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Entrevista: Dom Hilário Moser

18/11/2011

Entrevistas

 
Dom Hilário Moser
Catarinense de Rio dos Cedros, Dom Hilário Moser nasceu em 2/12/1931. Neste ano completa 52 anos de sacerdócio e 22 como bispo. Doutor em Teologia Dogmática pela Pontifícia Universidade Salesiana de Roma, lecionou por muitos anos no Instituto Teológico Pio XI, em São Paulo. Foi inspetor da Inspetoria Salesiana de São Paulo antes de ser nomeado bispo. Como bispo, foi membro da Comissão Episcopal de Doutrina da CNBB. Tem vários livros publicados, entre os quais “Caminhando com Maria” e “O sacramento do Matrimônio: guia prático em perguntas e respostas”. Atualmente, Dom Hilário Moser mora na comunidade salesiana de São José dos Campos, que é responsável pela Paróquia Sagrada Família.

20 de novembro de 1988
Bispo auxiliar da arquidiocese de Olinda e Recife

27 de maio de 1992
Bispo da diocese de Tubarão

15 de junho de 2004
Bispo emérito da diocese de Tubarão

A Catedral Diocesana Nossa Senhora da Piedade, em Tubarão (SC), vai testemunhar no próximo dia 1º de maio, às 16 horas, um momento histórico, quando estarão frente a frente o bispo e o coroinha: o bispo é Dom Hilário Moser, da Congregação dos Salesianos de Dom Bosco, e o coroinha é Alvaci Mendes da Luz. Velhos amigos, eles se encontram depois de muitos anos no altar da catedral para a ordenação presbiteral do agora frade franciscano Frei Alvaci.

Antes deste momento, fomos conhecer um pouco da história do bispo ordenante.

Por Moacir Beggo

Site Franciscanos – Muitos internautas não sabem o que é ser bispo emérito. O Sr. pode falar sobre isso?
Dom Hilário Moser – Em primeiro lugar, penso que ser bispo emérito não é uma situação muito agradável. Entreguei a diocese dois anos antes de completar a idade canônica, por motivos de saúde. A passagem desta fase para a emeritude, se é que existe esta palavra, foi para mim muito difícil. Não por apego ao cargo. Se fosse pelo cargo, eu teria ficado no meu posto até os 75 anos. Veja bem: da noite para o dia, você entrega todas as responsabilidades e sua vida fica vazia de trabalhos específicos. Por trás desse acontecimento, é como se estivesse escrito: “Agora vire-se…. Vá para onde quiser; faça o que quiser”. De repente, você é um homem sem trabalho. E habituado a tantos trabalhos ao longo da vida, a tantas responsabilidades,  nesse momento, você fica no ar, perdido. Aí aparecem as perguntas: “E agora, o que vou fazer? Para onde vou? Fico na diocese, saio da diocese, volto para a Congregação, vou trabalhar numa paróquia, fico num escritório?” E assim por diante. Fiquei nove meses numa paróquia a uns 30 quilômetros de Tubarão, em São Ludgero, mas ali também não pude colaborar como seria desejável por causa da saúde debilitada. Não me senti bem e acabei voltando para a minha Congregação. Embora seja natural de Santa Catarina, pertenço à Província de São Paulo. De acordo com o Provincial, fiquei dois anos na Editora Salesiana, na Mooca; em seguida, me transferi para a Casa Provincial; passados mais dois anos, o Provincial me perguntou se estava disposto a vir para São José dos Campos: aqui estou desde agosto de 2009.

Site Franciscanos – O que faz um bispo emérito?
Dom Hilário – O que o bispo emérito sabe fazer quando a idade chega? De preferência, o que ele fez na juventude. Ora, na juventude, fui sempre professor de teologia dogmática no Instituto Teológico Pio XI, no Alto da Lapa (SP): ali lecionei Teologia por quase 20 anos. Na minha vida, também, quase sempre fui formador; até mesmo durante meus três anos e meio de bispo auxiliar de Olinda e Recife, durante dois deles, a pedido do arcebispo, fui reitor do seminário de Teologia. Sendo assim a vida, aqui em São José dos Campos, concretamente, divido o meu tempo entre o escritório (escrevo, traduzo, mantenho um blog de evangelização), depois ajudo nas confissões, nas missas, em algumas palestras, em uma ou outra crisma cá e lá, e assim por diante. Conclusão: para mim, a passagem de bispo diocesano para bispo emérito foi difícil; demorei a encontrar um caminho que desse sentido concreto à minha vida. Creio que isso não aconteceu só comigo; pergunte-se a outros  bispos eméritos…

Frei Régis – Nossos bispos também dizem o mesmo. Dom Pascásio trabalhou num leprosário.
Dom Hilário – Eu comparo o bispo emérito a um pai de família que se aposenta e perde o emprego. Frequentemente, o homem, mais que a mulher, depois de alguns anos, ele parte deste mundo, porque sua vida ficou muito vazia… O ser humano foi posto no mundo para trabalhar.

Site Franciscanos – Por que o Sr. escolheu ser salesiano?
Dom Hilário – Para a honra da Ordem Franciscana, bem criança, eu queria ser franciscano.

Frei Régis – O Sr. é lá de Rodeio (SC), onde existe o Noviciado desta Província da Imaculada Conceição?
Dom Hilário – A minha família é de Rodeio. Eu sou o único que nasceu em Rio dos Cedros, que fica a 30 quilômetros dali. Quando, com meus pais, vinha a Rodeio visitar meus tios, via aqueles frades com o hábito marrom. Muitas vezes vi o Frei Bruno (Linden) (não sei por que vocês não o canonizam…), caminhando ao sol, naquelas estradas cheias de pedras e pó, com aquela sandália franciscana. Por isso, queria ser franciscano. Mas eu era coroinha na minha paróquia salesiana e, devagarinho, fui entrando no caminho salesiano, onde Dom Bosco me pegou. Hoje, já faz mais de 60 anos que professei na Congregação. Estou muito contente e espero ir até o fim com Dom Bosco. Mas sou muito amigo de São Francisco e de seus frades!

Site Franciscanos – Como foram os anos no episcopado?
Dom Hilário – Fui Provincial da Província de São Paulo e, terminando meu tempo,  escrevi ao Superior Geral, pedindo para trabalhar em Angola, porque durante o meu tempo de Provincial – seis anos – é que os salesianos entraram em Angola. Todo ano eu ia lá e me encantei com aquilo. Mas o Reitor-Mor leu a carta e disse: “Olhe, recebi a sua carta, mas para você tenho outra obediência. Venha para Roma para ser diretor de um Seminário Teológico Internacional de estudantes de Teologia da Congregação que frequentam a nossa universidade”. Em 1988, eu já estava no segundo ano de mandato, quando de repente fui nomeado bispo auxiliar de  Olinda e Recife. Nunca tinha estado no Recife, nunca tinha visto Dom José Cardoso, o arcebispo;  acabei indo para lá, junto com Dom João Evangelistas Martins Terra, jesuíta, também nomeado para auxiliar do Recife.  Fomos ordenados em São Paulo, juntos, e em dezembro de 88 fomos apresentados à Igreja local de Olinda e Recife. Lá fiquei três anos e meio: Vigário geral, Reitor do Seminário, etc. Foi uma experiência bastante pesada, até mesmo dolorosa. Em 1992, veio a nomeação para bispo diocesano de Tubarão, onde fiquei 12 anos, de 92 a 2004. Os últimos três anos foram muito difíceis; uma série de problemas delicados que prejudicaram bastante minha saúde. Pedi um bispo coadjutor, que me foi prometido. Esperei por dois anos, não veio; então, achei melhor renunciar de vez. o Núncio aceitou.

Site Franciscanos – Por que escolheu evangelizar pela internet. Como o sr. lida com as novas mídias?
Dom Hilário – Um momentinho. Lidar com as mídias eu não sei muito. Sei usar o computador para escrever textos, receber e mandar e-mails, pesquisar na internet e… pára aí a minha sabedoria. A idéia de ter um blog pessoal é antiga. Quando comecei a pensar: “O que vou fazer quando for bispo emérito?”, já me martelava na cabeça a vontade de criar um blog. Dado que sempre lecionei Teologia (nunca me considerei um teólogo com T maiúsculo, mas um simples catequista, uma coisa assim…), pensei comigo: “Que tal um blog para evangelizar?” Demorei para tomar a decisão, não sabendo bem como alimentar o blog, etc. Entretanto, no segundo semestre do ano passado, com a ajuda de um dos nossos seminaristas da Filosofia, em poucas horas estava montado o blog: a primeira postagem entrou em circulação no dia 5 de novembro. Não se trata de um blog como a maioria dos que conhecemos.  Eu quero evangelizar, incentivar a espiritualidade, a vida cristã. Então, é um blog de pensamento e vida. As postagens são meio longas e procuram seguir certa ordem, de tal modo que, mais ou menos, dê para formar uma espécie de manual de cunho cristão. Estou para terminar esta parte com a próxima postagem. Em seguida espero publicar uma série de postagens sobre discernimento vocacional, sobretudo para jovens. De vez em quando, publico alguma postagem sobre acontecimentos importantes, que não é possível desconhecer. No futuro, vamos ver o que Deus inspira…

Site Franciscanos – O sr. tem o alcance do blog.
Dom Hilário – Tenho. Um mapinha me mostra diariamente por onde andam os leitores: um ou outro na Europa, na África, nos Estados Unidos, mas sobretudo no Brasil e na América Lastina. Seguidores fixos são cerca de 50; tenho certeza de que aumentarão. (Quer acessar meu blog? www.domhilario.blogspot.com). Pronto.

Site Franciscanos – Entre os seus livros publicados está um que faz o questionamento: “Concílio Vaticano II. Você conhece?” Como nasceu e por que este livro?
Dom Hilário – Não é bem um livro. É um “pequeno livro”… Nasceu por ocasião dos 40 anos do Concílio Vaticano II. Não foi idéia minha, mas de Dom Manuel Francisco, bispo de Chapecó, SC. Ele pediu se eu podia fazer uma síntese dos documentos do Concílio Vaticano II, dado que o grosso volume do texto original são poucos os que têm acesso a ele. Dom Manuel colaborou com os dois primeiros documentos sintetizados. Parece que teve boa aceitação, particularmente para padres, seminaristas e leigos que nasceram na última parte do século passado. É um trabalho simples, mas tem sua utilidade.

Frei Régis – O Sr. viveu essa transição. Poderia fazer uma avaliação rápida de como viu e viveu este momento?
Dom Hilário – Eu me ordenei em 1958, dia 15 de agosto, e já em setembro segui para a Itália. Fui fazer a Faculdade de Teologia, que naquele tempo era em Turim e só depois passou para Roma.  Ali fiz a minha licenciatura e tese em Teologia Dogmática; vim para o Brasil em janeiro de 1962. Foi quando o papa João XXIII convocou o Concílio Vaticano II. Em 62, comecei a lecionar. Lecionei três anos para o 1º, em seguida passei a lecionar para as demais classes de Teologia (2º, 3º e 4º ano, juntos). Senti com clareza o golpe do Concílio. Não se dispunha de informações muito detalhadas; os jornais traziam alguma notícia, nada, porém, de concreto. O que mais criou dificuldades foi a mentalidade que, aos poucos, se difundiu de que tudo o que era anterior ao Concílio perdera a validade. Todos ficamos meio perdidos e nos questionando se era mesmo assim. Maior segurança surgiu dentro de mim por ocasião da visita do papa Paulo VI a Bogotá; após ouvir um seu discurso, pensei comigo: “Mas é precisamente isto que eu creio e penso”. Por outro lado, do ponto de vista do magistério da Teologia, tive a sorte de receber, por acaso, as apostilas das aulas de um teólogo salesiano de Lião, P. José Aubry. Era um homem atualizado e estava em dia com o que o Concílio, aos poucos, ia elaborando. Aquelas apostilas, de fundo nitidamente bíblico, bem diferentes dos manuais de Teologia que estavam em uso, foram, digamos, minha “salvação” como professor. Deram-me muito trabalho, pois tinha que traduzi-las diariamente e mimeografá-las pacientemente (não havia ainda o xerox). Para os alunos foi ótimo; pudemos constatar como, dessa forma, conseguíamos estar em sintonia com a Teologia do Concílio; evidentemente, na medida em que isso era possível, mas já era um avanço. Do ponto de vista da vida religiosa e comunitária, tivemos sérias crises no Instituto Pio XI. Com calma, paciência e boa dose de sofrimento, conseguimos continuar a navegar, enquanto outros institutos de Teologia e seminários fecharam as portas. Em 75, vários anos após o Concílio, as coisas se tornaram mais serenas. Aqui haveria muitos episódios a contar – alguns dolorosos até – mas é preferível deixar que os mortos enterrem seus mortos.

Site Franciscanos – Sabemos que D. Luciano Mendes foi o bispo concelebrante na sua ordenação episcopal. O Sr. o conheceu?
Dom Hilário – Na época, ele era presidente da Conferência Nacional dos Bispos. Pessoalmente, eu o conheci quando ele era provincial dos Jesuítas. Foi num retiro mensal, sendo eu diretor do Pio XI, e o chamamos para fazer uma palestra para a comunidade. Daí para frente, sempre tive um certo contato; em seguida, como bispo, mais ainda. Dom Luciano, em primeiro lugar, era um verdadeiro santo; tanto que estão pensando em introduzir a causa da beatificação.Tinha um coração boníssimo. Era um homem de oração. Deve ter sofrido muitíssimo por causa do acidente de carro que o levou a submeter-se a uma dúzia de cirurgias…Sofreu muito, fez muita penitência, por isso. Dom Luciano era conhecido também pela acolhida que dava aos pobres. Muito inteligente, tinha grande capacidade de síntese. Na prática, em 1992, ele salvou o documento de Santo Domingo (de cuja assembléia participei, até hoje não sei por qual razão). A assembléia parecia não encontrar um caminho de saída após vários dias de tentativas. A salva de palmas que Dom Luciano recebeu após apresentar seu plano de documento mostrou como ele foi o homem da Providência naquele momento..

Site Franciscanos – Como o sr. conheceu Frei Alvaci?
Dom Hilário – Conheci o Alvaci na sacristia da catedral de Tubarão, vestido de coroinha. (Dom Hilário pergunta para Frei Alvaci: em 92 você já era coroinha? Ele responde: “Entrei no seminário em 96, creio que sim”). Se eu soubesse desenhar, faria o desenho dele naquela sacristia. Foi uma grande alegria tê-lo entre os coroinhas. Depois, foi para o Seminário, mas a vocação dele era mesmo franciscana. Nunca coloquei dificuldade – não é Alvaci? – para ir por esse caminho. Depois, sempre o acompanhei, um pouco de longe, mas sempre o acompanhei. Uma vez visitei-o em Rondinha, PR; em Petrópolis, de longe, acompanhei toda a sua Teologia. Agora, finalmente, está chegando o Presbiterado: feliz ele, feliz eu!.

Frei Alvaci – Rodeio também…
Dom Hilário – Ah sim, estive visitando o Alvaci no noviciado de Rodeio. E, asssim, o acompanhei ao longo de todos esses anos. Como ele sempre disse: “É o senhor quem vai me ordenar”, aqui estou, graças a Deus, para conferir-lhe o Presbiterato.

Site Franciscanos – O sr. ficou feliz com o convite de Frei Alvaci?
Dom Hilário – Muito! Não tenho palavras para expressar a alegria de ordenar o Alvaci. Sempre considerei o Alvaci como “um anjo que escorregou de alguma nuvem”. Sempre o vi como um menino de ouro (acredito que ainda o é). É um ótimo religioso e vai fazer um grande bem na vida. Oxalá seja o futuro bispo de Tubarão!… (risos)

Site Franciscanos – Fala-se hoje em “crise” vocacional na Igreja, sobretudo entre os religiosos. Como o Sr. avalia esta situação? É real?
Dom Hilário – Sem dúvida esta crise existe. A resposta para explicar esta crise não é assim tão simples. Mas em boa parte, penso, ela se deve a essa ideia que entrou depois do Vaticano II de que tudo estava terminado, “agora é tudo novo”, assim por diante. Em segundo lugar, um forte influxo da cultura atual. E de maneira particular, acho que falta o testemunho das comunidades religiosas. Eu estou convencido disso. Falar é muito bom, rezar também é importantíssimo, mas a vontade de ser religioso surge quando os jovens vêem os religiosos numa comunidade em que todos se querem bem, que se doam uns aos outros. Nosso Superior Geral fez uma afirmação que deve ser bem entendida. Ou seja, que nem deveria ser preciso haver uma pastoral vocacional repleta de estruturas, pois as vocações deveriam brotar das nossas comunidades, só de ver como elas vivem. Então, tenho a impressão de que a vida religiosa baixou um pouco de tom em termos de consagração e vivência espiritual: espírito religioso, votos, observâncias das regras… tudo mais ou menos, etc.

Site Franciscanos – Por outro lado, sabe-se que as Novas Comunidades de Vida estão substituindo o lugar antes ocupado pelos religiosos e pelos movimentos de Igreja. Para estes, parece que a crise não chegou. Como o Sr. avalia?
Dom Hilário – Concordo com isso. Não concordo com outra questão que alguém levantou ao afirmar que as Ordens e Congregações estão com os dias contados. O Espírito Santo está sempre agindo na Igreja e as Ordens antigas e Congregações sempre se justificam (desde que procurem viver de forma autêntica), apesar de passarem por esta dificuldade. Agora, estão surgindo, como cogumelos, Novas Comunidades. É preciso esperar o tempo para ver a peneirada que o Espírito Santo vai fazer. Porque não é tudo que estamos vendo que vai permanecer. E depois também essas novas comunidades terão as suas crises, porque uma Ordem, uma Congregação, depois que morreu o fundador e passados mais ou menos cem anos de existência, facilmente entra em crise; porque tem que se adaptar aos tempos novos, mantendo a continuidade, assim por diante. Na história da Igreja, os frades sabem muito bem disso, toda vez que surgiu um movimento ou grupo espiritualista que não quis aceitar as diretrizes dos pastores da Igreja,  acabou beirando a heresia ou o cisma. Não foi por nada que o Filho se encarnou e entregou toda a sua missão e seus poderes à Igreja feita de santos e pecadores. São Francisco sabia disso muito bem.

Site Franciscanos – Comenta-se entre os religiosos que esta crise vocacional não atingiu os Salesianos, ao menos com a mesma intensidade de outras congregações e ordens. É um fato que o Sr. confirma e há alguma explicação neste sentido?   
Dom Hilário – Como todos, nós também tivemos nossas crises. Falo em termos de Congregação. Depois do Concílio, a nossa Congregação, aos poucos, perdeu um bom número, cerca de 5 mil membros. Chegamos a ser 22 mil e hoje somos 17 mil. De certa forma, foi uma purificação da Congregação, embora tenham saído pessoas das quais não se esperava essa atitude. Não estivemos tão isentos, portanto.  Nesse momento, no Aspirantado, em Piracicaba, temos em torno de 15-20 candidatos (entre aspirantado propriamente dito e propedêutico). Em Lorena, no Pré-noviciado, temos também entre 15-20; no Noviciado, 6; na Filosofia, 8 e na Teologia, parece-me que 9. Ordenamos, em média, 2 ou 3 padres por ano, nem sempre, porém. Depois, temos o problema dos Irmãos. É uma vocação religiosa como qualquer outra, mas é uma vocação difícil de promover, creio que em boa parte por razões de ordem cultural: no Brasil, ir para o seminário significa ser padre… Apesar disso temos diversos Irmãos jovens e também candidatos.

Site Franciscanos – Em se tratando de liturgia, como o Sr. vê as missas que se tornaram “verdadeiros shows” na TV?
Dom Hilário – Na missa, o padre deve se esconder atrás de Cristo. Deve mostrar Cristo, não a si mesmo como “showman”. Sei que às vezes é necessário que haja missas multitudinárias, mas certas missas me parecem demasiadamente shows, mais do que celebração eucarística. O modo de falar, de cantar, de celebrar, gesticular… há tanta aparência de vaidade no ar… Não sei… Eu procuro espelhar-me no Santo Padre, que reza missa com devoção e recolhimento. Acho que é isso que o povo quer ver no padre. Agora, reconheço que as missas precisam ser animadas, fazer o povo participar mais… Julgo, porém, que é fundamental fazer com que o povo compreenda, de certa maneira, “sinta” a presença de Jesus Cristo que reza conosco. Depois de certas missas em que se ouviu uma música barulhenta, se cantou, gesticulou, bateu palmas não sei quantas vezes, pergunto: houve tempo para interiorizar alguma coisa, interiorizar a palavra? Em todo caso, quero crer que o Espírito Santo se sirva até mesmo disso para tocar alguns corações. Quem sabe eu seja muito pessimista…

Frei Régis – Há uma poetisa mineira, Adélia Prado, ligada à Ordem Franciscana porque o irmão dela era frade e ela é da Ordem Franciscana Secular, numa palestra em Aparecida disse que em algumas situações depois que sai da missa, ela tem que procurar um lugar para rezar.
Dom Hilário – É… Já tive que viver experiências em que se fez de tudo na missa, menos “rezar”… Quando a celebração litúrgica se corrompe, abre-se a porta para outros abusos em outros setores importantes da vida da Igreja: observação do outrora Cardeal Ratzinger. A crise, às vezes, começa na liturgia. O padre que se permite fazer isso ou fazer aquilo à vontade, depois vai se permitir outras liberdades também na moral, na doutrina, na obediência… Penso que o que anda faltando é formação litúrgica autêntica e aprofundamento na espiritualidade. Sem isso, será difícil entender bem o que significa celebrar a Eucaristia.

Frei Régis – É o que diz o atual Papa: reduziram a fé a uma conveniência. Pegam apenas aquilo que interessa.
Dom Hilário – Outro dia li um artigo que dizia assim: na liturgia, em vez de centralizar a atenção na presença de Jesus, que age, que fala, e se dá como alimento, às vezes, concentra-se sociologicamente a atenção na comunidade. Sem dúvida, o centro deve ser Jesus e a comunidade alimentar-se de sua Palavra e de seu Corpo e Sangue, não o contrário.

Site Franciscanos – Qual o significado deste momento: a ordenação presbiteral, tão importante para um religioso?
Dom Hilário – Muito grande e muito bonita. O religioso é uma pessoa que se consagrou e se entregou; que se consagrou a Deus e que foi consagrado por Deus. E agora, no momento em que ele recebe o presbiterato, existe um outro tipo de consagração. Pela ação do Espírito Santo, através da imposição das mãos do bispo e da na oração consacratória, o Espírito Santo transforma o coração desse religioso consagrado no coração do Bom Pastor. Como religioso, já era servo; como presbítero, adquire essa dimensão de servidor segundo o modelo do Bom Pastor, que é Jesus. Neste mundo, em termos de consagração, não poderia haver coisa maior. A vida religiosa é o desabrochar do batismo; o sacerdócio, o presbiterato é um ministério, um serviço que o próprio Jesus confia a determinada pessoa para que ela possa servir, anunciar a palavra, santificar, congregar na unidade. Isso é o fundamental.

Site Franciscanos –  Vemos nos seus livros o predomínio dos temas relacionados à catequese. Como está a catequese na Igreja?
Dom Hilário – Dizer: na Igreja, eu não saberia bem, mas no nosso Brasil, eu não vejo com um olhar muito otimista. Vejo falta de solidez, uma catequese muito diluída, de conteúdo fraco. Aumenta cada vez mais a ignorância religiosa. Verdade que a sociedade, por outros meios, influencia também. Isso faz com que essa ignorância religiosa abra a porta para grupos religiosos de todo tipo, para uma religião barata – barata que depois custa caro em dinheiro… Eu acho que a catequese, tanto das crianças como dos adultos, deveria ser uma coisa mais sólida, consistente. Acrescento que nas paróquias está havendo uma multiplicidade um pouco exagerada de pastorais. Julgo que se deveria dar prioridade às crianças, aos jovens, à família, à catequese e à formação de líderes leigos: seria fundamental investir nesse leque de iniciativas, do contrário dispersam-se muito as forças.

Site Franciscanos – Quantos livros o Sr. tem publicado?
Dom Hilário – Não chame de livros, são opúsculos. Eu publiquei no passado um, que estou refazendo agora para uma nova edição: “Caminhando com Maria”, de espiritualidade mariana. Depois vieram outros: sobre o Vaticano II; os Sacramentos, em perguntas e respostas; os Mandamentos, também em perguntas e respostas; o Matrimônio, com uma introdução teológica e depois a parte jurídica, para ajudar os párocos a elaborar o processo matrimonial. E alguma coisa mais. Coisa pouca e pequena. Já disse que não sou teólogo com T maiúsculo.

Site Franciscanos – Por último, gostaríamos que deixasse uma mensagem vocacional.
Dom Hilário – Sobre vocação, resumiria quase tudo naquelas palavras de Paulo VI, ao dizer que, no campo vocacional é fundamental rezar, convidar e acompanhar. Em termos de pastoral vocacional, Jesus fez tudo isso. Rezou, convidou os apóstolos e os acompanhou na formação; e mandou rezar pelas vocações. Eu acrescentaria ainda: um discernimento muito apurado. Todos esses escândalos de que se fala no momento, muitos deles são certamente fruto de um discernimento falho e de uma formação que deixou a desejar. Finalmente, dou importância fundamental, quando se trata de religiosos, ao testemunho da comunidade religiosa. É muito importante também, de modo geral (há belíssimas exceções), que as vocações brotem da convivência em uma comunidade cristã. O Espírito Santo pode servir-se também de outras iniciativas, claro. Julgo, porém, que é fundamental a pessoa estar inserida na sua comunidade, em algum trabalho pastoral, catequese, trabalho social, seja lá o que for. Assim, o jovem é conhecido, é acompanhado, e dá mais segurança àqueles que devem formá-lo. Penso que esses pontos que mencionei são realmente importantes. Valem para os religiosos e também para o clero diocesano.