Esperança e indignação no encerramento
06/08/2017
Aparecida (SP) – A manhã deste domingo, 6 de agosto, foi de Ação de Graças no Capítulo das Esteiras, que terminou ao meio-dia depois da Celebração Eucarística. Frei Éderson Queiroz, o presidente da CFFB, passou para os capitulares a sua última mensagem, carregada de indignação pela atual situação do país e, ao mesmo tempo, animou os capitulares a não se acomodarem e a terem esperança. Ir. Cleusa Aparecida Neves, vice-presidente da CFFB, fez um resgate histórico do nascimento do Cefepal até a entidade de hoje e o Secretário Nacional da Juventude Franciscana, Washington Lima dos Santos, leu o documento final do encontro.
“É chegado o momento de recolhermos nossas esteiras e as lançarmos sobre o chão das periferias do mundo, transformando continuamente nossa maneira de Ser, Estar e Consumir em reposta aos apelos do Papa Francisco. A realidade ecológica e sócio-política-econômica do nosso país nos exige compromisso profético de denúncia e anúncio”, pede a Carta de Aparecida (veja na íntegra abaixo).
TERRA FRANCISCANA
Frei Ederson não economizou nos agradecimentos e homenagens ao finalizar o Capítulo das Esteiras que celebrou os 800 anos do Perdão de Assis, o Jubileu de Ouro da CFFB e os 300 anos da imagem de Nossa Senhora Aparecida. “Que história bonita nós temos na nossa Conferencia. Quantos e quantos e quantas nos assessoraram nos cursos, revistas, nos retiros, nos encontros de preparação para os votos, na animação vocacional e receberam apenas a passagem de ida e volta!”, agradeceu
“A nossa história é uma história santa. Por isso, como o Senhor pediu a Moisés, ele pede a nós hoje: tire as sandálias para entrar nessa terra. A terra franciscana no Brasil é uma terra santa. Tirar as sandálias é tirar o medo, tirar a angústia de que estamos acabando. Tirar as sandálias é tirar a indiferença com tudo aquilo que diz respeito a nossa vida em fraternidade. Tirar as sandálias é dispor-se de novo num caminho juntos. Tirar as sandálias é redescobrir a nossa interdependência. Nós nos dependemos uns dos outros para viver como família franciscana do Brasil. Aliás, o franciscano, a franciscana, precisa do outro, como nosso pulmão precisa do ar, como o peixe precisa da água. Não há vida franciscana sem o outro. O outro é o grande dom depois que o Senhor me deu irmãos”, lembrou o presidente da CFFB.
Na sua homilia, como presidente da Celebração Eucarística, Frei Ederson refletiu sobre a Transfiguração do Cristo. “Meus irmãos e minhas irmãs. Este Capítulo foi um subir ao Monte Tabor. Saímos das nossas baixadas, dos nossos vales, viemos dos campos e das cidades, até da Espanha teve gente que chegou aqui. De carro, de avião, de ônibus chegamos a Aparecida. E, certamente, quando chegamos aqui, um cansaço, não apenas da viagem, mas da viagem que estamos fazendo no tempo e na história, nos abateu: cansaço dos desencontros, cansaço diante de uma decepção que vai tomando conta da nossa Pátria, pelos desmandos, pela corrupção, pela mentira, por tudo isso de nojento e de sórdido que está acontecendo debaixo dos nossos olhos; cansaço de uma paralisia. Estamos assistindo tudo estupefatos. Perdemos a força de ir para as ruas, de gritar ‘basta’, ‘fora’, sem temer nada e ninguém. Chegamos aqui cansados com as desventuras de nossa vida pessoal, da vida de família, da vida religiosa, do convento, da fraternidade, mas viemos ao Capítulo das Esteiras”, ressaltou o frade capuchinho.
Segundo Frei Éderson, esses dias em Aparecida “a voz do Pai se fez ouvir”. “Pela boca de Frei Vitório, a voz do Pai se fez ouvir; pela boca de Frei Luiz Carlos Susin, a voz do Pai se fez ouvir; pela voz dos testemunhos, pela voz dos irmãos e irmãs do Sinfrajupe, a voz do Pai se fez ouvir. E qual a voz do Pai ouvimos neste dia?”, perguntou.
Ele emendou: “Família Franciscana, você é meu filho (a) bem amado. É esta voz que nos conecta, esta voz que nos integra, esta voz que cura, essa voz que traz um dinamismo, como deu o dinamismo a Jesus no Rio Jordão. Quando Jesus ouviu, no Jordão, “tu és meu filho bem amado”, não foi mais possível voltar para Nazaré. Ele tinha que ser voz do Pai. E toda a vida de Jesus, todo o ministério de Jesus outra coisa não foi senão ser a voz do Pai. Família Franciscana você é filha amada”, animou, convocando: “E agora é preciso que cada possa fazer ecoar por esse mundo machucado, ofendido, de pobres maltratados e excluídos, a voz do Pai; é preciso que essa voz do Pai ressoe através de nós, nos nossos gestos, no olhar, na ternura de um abraço, na delicadeza de uma palavra, na proximidade. É preciso que o outro descubra-se filho (a) muito amado. Mas para isso Ele nos pede: escute o meu Filho. E Francisco entendeu bem essa lógica, por isso não se apartava do Cristo, não se apartava do Evangelho, não se apartava da fraternidade, não se apartava dos pobres, dos leprosos, dos mendigos”, salientou.
O frade lembrou que o Filho Amado, de transfigurado será depois desfigurado, será tomado de todas as dores e desatinos da humanidade e se deixa desfigurar na Cruz para nos transfigurar com a força da ressurreição para que não sejamos mais construtores de cruz e nem de realidades que desfiguram. “Tudo o que me desfigura, e através de mim os outros, eu tenho a ver com isso, porque somos filhos da transfiguração. Não somos filhos da desfiguração. E diante dessa realidade da qual estamos mergulhados, que desfigura, que rompe, que rouba a vida, que mata, nós não podemos ficar insensíveis, acomodados e passivamente assistindo. Diante de toda a desfiguração, nós somos discípulos e discípulas da transfiguração”, enfatizou.
” A festa de hoje é a festa da nossa vocação. A nossa vocação é a glória, a plenitude em Deus. Não há glória e plenitude aqui porque isso é muito pouco e fugaz. A nossa glória é outra. Por isso, no caminho do descimento, no caminho da minoridade, no caminho de mergulhar nas realidades mais profundas da existência, a transfiguração acontecerá. É chegada a hora de partirmos de Aparecida. De retomarmos o nosso cotidiano e tomara a Deus que o nosso cotidiano nunca mais seja o mesmo depois deste Capítulo das Esteiras! Que possamos deixar o coração arder e, neste arder, fazer com que o ardor de Deus e por Deus contamine todas as realidades por onde vivemos!”, desejou.
Frei Gilson Nunes, conselheiro da CFFB, coordenou as equipes de trabalho deste Capítulo e as chamou todas para o palco. “Graças ao coração, ao olhar, a ternura, a maioria nos bastidores, desses irmãos é que o Capítulo Nacional das Esteiras foi esse verdadeiro Pentecostes, esse momento de graça. A vós, irmãos e irmãs, obrigado de coração e que nós cresçamos cada vez mais na comunhão, na unidade”, agradeceu Frei Gílson.
AGRADECIMENTO À PROVÍNCIA DA IMACULADA
Frei Éderson fez um agradecimento especial a Frei Fidêncio Vanboemmel, Ministro Provincial da Província da Imaculada Conceição. “São muitas as pessoas que construíram a nossa história nesses 50 anos, mas nós queríamos dizer, de modo especial, a Frei Fidêncio que se a Igreja nos deu São Francisco, a Província da Imaculada nos deu as Fontes Franciscanas. Todos nós, de alguma maneira, somos filhos e filhas da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Basta olharmos só uma coisa: as publicações da Família. Lá pode ter dois, três, quatro ou cinco nomes de frades da Província da Imaculada. Aliás, o Cefepal foi para Petrópolis porque lá o Instituto Teológico nos deu suporte. Então, Frei Fidêncio e Frades Menores da Imaculada, a nossa gratidão. Frei Fidêncio teve um gesto muito bonito por nossa Conferência: em cada estado onde está a Província dele – ES, RJ, SP, PR e SC – nomeou um frade para acompanhar o Regional da Família Franciscana do Brasil. Esse é um gesto de anuência, de compromisso, de bem-querer. Muito obrigado, Frei Fidêncio por seu gesto!”
ÍNTEGRA DO DOCUMENTO FINAL
CARTA DE APARECIDA
“ Ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres. ” LS,49
A Conferência da Família Franciscana do Brasil, celebrando o Capitulo Nacional das Esteiras, consciente de sua missão de “levar ao mundo a misericórdia de Deus”, dirige-se a todas as pessoas de boa vontade: àquelas que continuam acreditando em um mundo de justiça e fraternidade e àquelas que, em meio às contradições e crueldades de nosso tempo, vivem a dor da desilusão e da falta de esperança.
As partilhas realizadas nesses dias nos levam a afirmar: vivemos um verdadeiro Pentecostes. Neste sentido, o Capítulo nos chamou a um revigoramento do Carisma e nos levou a fazer memória da herança, da inspiração originária que deu início ao movimento franciscano. A experiência das esteiras nos leva a retomar nossa vocação enquanto peregrinos e forasteiros.
As bases nas quais foram construídas a nossa história estão marcadas pelo sangue dos pobres e pequenos, indígenas, mulheres e jovens negros, por um extrativismo desmedido e destruidor, por uma economia que exclui a maioria, por destruição de povos, culturas e da natureza. À luz do nosso carisma, compreendemos que se faz necessário construir um novo horizonte utópico que nos comprometa com a construção de um projeto de país com justiça e paz em respeito à integridade da criação.
Somos sensíveis ao grito dos empobrecidos e da Mãe Terra! É preciso agir com misericórdia para com eles e, com indignação diante desse sistema que exclui, empobrece e maltrata, e convocarmos a todos para se unirem à luta que hoje assumimos juntos: participar da reconstrução da Igreja com o Papa Francisco e reconstruir o Brasil em ruínas.
É chegado o momento de recolhermos nossas esteiras e as lançarmos sobre o chão das periferias do mundo, transformando continuamente nossa maneira de Ser, Estar e Consumir em reposta aos apelos do Papa Francisco.
A realidade ecológica e sócio-política-econômica do nosso país nos exige compromisso profético de denúncia e anúncio. Assistimos, tomados de ira sagrada, à violação dos direitos conquistados, através de muitos esforços, empenhos e articulação pelo povo brasileiro. Por isso, não podemos deixar de nos empenhar junto aos movimentos sociais na luta “por nenhum direito a menos”, contra golpes, reformas retrógadas e abusivas conduzidas por um governo ilegítimo, um parlamento divorciado dos interesses da população e uma justiça que tem se revelado fora dos parâmetros da equidade “que no lugar de fortalecer o papel do Estado para atender às necessidade e os direitos do mais fragilizados, favorece os interesses do grande capital”¹.
Dessa Cidade de Aparecida, Nossa Senhora, Padroeira do Brasil, resgatada das águas de um rio, hoje poluído e degradado, nos faz eleger dentre os diversos apelos um compromisso particular com a Irmã Água. Deste modo, nos empenharemos na construção de um processo de reflexão e ação em defesa da água como bem comum, que se dará através da participação da família em jornadas, fóruns e nas iniciativas de fortalecimento dos trabalhos ligados à promoção da Justiça e da Integridade da Criação.
Tudo isso acontece, irmãs e irmãos, porque São Francisco nos ensinou que nos momentos mais difíceis de nossas vidas devemos voltar à Casa da Mãe. Ele e seus irmãos voltavam, com frequência, à pequena igreja de Santa Maria dos Anjos, a Porciúncula. Nós voltamos ao Santuário de Nossa Senhora Aparecida, neste 300 anos de caminhada com os pequenos desta terra.
“Óh Mãe preta, óh Mariama, Claro que dirão, Mariama, que é política, que é subversão, que é comunismo. É Evangelho de Cristo, Mariama!”, ainda assim, invocamos suas bênçãos sobre toda a nossa família e sobre um Brasil sedento de “Paz – fruto da justiça, do bem e da Misericórdia de Deus”.
Conferência da Família Franciscana do Brasil – CFFB
06 de agosto de 2017