Dom Johannes pede conversão baseada na sinodalidade
12/11/2019
Frei Augusto Luiz Gabriel
Petrópolis (RJ) – “Como franciscanos, talvez esse seja o maior desafio: novos caminhos de conversão pastoral. Devemos traçar novos caminhos de evangelização, mas que devem ser construídos a partir de um diálogo”. Foi o que disse o bispo franciscano Dom Bernardo Johannes Bahmann, da Diocese de Óbidos, no Pará, no segundo dia do Simpósio sobre o Sínodo para a Amazônia no Instituto Teológico Franciscano (ITF), de Petrópolis (RJ), nesta terça-feira, 12 de novembro. No primeiro dia, Dom Evaristo Spengler, bispo franciscano da Prelazia do Marajó, falou no Simpósio.
Logo no início da manhã, Frei Fábio César Gomes, professor de Teologia Espiritual do ITF, apresentou o palestrante dizendo que o religioso sempre se caracterizou com um homem do “sorriso largo”. Dom Bernardo é de nacionalidade alemã, mas está radicado no Brasil desde 1983. Sua formação religiosa se deu no caminho formativo da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, porém, em 2009 foi nomeado Bispo da Diocese de Óbidos pelo Papa Bento XVI, assumindo uma missão que vai de encontro com todos os aspectos do Sínodo Pan-Amazônico.
Frei Johannes, como é conhecido entre os frades, falou de quatro dimensões, apresentadas pelo Papa Francisco no início do Sínodo: pastoral, social, cultura e ecologia. Segundo ele, são nestes aspectos que se encontram os principais “Desafios da Evangelização da Amazônia”, temática proposta pelo evento.
DESAFIOS PARA A EVANGELIZAÇÃO NA AMAZÔNIA
No início da explanação, o bispo fez memória dos momentos celebrativos na Basílica de São Pedro em Roma. Para ele, a invocação do Espírito Santo não é uma brincadeira. “Precisamos nos dar conta de que o Espírito Santo é um ato de fé. Ele age em quem o invoca. E eu, acredito que de fato o Espírito soprou neste Sínodo, da mesma forma que soprou no Vaticano II”, disse esperançoso.
“A mesma coisa é em relação à Amazônia. Antes de tudo, precisamos compreender o que é a Amazônia. Também precisamos escutar e entender sem julgar e sem preconceitos. Ser livre diante da Amazônia. Nós temos muitas vozes, seja na Igreja, fora dela como também na humanidade. Muita gente fala sobre a Amazônia, mas muitas vezes falam de uma Amazônia que não conhecem”, ressalvou.
Para ele, a infraestrutura básica, em quase todas as cidades da Amazônia nasceu por conta do esforço da Igreja Católica. “Por isso, é muito difícil de entender hoje quando afirmam por aí que estamos questionando a soberania do Brasil. Nós lutamos pelos direitos de todos e também pelo direito da própria natureza, da ecologia e de todo criação. Em momento nenhum nós questionamos a soberania. Por isso, precisamos entender muito bem quando falamos de inculturação”, explicou.
Frei Bernardo, ressaltou outro desafio muito grande que é o da comunicação. Segundo ele, são produzidas muitas verdades, mas também muitas mentiras. “Nós precisamos saber distinguir. Se faz julgamento do que é errado a partir do que é certo e vice-versa. Falam-se coisas que simplesmente não são verdades”, lamentou. “De Roma pude perceber dois sínodos: um que foi verdadeiro e que estava acontecendo com os padres sinodais e os 300 participantes, e outro que foi o Sínodo na mídia”, disse Dom Bernardo, referindo aos exageros e fake news que a imprensa produziu.
“Nós não tivemos pretensões de convencer o mundo inteiro com nossas propostas. Nós queremos resolver as coisas de nossa casa. O que atinge a todos será, sim, partilhado com o mundo todo, mas antes precisamos focar, olhar, escutar e ter consciência do que se trata de fato”, enfatizou.
Dom Johannes explicou ainda que o Sínodo não surgiu de uma hora para outra. “É um caminho que nós estamos traçando há longa data”, revelou o franciscano, fazendo menção a um encontro dos Bispos da Amazônia brasileira, ocorrido em 1972, em Santarém, onde eles já conversavam sobre a situação. “E uma das coisas que surgiu desse encontro foram as Comunidades Eclesiais de Base (CEBS) por conta das preocupações dos bispos. Depois, a própria CNBB instituiu uma Comissão para a Amazônia e a REPAM. Foi um crescer, uma caminhada que nós fizemos todos juntos”, detalhou.
Segundo ele, o Papa Francisco começou a falar de Sínodo já faz um tempo. Relatou que em 2016 esteve em Roma e aproveitou para levar uma carta ao Pontífice. Nela, relatou várias questões, como o desmatamento que ocorre na região, que naquele ano era mais forte do que é hoje. “Então, contei muitas situações ao Papa e ele me disse: ‘Olha, estou pensando em convocar um Sínodo, fala com o Cardeal Hummes’. Ou seja, o Papa Francisco, já estava trabalhando um possível Sínodo faz tempo”, salientou. “A questão é como que nós poderemos hoje evangelizar de modo adequado e inculturado”, emendou.
TUDO ESTÁ INTERLIGADO
Para Dom Bernardo, o que interliga é a água, os ecossistemas, as culturas e desenvolvimentos de território. “Temos muitos povos diferentes, mas todos estão interligados. Nós temos várias culturas na Amazônia, mas todas estão interligadas”, explicou.
Contou ainda que durante o Sínodo foram ressaltados aspectos da cultura do bem viver, sobretudo a forma de vida dos povos indígenas, que vivem em harmonia entre eles, com os outros, com a natureza e com Deus. “Como vamos viver isso em nossa sociedade atual?”, questionou.
Para o bispo, se faz necessário traçar novos caminhos de evangelização que devem ser construídos a partir de um diálogo com conhecimento. “Gostaria de lembrar os missionários e missionárias, mas também os mártires. No Sínodo, encontramos o irmão da Irmã Dorothy, e ele disse que estava muito orgulhoso dela e que conheceu a Amazônia só depois que ela morreu. Ele me disse assim: ‘A catedral da Dorothy era a Amazônia’. Isso que nós devemos entender quando falamos da dimensão mística e espiritual. Quando falamos de Igreja não é só de pedra, a nossa Catedral é a floresta, é a Amazônia, com tudo que nela existe”, ensinou.
O CRISTO APONTA PARA A AMAZÔNIA
Segundo Dom Johannes, a conversão ecológica deve ser uma espiritualidade mística no estilo de São Francisco de Assis. “O franciscanismo é mais atual do que nós imaginamos hoje. Francisco e Clara estão anos à nossa frente e precisamos resgatar isso. Uma conversão que seja baseada na sinodalidade. No entanto, a única conversão é sempre ao Evangelho vivo que é Jesus Cristo. Todas as coisas fazem parte da evangelização, do anúncio, do testemunho, da caridade. É interessante que não foi somente o Papa Francisco a falar da Amazônia. Paulo VI já falava: “O Cristo aponta para a Amazônia”.
O cristão é um itinerante, assim define o Papa Francisco. Como franciscanos talvez esse seja o maior desafio: novos caminhos de conversão pastoral. “Muitas vezes falamos que o carisma de São Francisco é a pobreza, mas talvez poderíamos acrescentar a itinerância. Ser uma Igreja itinerante, em saída, uma Igreja que realmente se coloca como servidora, kerigmática, educadora, samaritana, inculturada, misericordiosa e solidária”, sublinhou o bispo.
Em relação aos jovens, o palestrante manifestou sua preocupação, perguntando: “Cadê os jovens? Onde eles estão hoje? Qual é de fato o futuro de nossos jovens? É suficiente o que estamos fazendo hoje? Para nós, em nossa Diocese, não foi suficiente. Talvez nos falamos muito pouco sobre os jovens”, revelou o franciscano.
Outra questão abordada foram os novos caminhos de conversão cultural. Segundo o bispo, missionário deve ser aquele que vai para aprender, aquele que tem uma visão integradora da realidade e compreende as múltiplas conexões existentes entre tudo o que foi criado. “Essa é uma questão de suma importância, de reciprocidade, de solidariedade, de sentido de comunidade, de igualdade, de serviço. Nós vamos para buscar uma unidade e a visão do bem viver”, disse, lembrando que o mundo atual apresenta muitas fragmentações.
Frei Johannes fez memória ainda ao relato da criação de Gênesis e alertou que faz parte da evangelização cuidar da Casa Comum. “Precisamos hoje apoiar projetos que proponham uma economia solidária, sustentável, circular e ecológica. Precisamos realmente ver o que acontece para reverter essa situação”, destacou. Ele fez referência ao movimento da ativista ambiental de apenas 16 anos, Greta Thunberg.
“Para podermos caminhar juntos precisamos da experiência sinodal, fortalecendo sobretudo a cultura do diálogo: nós precisamos conversar! A nossa experiência no Sínodo foi de realmente escutar o que o outro pensa e superar sobretudo o clericalismo e as posições arbitrarias que nos temos hoje na Igreja. Ou seja, descentralizar para termos um rosto amazônico com o devido reconhecimento daquilo que os leigos fazem. Que nós, de fato, entendamos que eles são atores privilegiados. Ampliar também os espaços e a participação do laicato”, propôs.
E finalizou dizendo que é preciso ter coragem, pois muitos dos elementos que constam no documento final do Sínodo já podem ser colocados em prática.
Após um rápido intervalo, a segunda parte da manhã foi dedicada a um debate em plenária com os participantes. A mesa contou com a moderação de Frei Sandro Roberto da Costa e Frei Fábio César Gomes.
Nesta quarta-feira (13-11), a secretária da Prelazia do Xingu, Dorismeire Vasconcelos, vai tratar da realidade eclesial na Amazônia. A moderação ficará a cargo dos professores Robson Castro e Frei Ludovico Garmus.