Conheça “Madre Teresa das prostitutas”
03/07/2019
Cidade do Vaticano – Quando você a encontra, nasce espontaneamente a pergunta: Como isso é possível? Como é possível que esta mulher, que, desde a infância na Suécia, passou por acontecimentos tão dramáticos, agora demonstra um olhar que transmite profunda paz e alegria? Encontrei Elise Lindqvist ao chegar a Roma: ela veio para cumprimentar o Papa ao término de uma “Audiência” no fim de maio. Ela tinha apenas um desejo: “Quero agradecer ao Papa Francisco pela sua luta contra o tráfico de seres humanos”.
Elise Lindqvist tem a mesma idade do Papa: ambos nasceram em 1936. Ela também tem a sua mesma determinação incansável, contida em um corpo de apenas 1m50. Para poder dar melhor a mão a Francisco, após a Audiência, Elise subiu no pequeno degrau da grade. “Ouvi falar que você, – disse-lhe o Papa – faz um trabalho maravilhoso!”.
Ele se referia às noites que Elise dedicava para dar apoio e conforto às mulheres de rua de Estocolmo. Há mais de 20 anos, ela busca dar-lhes apoio, como uma mãe, recordando-lhes que há uma vida além da rua.
Ela sabe muito bem disso, porque também foi uma elas.
Infância dramática
Elise Lindqvist nasceu em uma pequena aldeia sueca. A partir dos 5 anos de idade, os abusos sexuais passaram a fazer parte da sua vida diária. Ela frisa que não foi o pai que abusou dela, mas as pessoas próximas da família. Espantada, obedecia, ciente de que tudo isso fazia parte do que as crianças deviam suportar: “Quando me convidavam para comer na casa deles, eu já sabia o preço que devia pagar. Depois, saía correndo, ameaçada de morte se eu contasse a alguém”.
O maior sofrimento para Elise era o de não poder confiar em nenhum adulto: ela foi abandonada por todos aqueles que a deviam defender. Até a mãe virava o rosto, quando os homens a levavam para o outro quarto. Na escola, o professor mandava os alunos sair para o recreio, enquanto lhe dizia: “Elise, fique aqui!”
Seu pai era o único que, às vezes, a pegava no colo e lhe dizia: “minha filhinha”! Ao invés, por todos os outros, era penalizada por ser “feia e estúpida”.
“Acho que, sem aquelas poucas palavras de ternura do meu pai, eu não teria sobrevivido”. No entanto, com a morte do pai, quando Elise tinha apenas 10 anos, sua vida se tornou bem mais dura. O novo companheiro da mãe fazia abuso de álcool e a agredia continuamente: “Certa vez, ele apontou a espingarda para mim e eu, com apenas dez anos, o implorei para que atirasse, porque não queria mais viver”.
Mas, a arma estava descarregada e o homem atirou em vão: “O Senhor queria que eu vivesse, apesar de ainda não saber nada sobre a Sua existência”.
“Como você é bonita!”
Aos quatorze anos, Elise foge de casa e chega a uma cidade, onde uma boa família cuida dela: “Quando a mãe de família me despiu, na primeira noite, pensei, resignada, que tudo continuaria aqui também. Ao invés, ela apenas me despiu, somente para me lavar, e o fez de modo muito gentil”.
Elise, naquele momento da sua história, torna-se muito séria: “O que acontece comigo agora é o que acontece com milhares de meninas hoje. Os rufiões reconhecem as vítimas perfeitas e sabem pegá-las”. No caso de Elise, porém, foi uma mulher que, certo dia, se aproximou dela e lhe disse: “Como você é bonita…”.
“Aquela senhora era belíssima! Ninguém, até então, jamais me havia dito que eu era “bonita”; e, em um piscar de olhos, me submeti totalmente a ela e teria feito qualquer coisa por ela. Eu a chamava “mãe” e ela me comprava roupas e produtos de beleza. Um dia, disse-me que eu deveria trabalhar para ela, vendendo meu corpo para seus clientes. Eu tinha 16 anos e obedeci”.
Elise não se lembra, exatamente, quantos anos teve que trabalhar para aquela senhora. Lembra-se apenas como parou, depois de ter sido violentada de modo cruel por um cliente. Voltou para casa e disse à sua patroa que não aguentava mais aquela vida de prostituição.
“Tive sorte! Hoje, se uma moça recusar prostituir-se, corre o risco de ser assassinada e seu corpo desaparece para sempre. No entanto, minha patroa abriu a porta e me jogou escada abaixo, dizendo: “Você não tem mais nada para fazer aqui”.
Desde então, Elise começou a viver como uma sem-teto, procurando comida nos latões de lixo da rua: “Só tinha relações destrutivas e acabava em mãos de homens violentos. Então, buscava refúgio somente em misturas de álcool e drogas e, assim, caía, cada vez mais, em uma dependência desesperadora”.
A luz de Jesus
Olho para ela e vejo um rosto que expressa somente paz e alegria. Não há sinais da sua história dramática, nenhuma amargura nem rancor. “Em 1994, fui internada em um centro de reabilitação. Todos tinham medo de mim. Quando alguém se aproximava, dava chutes; se via um homem, cuspia na cara e dizia palavrões. Eu sentia somente raiva”.
Elise conta como as pessoas se comportavam de modo estranho naquele centro: “Todos sorriam. No início, pensei que, certamente, tinha caído em um hospício. Aqueles sorrisos eram provocantes… Depois, comecei a pensar que o motivo daqueles sorrisos era, sem dúvida, devido ao uso de substâncias químicas fantásticas; por isso, comecei a pedir-lhes aquelas “drogas” que usavam”.
Pelo contrário! Ao invés de drogas, aquelas pessoas levaram Elise a uma Capela e começaram a rezar por ela. Desconfiada e fechada em si mesmo, Elise assistia tudo, sem saber o que estavam fazendo ao seu redor.
“Eu não sabia nada sobre Deus e o que era oração; para mim, a Igreja era um lugar de morte”.
Em certo momento, aconteceu o que ela descreve como uma “intervenção sobrenatural”: Tive a sensação física de tomar um banho, mas um banho de luz e paz. Jesus era o único que me podia curar, pois eu era um caso humano perdido. Dito e feito. Naquele momento, eu “nasci”. Hoje, quando perguntam a minha idade, respondo “25”, porque, há 25 anos, Jesus me deu a vida e comecei a caminhar no seu amor”.
Nenhuma cura sem perdão
Alguns meses depois, quando estava acostumada a ver com novos olhos, dando os primeiros passos em seu caminho de fé, o diretor espiritual de Elise lhe diz, em confidência, que deveria dar um passo a mais: devia perdoar!
“Então, reagi, novamente, predominada por uma grande raiva. Como ele ousava pretender que eu devia perdoar o mal que tantas pessoas me fizeram? Nestas alturas, Elise conta que lhe explicaram que ela jamais poderia sarar sem perdoar.
“Foi um processo longo e doloroso, sempre na Capela rezando, recordando a lista de nomes. Por fim, consegui perdoar minha mãe, que não me amou nem me defendeu. Percebi que ela não estava em condições e, por sua vez, também era uma vítima”.
Anjo das prostitutas
Por mais de 20 anos, Elise Lindqvist utiliza sua experiência dramática para ajudar outras mulheres: “A primeira vez que saí, à noite, fui à famosa rua das prostitutas em Estocolmo, Malmskillnadsgatan. Ali, revivi meu passado, mas percebi que era bem naquele lugar que eu devia trabalhar”.
A sua obra consiste em ser uma presença materna constante: uma pessoa que ouve, abraça, leva algo para beber e oferece roupas para aquecer as noites frias de inverno. “Para mim, o prêmio mais lindo é conseguir salvar uma mulher de rua! Mas, a minha presença serve, sobretudo, para levar consolação e coragem; fazer-lhes entender que alguém as ama e que não estão sozinhas. Elas me chamam “mamãe”.”
Em 18 de outubro de 2016, por ocasião do Dia europeu contra o Tráfico de seres humanos, Elise foi convidada para falar diante do Parlamento Europeu. Em seu discurso aos parlamentares, recordou as responsabilidades das Instituições: adotar resoluções concretas que eliminem totalmente o tráfico de seres humanos, visto que todos os Estados-Membros estão cientes deste problema.”Terminei meu discurso dizendo que voltaria, quando completasse 90 anos, para ver se tinham mantido a palavra sobre o compromisso assumido”.
Ao atravessar a Praça São Pedro, no final da Audiência, perguntei-lhe por que estava coxeando? E ela me respondeu de relance: “Foi um empurrão que me deram, tempo atrás, em uma escada rolante. Para algumas pessoas, a minha presença em meio às prostitutas incomoda”.
Fotos e texto de Charlotta Smeds, da Vatican News.