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O adeus a Frei Jurandir

31/01/2014

Notícias

jura1São Paulo (SP) – Um dia de muito calor, poucas pessoas nas ruas da capital de São Paulo, sempre tão agitada, no horário das 14 horas. Um silêncio bem-vindo para prestar a última homenagem a Frei Jurandir Cristofolini na Missa de Exéquias. Sem barulho e na paz do Cemitério do Santíssimo Sacramento, a música dava a dimensão do momento: “Te amarei, Senhor, te amarei, Senhor, eu só encontro a paz e alegria bem perto de ti…”.

Confrades, amigos e familiares se reuniram na Capela do cemitério para dar graças a Deus pela vida de Frei Jura e celebrar seu encontro com a irmã morte.

O Ministro Provincial Frei Fidêncio Vanboemmel presidiu a celebração e, em seguida, o corpo de Frei Jurandir foi sepultado no jazigo da Província da Imaculada Conceição, que fica bem ao lado da capela do Santíssimo Sacramento.

Bastante emocionado, Frei Fidêncio contou que conviveu e conheceu bem Frei Jura durante a formação para a vida religiosa e sacerdotal. “Eu conheci o Jura quando nós tínhamos 12 anos de idade. Convivi mais com ele do que com os próprios irmãos de família. Nós entramos juntos no antigo Seminário de Rodeio, onde ali ficamos por quatro meses. Depois inauguramos para o Seminário de Ituporanga e, assim, fomos crescendo, estudando e vivendo nossa vida normal de seminaristas”, recordou.

Segundo Frei Fidêncio, nos estudos, Frei Jura era sempre o mais inteligente da turma. “De fato, ele foi. E sempre se destacou assim entre nós, colegas, como aquele moço discreto, mas por quem todos tinham um respeito muito grande. Falava pouco, mas quando falava, falava com autoridade. Quando terminamos o Ensino Médio em Agudos, em 1973, antes de entrar para o Noviciado, fazemos um pedido por escrito para o Ministro Provincial para ser admitido na Ordem Franciscana. E achamos ontem, no arquivo da Província, a carta dele. O Frei Walter selecionou com maestria, para preparar o Boletim das Comunicações, aquilo que na verdade foi a vida de Frei Jurandir. Por isso, fiz questão de colocar na liturgia de hoje o Evangelho dos discípulos atravessando a tempestade. “…Entre a vida secular e religiosa eu optei por esta. Sei que não é um barco que está afundando  –  isso o senhor nos disse certa ocasião -, e assim eu peço para ajudar a remar”.

Passada a fase de formação, os colegas de turma tornaram-se formadores, como conta o Ministro Provincial. “Nos encontrávamos na liturgia, na formação, nas reuniões da Província. Muitas vezes, diante das nossas dificuldades humanas, ele tinha umas tiradas com muita sabedoria.  Ele era muito perspicaz. Dizia poucas palavras, mas nas poucas palavras ele dizia tudo”, confessou Frei Fidêncio.

Outra característica da vida de Frei Jura, o Ministro Provincial lembrou do tempo de Noviciado. “Terminando o retiro para a Primeira Profissão, Frei Basílio Prim, de saudosa memória, praticamente bateu na tecla durante todos os dias de retiro: “É preciso aprender a fazer do cotidiano o extraordinário de cada dia”. Acho que esse retiro nos marcou e, muitas vezes, lembrávamos desta frase de Frei Basílio. Acho que Frei Jura se caracterizou exatamente por isso. Viver de uma forma simples o cotidiano da vida fraterna. Isso ele foi. Foi sempre caseiro. Até demais, diria! Não gostava de viajar, dizia ele”, continua Frei Fidêncio, ressaltando que a vida fraterna era um ponto essencial para Frei Jura, que dizia: “Para mim, a vida religiosa franciscana deveria gerar irmãos com uma qualidade tal que o conviver viesse a se transformar na grande alegria dos confrades”.

Segundo Frei Fidêncio, Frei Jura também não gostava de transferências. “Isso o fazia sofrer. Porque, com aquele jeito manso dele de se aproximar das pessoas, talvez diríamos mineiramente,  se apegava de coração às pessoas com as quais convivia: frades, leigos, amigos, família”, observou, fechando o seu depoimento com emoção: “Ele não gostava de transferências e a última que estava preparada para Frei Jurandir foi demorada. Foi o caminho da cruz, caminho da dor, porque, creio eu, para o Jura, foi extremamente difícil dizer adeus. Dizer adeus para nós frades, para a família, para os amigos. Mas, certamente, neste tempo de provação Frei Jura aprendeu a aceitar definitivamente o que Deus tinha preparado para ele”, completou.

Frei Régis Daher, que reside na Fraternidade de Bragança Paulista, também deu seu depoimento e contou que conviveu com Frei Jura em três fraternidades: Rondinha, São Paulo e Bragança. “Nestas três situações diferentes, aprendi a admirar Frei Jura na sua simplicidade. Ele se contentava com muito pouco. Tinha hábitos muito sóbrios. Não queria nada para si. Sua rotina era sábia. Ele descobriu cedo essa modéstia, essa sobriedade, no comer, no vestir e no agir”, ressaltou. Para Frei Régis, sua timidez era entendida como profundidade. “Ele pensava muito antes de falar, o que falta muito hoje em dia. Talvez por isso as palavras de Frei Jura tinham um peso muito grande quando ele abria a boca. Os provinciais e frades com quem convivi diziam: ‘Quando o Jura abre a boca é bom prestar bem atenção!'”, disse Frei Régis. “Frei Jura não era de ficar levando lamúrias e problemas para os confrades. Isso teve um preço, principalmente tendo em vista os problemas para quem tem uma função administrativa”, observou Frei Régis, lembrando o número de funcionários presentes na Missa de Exéquias para o último adeus a Frei Jura. Frei Agostinho Piccolo, também da Fraternidade de Bragança, destacou a alegria, transparência e entrega de Frei Jura.

Pela família, a irmã Ana Adair, que também é religiosa, disse que Frei Jura viveu “com tanta intensidade a sua vida que ela se tornou mais curta. Ele deu tudo de si quando foi formador, em outros trabalhos e na última missão dele como ecônomo”, avaliou.

“Essa intensidade brotou porque o coração dele era enorme. Ele viveu com amor, ele se dedicou a cada frade, a cada irmão e a cada pessoa que trabalhou com ele”, emocionou-se, agradecendo: “Quero deixar aqui o meu agradecimento a Frei Fidêncio e a todos os frades por tudo aquilo que vocês significaram para ele”.

Frei Jurandir faleceu na sexta-feira (31/01) , às 20h15, e seu corpo foi velado na Fraternidade de Bragança Paulista até hoje (sábado), por volta das 11h00, quando foi transladado para São Paulo. Pelos últimos boletins sobre a saúde de Frei Jurandir, escritos por Frei Régis Daher, não resta muito o que dizer sobre a causa mortis de nosso confrade.

O FRADE MENOR

image007Em carta de 1º de outubro de 1973, dirigida ao então Ministro Provincial Frei Walter Kempf, pedindo para receber o hábito franciscano, ao iniciar o Noviciado em Rodeio, Frei Jurandir, bem ao final, escreve: “Não tenho certeza absoluta que vou ser padre franciscano, mas, no momento, quero pedir ao senhor a permissão para me tornar um religioso franciscano. Chegou a hora de dar um passo bastante importante. Entre a vida secular e religiosa eu optei por esta. Sei que não é um barco que está afundando – isso o senhor nos disse certa ocasião -, e assim eu peço para ajudar a remar”.

Hoje Frei Jura não rema mais no barco da Vida Franciscana entre nós. Mergulhou no mar infinito do amor de Deus. Mas o passo que ele deu ao ingressar no Noviciado foi de fato muito importante. Nestes anos todos, ele nos ajudou a remar o barco de nossa vida, como irmão, como amigo. Certamente, o jovem Jurandir não poderia imaginar que as águas dos seus últimos 7 anos de vida seriam remadas numa cama de hospital, sem praticamente comunicação alguma, sem fala, sem gestos, porém, com muitos períodos de gritos, de dores e desconfortos.

Pensando no que São Paulo nos ensina ao afirmar que “completamos em nossa carne o que falta aos sofrimentos de Cristo” temos necessariamente que reconhecer o quanto Frei Jura participou desse sofrimento, e se a morte de Jesus foi vicária, o calvário de Frei Jura também o foi para nós.

Frei Jura caprichou bastante ao escrever o seu Curriculum Vitae, e fez o que não era muito de seu feitio: falar de si mesmo, mas o fez com precisão impressionante:
“Não há muito a dizer de mim mesmo. Eu me sinto uma pessoa de poucas palavras, mas direto e sincero no que digo e faço. Gostaria que a vida e a convivência fosse a festa de todos os dias, marcada pelas exigências e necessidades diárias e comuns, onde as pessoas fossem convivendo sem que fosse necessária a criação do artificial que nos desse a sensação de que somos irmãos. Gosto de ordem e evidência no que faço. Sou um tanto metódico na maneira de trabalhar e organizar o meu dia. Não gosto, de maneira geral, do improviso. Em relação às pessoas, sou daqueles que me aproximo devagar, aos poucos. Da mesma forma como não permito que me invadam num primeiro encontro. Existe, sim, um bocado de timidez, certa insegurança. Demoro a me sentir em casa, quando longe da minha. Na verdade, acho que sou de uma casa só. Sempre gostei de estar em casa. Viajar é sempre um sofrimento”.

Aos quarenta e cinco anos de idade, referindo-se ao trabalho, Frei Jura afirma ter dificuldade em comentar sobre isso. “Olhando para trás, não vejo qualquer coisa a destacar como marcante. Terei vivido tão mediocramente que não sobre nada até aqui? Possivelmente minha vida seja marcada pela busca de todos os dias pelo que está por vir, pelo que está à frente, pelo que está por ser alcançado. O dia que passou, a conquista realizada, padecem da injustiça de serem passado. É evidente que hoje sou tudo o que consegui realizar até aqui. Mas tudo de tal forma integrado que a luz recai sempre no que sou. E o que sou tem sempre presente o que posso vir a ser. (…) Dos trabalhos e atividades realizadas até aqui posso dizer que toda transferência, até agora, me fez sofrer muito. Sofri em todas elas por ter de deixar uma casa, confrades, trabalho e pessoas de quem eu gostava. É bom poder dizer que se têm saudades do Pari, de Ituporanga, de Rondinha e de Agudos”.

Embora tímido e geralmente reservado, Frei Jurandir revela o quanto era importante para ele a fraternidade, e o que dela esperava como ideal. “Para mim a vida religiosa franciscana deveria gerar irmãos com uma qualidade tal que o conviver viesse a se transformar na grande alegria dos confrades”.

Nos últimos anos, tivemos uma presença diferente de Frei Jurandir entre nós. Não aquela que estávamos acostumados a ter, e de que temos saudades: aquela de remar juntos na simplicidade do dia a dia, do trabalho e das alegrias corriqueiras. Mas, ela era eloquente, questionadora sobra a vida e seu sentido. Mergulhado em Deus, ele possa interceder pelo nosso barco e pelas forças de que precisamos para continuar remando. E que a plenitude do mar seja toda sua paz e alegria!

Dados pessoais, formação e atividades

  • Nascimento: 19/11/1953 (60 anos de idade), em Rodeio, SC;
  • Admissão ao Noviciado: 20.01.1974, em Rodeio, SC;
  • Primeira Profissão: 20.01.1975 (39 anos de Vida Franciscana);
  • Profissão Solene: 02.08.1978;
  • Ordenação Presbiteral: 15.01.1980 (34 anos de Sacerdócio);
  • 12.12.1980 – São Paulo – Pari – vigário cooperador;
  • 29.08.1981 – Ituporanga – seminário – professor e orientador;
  • 21.01.1989 – Rondinha – vice-mestre;
  • 18.01.1992 – guardião e vice-reitor do Instituto de Filosofia;
  • 10.01.1995 – Agudos – guardião;
  • 21.09.1997 – eleito Definidor Provincial;
  • 30.11.1997 – São Paulo – Provincialado – ecônomo da Província, secretário do Secretariado da Administração dos Bens;
  • 16.09.2000 – eleito Vigário Provincial;
  • 20.09.2003 – reeleito Definidor Provincial;
  • 07.11.2003 – São Paulo – Vila Clementino – guardião, ecônomo provincial e Secretário do Seabens;
  • 04.08.2005 – Presidente da Casa Nossa Senhora da Paz;
  • 28.09.2006 – sofreu parada cardíaca e AVC isquêmico, com graves sequelas;
  • 25.11.2008 – Bragança Paulista – para cuidados constantes de enfermagem;

R.I.P.
Frei Walter de Carvalho Júnior