Cântico das Criaturas e os presépios franciscanos 2024
13/12/2024
Como manjedouras, as fraternidades da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil estão preparadas para acolher o Menino Jesus, renovando uma tradição iniciada por São Francisco de Assis há mais de 800 anos.
O presépio, uma das mais fortes tradições franciscanas, teve origem em Greccio, na Itália, no ano de 1223. Tomás de Celano, em seus relatos, descreve os momentos vividos pelo Santo Seráfico, fiel seguidor do Evangelho, ao decidir representar o nascimento de Jesus Cristo.
Havia naquela terra um homem de nome João, de boa fama, mas de vida melhor, a quem o bem-aventurado Francisco amava com especial afeição, porque, como fosse muito nobre e louvável em sua terra, tendo desprezado a nobreza da carne, seguiu a nobreza do espírito. E o bem-aventurado Francisco, como muitas vezes acontecia, quase quinze dias antes do Natal do Senhor, mandou que ele fosse chamado e disse-lhe: ‘Se desejas que celebremos, em Greccio, a presente festividade do Senhor, apressa-te e prepara diligentemente as coisas que te digo. Pois quero celebrar a memória daquele Menino que nasceu em Belém e ver de algum modo, com os olhos corporais, os apuros e necessidades da infância dele, como foi reclinado no presépio e como, estando presentes o boi e o burro, foi colocado sobre o feno’. O bom e fiel homem, ouvindo isto, correu mais apressadamente e preparou no predito lugar tudo o que o santo dissera.
E aproximou-se o dia da alegria, chegou o tempo da exultação. Os irmãos foram chamados de muitos lugares; homens e mulheres daquela terra, com ânimos exultantes, preparam, segundo suas possibilidades, velas e tochas para iluminar a noite que com o astro cintilante iluminou todos os dias e anos. Veio finalmente o santo de Deus e, encontrando tudo preparado, viu e alegrou-se. E, de fato, prepara-se o presépio, traz-se o feno, são conduzidos o boi e o burro. Ali se honra a simplicidade, se exalta a pobreza, se elogia a humildade; e de Greccio se fez com que uma nova Belém. Ilumina-se a noite como o dia e torna-se deliciosa para os homens e animais. As pessoas chegam ao novo mistério e alegram-se com novas alegrias. O bosque faz ressoar as vozes, e as rochas respondem aos que se rejubilam. Os irmãos cantam, rendendo os devidos louvores ao Senhor, e toda a noite dança de júbilo. O santo de Deus está de pé diante do presépio, cheio de suspiros, contrito de piedade e transbordante de admirável alegria. ” (Cel 30,4).
Seguindo os passos de São Francisco, os frades franciscanos, todos os anos, repetem de forma simbólica o gesto do criador da Ordem dos Frades Menores, montando os presépios que, de Greccio, passaram a ocupar os lares, as igrejas e outros espaços onde todos desejam anunciar a vinda do Salvador.
Especialmente neste ano, as exposições de presépios estão com temáticas voltadas ao “Cântico das Criaturas”, último momento das celebrações do VIII Centenário Franciscano, iniciado em 2023, com a aprovação da Regra Bulada, o Natal de Greccio e os Estigmas, neste ano de 2024.
De acordo com o texto de Frei Marx Rodrigues dos Reis, publicado na Revista Casa Comum, o “Cântico das Criaturas” é uma obra literária, poética, atemporal e muito relevante para os dias atuais. A composição é um convite de louvor a Deus por todas as suas criaturas, nos levando à conscientização e à reflexão para reconhecer que somos parte da natureza e coautores da Criação, uma ecologia integral. São Francisco reconheceu em toda Criação a fraternidade universal e, consequentemente, a nossa relação não deve ser a de autoridade e/ou superioridade, mas de irmãos e irmãs de toda criatura.”
As exposições das fraternidades são conhecidas entre os fiéis, que aguardam entusiasmados todos os anos por esse momento. Essa tradição começou em meados dos anos 70, com Frei Paulo Limper e Frei Estêvão Ottenbreit. O acervo da Província conta com uma grande coleção de presépios do mundo inteiro que revelam o mistério do Nascimento de Jesus nas mais variadas formas, materiais e técnicas de representação plástica.
Essa maneira original e criativa revela a importância desse momento significativo na vida do cristão. As imagens reforçam o quanto somos pequenos diante da grandeza do Senhor, que nos presenteou com seu Filho amado e mostrou que o amor incondicional está na vida humilde, despojada de riquezas, mas repleta de compaixão, solidariedade e esperança.
O início das exposições dos presépios franciscanos
O Primeiro Domingo do Advento deste ano, 1 de dezembro, marcou o início das celebrações do Natal e a montagem dos presépios. Na Província, a maioria das exposições foram abertas ao público no dia 6 deste mês, permitindo que os fiéis vivam os trinta dias de celebrações até 6 de janeiro, Dia dos Reis Magos e Epifania do Senhor, quando o ciclo litúrgico é encerrado e os presépios são desmontados.
Na Fraternidade Divino Espírito Santo, onde estão o Santuário que leva o mesmo nome e a Paróquia Nossa Senhora do Rosário, em Vila Velha (ES), o presépio foi apresentado à comunidade no dia 1º de dezembro, conforme a tradição.
Na celebração presidida pelo pároco, Frei Vanderlei Neves, um casal acendeu a primeira vela da Coroa do Advento, que neste ano traz a figura do Anjo Gabriel com um pergaminho em suas mãos contendo um trecho do primeiro capítulo do Evangelho de João: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio junto de Deus. Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito. Nele havia a vida, e a vida era a luz dos homens.”
A montagem da decoração de Natal deste ano foi realizada por uma grande equipe, assistida de perto por Frei Clarêncio Neotti, que ficou responsável pela apresentação do projeto.
O Presépio de 2024 faz alusão aos oito centenários que envolvem a figura de São Francisco de Assis: 800 anos do presépio; 800 anos das Chagas de São Francisco; 800 anos da composição do Cântico do Sol, obra-prima da literatura mundial; e 800 anos da morte de São Francisco.
“Para chegar à gruta de Belém, neste ano, você vai passar por cima de um Tau. O Tau tem a forma da nossa letra T. Ele é a última letra do alfabeto hebraico, língua em que foi escrito o Antigo Testamento. Diz o profeta Ezequiel (9,4) que Deus, antes de castigar os maus, mandou assinalar a testa dos bons com a letra Tau. Por isso o Tau passou a ser símbolo da misericórdia divina e da proteção de Deus. São Francisco de Assis adotou o Tau como assinatura. Os Franciscanos têm devoção ao Tau e muitos o levam ao pescoço, para se lembrarem da misericórdia de Deus e do dever de serem misericordiosos. Gravamos em cerâmica um Tau no caminho que leva à gruta. Este Tau nós copiamos de uma janela de um convento franciscano. Traz as duas iniciais SF (São Francisco) e as três cruzes, que significam as três Ordens fundadas por São Francisco. Três ordens fundadas na misericórdia de Deus; três Ordens menores que têm proteção divina na sua missão de irem pelo mundo (por isso o Tau tem duas pernas), levando o Cristo-Misericórdia”, explicou o frade.
Em sua descrição, o frade destacou a intencionalidade de um caminho criado de forma que a comunidade possa viver a experiência da entrega, assim como fez São Francisco de Assis. “Sem passar pelo caminho da misericórdia, você não alcança o Menino de Belém, que é a encarnação da misericórdia divina. A gruta de Belém está diante da fachada da Capela da Porciúncula, uma pequena igreja restaurada por São Francisco, dedicada à Nossa Senhora dos Anjos. Lá São Francisco fundou as três Ordens e consagrou Santa Clara. Naquele lugar sagrado ele pediu ao Papa a graça da Indulgência do Grande Perdão, no dia 2 de agosto. E, nessa capela, São Francisco foi para os braços do Pai. Hoje a Capela da Porciúncula está dentro de uma grande basílica. Continua sendo símbolo do nascimento, símbolo da misericórdia e reconciliação, símbolo do encontro entre o divino e o humano, como o é a gruta de Belém. Revestido de misericórdia no momento em que você passa por cima do Tau, você alcança, diante da Capela da misericórdia, o Menino Deus, encarnação da misericórdia divina, entre duas criaturas, Maria e José, modelos perfeitos da misericórdia humana.”
A representação da gruta de Belém ocupa todo o presbitério, onde também estão 60 presépios, em diferentes estilos artísticos, de muitos países dos cinco continentes, que, segundo o frade, concretizam o verso do Salmo 117: “Nações todas louvai o Senhor, povos do mundo inteiro glorificai-o!”
Na ocasião, todos tiveram acesso a um QR CODE com informações sobre a origem de todos os presépios expostos.
Antes da bênção dos presépios expostos e daqueles levados pelas famílias, foi tecida uma rede com fios de lã coloridos sobre os fiéis, representando os cinco continentes. Foi pedido a todos que segurassem os fios, e a explicação foi a seguinte: “Jesus comparou o Reino de Deus na terra, ou seja, a comunidade cristã (Mt 13,47), a uma rede.” A atividade simbolizou a união da comunidade a partir do nascimento de Jesus. Enquanto a rede era tecida, o coral das crianças cantou: “Nada tenho, nada sou, porém, por teu amor, te peço me emprestes um fio dos teus dons, para ajudar o meu irmão a te encontrar. Serei assim um instrumento de tua paz. Quando o mundo estiver envolvido e encharcado de misericórdia natalina, florirá e frutificará paz”, finalizou Frei Clarêncio.
Natal do Senhor no Convento da Penha
Ainda em Vila Velha, na Fraternidade Nossa Senhora da Penha, os presépios instalados no convento também preparam o povo de Deus para o Natal.
Com o tema “Presépios da Penha – Somos Peregrinos da Esperança”, a exposição, com 10 representações artísticas confeccionadas em diversos materiais e cenários, é uma tradição do local e retrata expressões do Natal de Jesus, por meio de características de lugares como Angola, Itália, Holanda e Brasil.
A abertura ocorreu durante a Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Maria, no dia 8 de dezembro. “Para nós é muito importante realizar uma exposição de presépios, porque foi São Francisco de Assis que o criou em Greccio, na Itália, no ano de 1223, ou seja, esse ano são 801 anos dessa bonita expressão, de representação do Natal do Senhor”, salientou Frei Djalmo Fuck, guardião e reitor do Convento da Penha.
A exposição foi organizada pelo Frei Jorge Lázaro de Souza, que já morou em Marrocos, e contou com a ajuda de voluntários como Marcos Antoniazi, Ailton Tadeu e Penha Zanão.
Frei Jorge destacou a importância de perceber que Cristo nasce para todos. “Com essa exposição, queremos dizer que Deus veio para todos. Ele tanto nos amou que enviou seu Filho para nossa salvação. O Menino Jesus veio para a salvação de todos, todas as línguas, lugares, povos, países, situações.”, disse.
Santuário e Convento São Francisco à espera do Menino Jesus
Em São Paulo (SP), a abertura da 35ª Exposição Franciscana de Presépio, na Fraternidade Franciscana São Francisco, onde estão o Santuário e Convento que levam o mesmo nome do Santo Seráfico, foi no primeiro Domingo do Advento, 1 de dezembro. O tema escolhido para este ano, “800 anos do Cântico das Criaturas”, reuniu no local fiéis que acompanham essa tradição e aqueles que, de alguma forma, sentiram-se tocados pela mística franciscana da espera pela chegada do Menino Jesus.
Realizada pela primeira vez em 1989, a Exposição Franciscana de Presépios do Santuário e Convento São Francisco de Assis traz, a cada edição, peças que revelam o mistério do nascimento de Jesus nas mais variadas formas, materiais e técnicas de representação artística. Ao todo, mais de 900 presépios, vindos de várias partes do Brasil e também de outros países, já fizeram parte da mostra.
Convento Santo Antônio e o Cântico das Criaturas
Desde o dia 6 de dezembro, o Convento Santo Antônio, do Largo da Carioca (RJ), está aberto a todos os filhos e filhas de Deus que queiram visitar a 8ª Exposição Franciscana de Presépios. O objetivo é também celebrar o jubileu franciscano dos 800 anos do Cântico das Criaturas, composto por São Francisco de Assis, datado entre 1224 e 1225, dialogando com a Campanha da Fraternidade da Igreja no Brasil, cujo tema é: “Fraternidade e Ecologia Integral”.
Cada presépio, confeccionado manual ou industrialmente, em sua cenografia aborda a temática do Cântico das Criaturas, direcionando o visitante à contemplação da beleza e ao cuidado da Casa Comum.
A exposição conta com a zelosa curadoria do museólogo Frei Róger Brunorio, que, ao longo do ano, se dedica a buscar presépios para serem expostos nesta ocasião. Por isso, cada edição conta com presépios inéditos; inclusive neste ano, o frade foi em busca de artistas que utilizam variados materiais, incluindo reciclados. Além de obras do Brasil e de diversos países, arte, cultura, espiritualidade e história estão presentes na exposição.
Segundo o frade, a exposição carrega para os franciscanos o compromisso herdado de São Francisco de Assis, que há mais de 800 anos celebrou de forma única, em Greccio, na Itália, o nascimento do Filho de Deus de forma teatral. “Carregamos o título de exposição franciscana de presépios, pois nossa sensibilidade está embutida em cada cenografia, e nesses trabalhos validamos o modo franciscano de pensar e agir”, salientou.
A exposição do Convento Santo Antônio será encerrada no dia 29 de dezembro.
Presépios do Seminário Frei Galvão: trajeto peregrino
No segundo domingo do Advento, a comunidade se reuniu após a Santa Missa, na Fraternidade São José, em Guaratinguetá (SP), onde está o Seminário Frei Galvão, para a bênção e abertura da Exposição Franciscana de Presépios.
Este ano, a montagem dos presépios ficou sob a responsabilidade de Frei Alexandre Rohling e da equipe de manutenção da casa. A pedido da fraternidade local, o tema escolhido foi “Louvado sejas…”, em comemoração aos 800 anos do Cântico das Criaturas. O principal foco é o cuidado com a Casa Comum, destacando especialmente o tópico “Peregrinos da Esperança”.
A sala de exposição tem como cor predominante o azul claro, simbolizando o descanso, o aconchego e o céu. Ao entrar, o visitante se depara com um quadro de São Francisco e as Criaturas, uma réplica de um afresco da Basílica de São Francisco em Assis, Itália. Caminhando entre as obras é possível contemplar dezessete nichos com presépios de diferentes tamanhos, materiais e origens.
Neste ano, alguns espaços cenográficos fazem referência às estrofes do Cântico das Criaturas: o terceiro nicho com a irmã Lua, o quarto com o irmão Fogo, o sexto com a irmã Água, o oitavo com a Mãe Terra e as Flores, o décimo segundo com os bem-aventurados que perdoam e o décimo terceiro com Francisco e as aves.
No primeiro nicho, é celebrada a fartura da terra; no sétimo, o cheiro dos temperos da comida da casa de mãe; e no décimo primeiro, uma mensagem sobre a necessidade de “menos consumo e mais amor”. Além disso, entre os nichos, há diversas curiosidades que só quem visita a exposição pode descobrir.
No acervo artístico da casa, estão catalogadas várias pinturas de Frei Geraldo Roderfeld. Dentre elas, uma coleção de pequenos quadros sobre o Cântico das Criaturas, exposta no refeitório da fraternidade. Em homenagem a este talentoso confrade, está sendo organizada uma exposição póstuma dessas obras.
As apresentações dos presépios na Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil não se limitam aos locais citados neste texto. Esses foram alguns exemplos da grande celebração que é realizada durante o Advento nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina, nesse tempo que esperamos pela vinda de Jesus Cristo, por meio da Mãe Imaculada.
A espera alimenta nossa esperança por dias melhores, sem conflitos, sem dores, com mais compaixão, amor, fraternidade e paz, assim como expressou o Papa Francisco, no último dia 7, quando inaugurou o presépio deste ano na Sala Paulo VI, no Vaticano, em Roma.
“Com lágrimas nos olhos, elevamos nossa oração pela paz. Irmãos e irmãs, chega de guerras, chega de violência! Vocês sabiam que um dos investimentos mais lucrativos é na fábrica de armas? Lucrar por matar… mas por quê? Chega de guerras! Que haja paz em todo o mundo e para todas as pessoas, a quem Deus ama!”, disse o Pontífice.
Adriana Rabelo