A festa franciscana de Frei Gilberto em Jacarezinho
29/04/2012
Moacir Beggo
Jacarezinho (PR) – Os pais de Frei Gilberto da Silva não residem mais em Jacarezinho, no Norte do Paraná e a Província da Imaculada Conceição não tem ali nenhuma fraternidade. Mas Frei Gilberto não abriu mão de voltar às suas origens e celebrar com a família, os amigos e a Igreja de Jacarezinho o grande momento de sua vida: a ordenação presbiteral. O bispo Dom Antônio Braz Benevente, o pároco Pe. Delcino Rafael de Carvalho e o vigário paroquial Pe.
Nélson Gualhume, não pouparam esforços para tornar sublime esse momento na vida do jovem religioso franciscano. E foi neste clima de muita cordialidade, fraternidade e fé que Frei Gilberto recebeu o Sacramento da Ordem das mãos do bispo diocesano D. Antônio durante a celebração eucarística que teve início às 17 horas na bela Catedral Imaculada Conceição.
O Ministro Provincial, Frei Fidêncio Vanboemmel, os Definidores Frei Mário Tagliari, Frei César Külkamp e Frei Samuel Ferreira de Lima e confrades de toda a Província dividiram a alegria do momento com Frei Giba, como é mais conhecido por seus confrades. Junto com o ordenando, estavam os pais, Maria de Lourdes e Pedro da Silva, o irmão Gilson e a avó Luzia Geralda de Souza. O povo de Jacarezinho veio em peso para conhecer o ilustre franciscano filho da terra (a missa também foi transmitida pela Rádio Educadora, da diocese), assim como os amigos de diferentes cidades por onde passou durante a etapa da formação religiosa, que começou em 2001 ao ingressar no Seminário São Francisco de Assis, em Ituporanga (SC). Coincidentemente ele volta a residir neste Seminário, agora como formador dos seminaristas, que também vieram prestigiar o mestre.
D. Antônio confessou que a ordenação de Frei Gilberto era a primeira de um religioso que fazia desde a sua ordenação episcopal, no dia 7 de setembro de 2010. E não parava por aí. “A minha igreja, a matriz de Itápolis (SP), foi construída pelos frades menores da Província da Imaculada, que permaneceram lá até 1964 e depois se transferiram para Agudos. Então, Deus foi entrelaçando minha vida até chegar a Jacarezinho e, nesta ocasião, ordenar Frei Gilberto. Confesso que fiquei muito feliz desde o dia que ele falou que iria presidir a celebração. Como bispo novo, me senti muito cheio da graça de Deus por este gesto de ordenar um frade menor”, contou o bispo diocesano.
Na sua homilia, D. Antônio, sempre se dirigindo a Frei Gilberto, ensinou que o “padre é alguém apaixonado por Cristo, a quem conhece como o mestre que o conduz e acompanha”. E enfatizou: “Frei Gilberto, seu ministério deve ser expressão do verdadeiro amor. Alimente-o sempre no amor primeiro que o levou anos atrás à vida religiosa”.
D. Antônio, então, resumiu como será, a partir de agora, o ministério presbiteral de Frei Gilberto: “Somente o amor de Jesus nos torna capazes de amar os irmãos, de dar a vida por eles, de nos colocar a serviço de cada pessoa, de cada comunidade, de cada missão para a qual somos designados. O serviço brota do amor, é consequência deste amor. É a prova do verdadeiro amor, que em primeira e última instância, é o serviço consagrado para o altar; é o serviço da vivência do Evangelho, em estado de missão permanente; é o serviço da caridade, solícitos com os enfermos e os pobres, atentos às novas formas de pobreza, prontos para doar a vida, para promover e defendê-la onde ela é pisada e desprezada”.
Sempre sorridente, tranquilo e feliz – uma alegria que também é a marca registrada da família -, Frei Gilberto foi ordenado presbítero. Chamou a D. Antônio de amigo, pai e pastor, a quem agradeceu muito pela acolhida. “Serei eternamente grato e devedor pelo que realizaram por este filho de São Francisco e de Jacarezinho. Desejo do fundo do coração que a Diocese de Jacarezinho continue sendo uma Igreja comunhão, uma Igreja formada por comunidades que levem o nosso povo a uma evangelização eficaz e duradoura”, disse, ao mesmo tempo em que presenteou o bispo com a Cruz de São Damião. “Nesta cruz, o Crucificado está Ressuscitado. Ele mesmo falou ao coração de Francisco: ‘Vai e restaura a minha Igreja’. Que a Igreja de Jacarezinho tenha sempre mais esta força restauradora porque bebe na fonte que é o Cristo Ressuscitado”.
Frei Giba não esqueceu da família, “que tanto se dedicou nestes dias e por toda a vida, me inclino e reinclino para lavar os pés. Pai, mãe, Gilson, vó, tios, tias, primos e primas. Que a alegria do Senhor seja sempre a nossa força!”. À nova família franciscana, em nome do Ministro Provincial, também não poupou agradecimentos, como ao povo de Jacarezinho e seus amigos que vieram de longe. Fez uma bela dedicatória aos incansáveis peregrinos da Baixada Fluminense, que em todas as ordenações da Província estão presentes, não importa a distância. Isso porque, durante os 4 anos de Teologia, os frades estudantes fazem o estágio pastoral nas fraternidades da Baixada Fluminense.
“Posso dizer que é o meu povo da Baixada Fluminense. Como diz D. Mauro Morelli, os artistas cantam músicas dizendo que o Cristo Redentor abre os braços e os estende sobre a Zona Sul, mas esquecem que o lado esquerdo do coração do Cristo Redentor aponta para a Zona Norte, na direção da Baixada Fluminense, onde a vida pulsa ao som das trombetas, das cuícas e tamborins, das festas e das alegrias, onde o Evangelho é a esperança de transformar os sinais de morte em vida”.
HOMENAGENS
Um momento muito bonito da celebração foi a homenagem dos seminaristas de Ituporanga para o seu orientador. Depois de recitarem um texto sobre o sacerdócio, todos se dirigiram ao presbitério e abraçaram Frei Gilberto ao mesmo tempo, fazendo um grande círculo.
Frei Fidêncio agradeceu muito a D. Antônio e toda a Diocese pela acolhida aos frades durante a Semana Missionária e a ordenação. “Que o entusiasmo pela vida franciscana e pelo ministério presbiteral também fortaleça a todos os nossos seminaristas na vida e na vocação. Obrigado pelos confrades aqui presentes, às caravanas que vieram de diferentes lugares, o meu muito obrigado à família – mãe, pai e irmão – por esta entrega do irmão tão importante, irmão necessário para a nossa vida. Vocês sabem muito bem que a mãe e o pai de um confrade é a mãe e pai de muitos outros irmãos. Então, de coração, meu agradecimento à família e, de coração, o meu muito obrigado a esta comunidade aqui de Jacarezinho que acolheu a nós, frades menores”.
O pároco Pe. Delcino, falando em nome da Paróquia Imaculada Conceição da Catedral, destacou o bonito trabalho feito pelos frades durante a Semana Missionária e a acolhida da comunidade aos frades que vieram de diferentes comunidades. “Foi um momento marcante e que deu uma nova luz para todos nós, especialmente para a nossa paróquia”.
No final da celebração, Frei Gilberto ouviu o último conselho de D. Antônio: “O bispo me ordenou padre, D. Benedito Ulhoa Vieira, que hoje está com 92 anos, repetia nas ordenações o que eu vou repetir agora. ‘Não existe padre infeliz no primeiro dia, por isso que todos os dias de sua vida sejam sempre o primeiro dia!”
A liturgia de hoje torna-nos duplamente privilegiados. Primeiro porque estamos, enquanto comunidade de fé, reunidos ao redor das mesas que nos constituem – a mesa da Palavra e a mesa do Corpo de Cristo. Além desta comunhão mística, porém sensível, com a Eucaristia e com a sua divina Palavra, temos também diante dos olhos, o feliz privilégio de contemplarmos, nesta ordenação presbiteral, o testemunho autêntico de um jovem que, a exemplo do salmista, deseja oferecer ao Deus da vida, um sacrifício de louvor perene … deseja entregar à Igreja a sua própria vida, feita oblação, serviço, doação.
Sabemos que o conhecimento autêntico do Deus misericordioso é na realidade uma postura dinâmica, constante e inesgotável, que nunca se resume somente num ato momentâneo do fiel ou então como um impulso passageiro e emotivo, mas sim como uma disposição contínua, como estado de ânimo que lança a pessoa humana à imitação do Cristo Jesus. A grandeza do sacerdócio está precisamente nessa imitação. Por isso os padres devem, mais do que nunca, estar atentos aos apelos do divino Mestre: “Se alguém quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. Nesta tarde, ao olharmos para nosso ordenando, é essa a realidade que vemos: a busca pelo passo derradeiro, na vida daquele que deseja conhecer, amar, e santificar (a si e aos outros) em nome do Senhor.
Na primeira leitura, vemos os preparativos para a festa da Páscoa judaica. Escrito durante o período do exílio babilônico, este trecho, assim como todo o livro do Êxodo, deve ser acolhido sob a temática da libertação. Fazendo o memorial da Páscoa, o autor sagrado aponta a libertação do povo de Deus como modelo de uma fé que não se permite intimidar diante dos poderosos. O texto insiste que o modelo de “vida nova” só pode acontecer através da solidariedade, do serviço ao outro, da partilha. O cordeiro daquela “festa” judaica deve ser partilhado com todos. Nada deve ser guardado ou vendido. Na passagem para a libertação, o amor-caridade revela-se em gestos fortes e concretos.
Caríssimo Frei Gilberto, sacerdotes presentes, amado povo: o presbítero, como ministro ordenado, tendo seus “rins cingidos, sandália aos pés e cajado nas mãos”, tem por missão estender às realidades do mundo, por vezes tão sofrida e escravizada, a boa nova da vida em abundância e da libertação verdadeira. Deve enfrentar com amor o paradoxo de ser arauto da esperança em lugares que já foram consumidos pela impiedosa chama do pecado, caracterizado pela injustiça e pela exclusão. Carne assada, pães sem fermento e ervas amargas, lembram a pressa, a disposição para a partida, de forma especial nesta ordenação quando, após anos de formação religiosa, Frei Gilberto deseja partir para a missão sacerdotal com amor, sob a luz do ideal franciscano.
O evangelho de São João, ao apresentar o lava-pés, indica-nos que esta liturgia realizada por Jesus na última ceia marcou fortemente a consciência dos discípulos: como pode um Mestre rebaixar-se para lavar os pés de seus seguidores? Na narrativa, Jesus tira o manto que é sinal de dignidade e pega uma toalha, um avental, que é sinal de serviço: o próprio Senhor e mestre torna-se o servidor por excelência. Ele faz tudo sozinho para mostrar que a sua doação é total. É total e vai até à cruz, pois o “Filho de Deus” depois retoma o manto da sua dignidade sem tirar, entretanto, o avental do seu serviço: ele volta à posição de homem livre, mas conserva sua disposição de servir até o fim.
Este foi um gesto feito de forma consciente pelo Cristo, para mudar a mentalidade da comunidade, principalmente de seus discípulos, continuadores de sua obra pela sucessão apostólica. Para Jesus, “lavar os pés” não significava perder a autoridade, ao contrário, mostra a radicalidade do seu ensinamento, sempre reconhecido como “palavra de salvação”. Por isso, Jesus passa diante dos seus amigos, e lava os pés de cada um individualmente, inclusive de Judas, o traidor, expressando que a tarefa deles é serem servos de todos e não superiores. “Eu vos dei o exemplo – disse Jesus nessa ocasião – para que assim como eu fiz, façais também vós.”
Trata-se de um ensinamento solene que Ele oferece: “Se Eu, que sou Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros.” Quem quer estar com Ele, deve tornar-se como Ele: “servidor” … nem “patrão”, nem “superior”, nem “proprietário”. A lei que regula as relações na vida cristã é a atitude de “serviço”, colocando ao centro não a si próprio mas os outros. O escândalo da pedagogia de Jesus é justamente essa inquietante inversão tão bem testemunhada pelo “pobre de Assis” e que recai como convite insistente a cada um de nós.
A você, caríssimo Frei Gilberto, lembro-vos que a intimidade que desejais manter com Jesus deve ser cultivada e alimentada, na vivência litúrgico-eclesial, de forma especial pela celebração da Eucaristia. Também ressalto a importância da piedade do aprofundamento na fé, bem como a transparência na vida e a pobreza evangélica, traço marcante do carisma pelo qual foi chamado. O padre é alguém apaixonado por Cristo, a quem conhece como o mestre que o conduz e acompanha. É ministro da Palavra, com o grande dever de anunciar o Evangelho de Deus a todos, indistintamente. É ministro dos sacramentos, especialmente da Eucaristia. Por ela, o padre se santifica e santifica o seu povo. A Sagrada Eucaristia deve ser o seu ponto de partida e de chegada, significado essencial da vida nova, que a partir dessa ordenação, irá abraçar.
Caríssimos, somente o amor de Jesus nos torna capazes de amar os irmãos, de dar a vida por eles, de nos colocar ao serviço de cada pessoa, de cada comunidade, de cada missão para a qual somos designados. O serviço brota do amor, é consequência deste amor. É a prova do verdadeiro amor, que em primeira e última instância, é o serviço consagrado para o altar; é o serviço da vivência do Evangelho, em estado de missão permanente; é o serviço da caridade, solícitos com os enfermos e os pobres, atentos às novas formas de pobreza, prontos para doar a vida, para promover e defendê-la onde ela é pisada e desprezada.
Frei Gilberto, seu ministério deve ser expressão do verdadeiro amor. Alimente-o sempre no amor primeiro que o levou anos atrás à vida religiosa. Tenha igualmente a dimensão da autoridade discreta, mas acima de tudo, da simplicidade de coração, que busca insistentemente uma vida segundo o Espírito. Que nesse sentido, possas, ao longo de sua caminhada presbiteral, servir a fim de que, em todas as coisas, Deus seja verdadeiramente glorificado, amado e reconhecido. Amém.
Dom Antonio Braz Benevente
Bispo Diocesano de Jacarezinho PR