conheceu na sua vida? Do qual o sr. gostou mais?
Frei Cássio – Olha, sempre li tudo o que encontrei sobre os papas. Especialmente quando estudava história da Igreja. Tivemos três anos de estudos e conhecemos muitos e muitos papas, mas não sei dizer mais quantos é que são. O Papa atual é que mais gostei e gosto.

Site Franciscanos – O que achou do Concílio Vaticano II?
Frei Cássio – Simplesmente aceitei as mudanças que a Igreja pediu. Não tive problemas com isso. Muitas coisas precisavam mudar mesmo. Foi uma coisa muito boa.

Site Franciscanos – O sr. já foi prefeito de Planalto nos anos 70. Como se deu este processo?
Frei Cássio – Sim, fui pra lá em 1976 e fiquei até em 1981. Olha, era o tempo do Governo Militar, e esse governo tinha estabelecido que todos os municípios do Brasil, com limites com outro país, deveriam ser governados por prefeitos nomeados, ou seja, escolhidos a dedo. Eram 92 municípios nesta situação. Começava lá no Amazonas e ia até o Rio Grande do Sul. Então, não sei como foi o princípio, mas acredito que alguém indicou que eu poderia ir pra lá e citou o fato de eu ser professor do Colégio Militar de Curitiba, onde lecionei por 19 anos. Então, por ser professor neste colégio, era conhecido por alguns militares. O Governador mandou fazer um relatório sobre mim, porque os militares escolhiam, mas a nomeação era feita sempre pelo Governador em exercício. Quando me fizeram o anúncio, levei um susto e disse: “Eu não posso, sou padre”. Perguntaram, então, quem deveria resolver isso na minha Província. Expliquei que era o Ministro Provincial, Frei Antônio Nader. E, de antemão, já disse que ele não iria autorizar. Porém, não sei os pormenores das tratativas desta história com o Ministro. Fiquei sabendo pelo Governador, logo depois, que seria o novo prefeito de Planalto.
Ainda desconfiado liguei para o Provincial e perguntei se de fato não haveria nenhum problema em aceitar e ele me disse: “Estou sabendo e concordo que você seja o novo prefeito. A sua escolha é uma coisa muito boa”. E sabe mais o que ele me disse no telefonema: “A Província agradece muita esta escolha do Frei Cássio, porque nunca nestes 500 anos de Brasil o Governo reconheceu o trabalho dos franciscanos aqui. Os franciscanos foram os primeiros padres e nós agradecemos o reconhecimento”. Eu fiquei espantado. Foram 5 anos de mandato.

Site Franciscanos  – Por que aceitou um cargo nomeado pela Ditadura Militar? Isso não vai contra os princípios da Igreja e da Ordem?
Frei Cássio – Sim, também estranhei. Por isso disse ao Governador que meu superior não concordaria. Mas, fui pra lá e fiz o melhor que pude. Posso dizer que o trabalho deu certo. O Exército Brasileiro estava interessado nas fronteiras, deram até a ordem de comunicar imediatamente o Exército caso desconfiasse de algo. E uma vez aconteceu que da noite para o dia apareceram algumas máquinas na divisa do município e eu logo e avisei a eles. Os militares averiguaram e constataram que, no limite do município, a Argentina iria fundar uma empresa e que estava tudo certo. Fiquei por cinco anos como Prefeito e se não renunciasse teria ficado lá até o fim do Governo Militar.

Site Franciscanos – Como o sr. acha que o mundo está hoje? O sr. acompanha a situação político-econômica do Brasil?
Frei Cássio – Vejo, leio e escuto que a situação está muito ruim. São muitos pobres e ricos, muitas são as injustiças. Deus não pode querer uma coisa desta que está acontecendo hoje. Muita injustiça, exploração e roubalheira. Isso não pode continuar assim. Acredito que é necessário uma igualdade maior entre pobres e ricos, entre governantes e governados. Aqui no Brasil isso é consequência de um grupinho que fica com tudo enquanto um grupão fica quase sem nada, morrendo de fome, e isso é em grande quantidade.

Site Franciscanos – Para terminar, deixe uma mensagem.
Frei Cássio – Desejo que as vocações franciscanas aumentem visivelmente, pois nós não damos conta do atendimento. As exigências de hoje são maiores, por isso precisamos de mais clero. Espero que Deus tenha pena do Brasil e que o número de padres aumente tanto em quantidade como em qualidade. Também peço que o Capítulo Provincial seja proveitoso e que o novo Provincial seja bem escolhido.