Entrevista Dom Jaime Spengler: “Precisamos estar sempre prontos para aquilo que a Igreja solicitar”
01/11/2024
A Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil terá a graça de registrar em sua história mais um cardeal: Dom Jaime Spengler.
No Ângelus do dia 6 de outubro, o Papa Francisco anunciou o Consistório para a criação de 21 novos cardeais em 7 de dezembro. O Santo Padre leu a lista da janela do Palácio Apostólico, seguindo seu costume dos últimos 12 anos, surpreendendo com os anúncios após o Angelus.
Além do presidente da CNBB e do Celam, também foram indicados representantes de países como Irã, Indonésia, Japão, Filipinas, Costa do Marfim e Itália.
O momento também foi marcado pela realização da Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, em Roma. Na ocasião, Francisco destacou que a diversidade dos indicados reflete a universalidade da Igreja e o vínculo inseparável entre a Sé de Pedro e as Igrejas espalhadas pelo mundo.
Dom Jaime Spengler expressou surpresa e gratidão pela nomeação. Em vídeo, agradeceu ao Papa, ao povo brasileiro e latino-americano, especialmente às vítimas das tragédias climáticas no Rio Grande do Sul. O arcebispo enfatizou a importância de caminhar juntos em comunhão para promover o Reino de Deus e sua justiça.
Em entrevista à edição de novembro da Revista Comunicações, Dom Jaime falou sobre o anúncio e suas expectativas.
“Como pessoa que assumiu vida consagrada, precisamos estar sempre prontos para aquilo que a igreja solicitar. E neste momento, a Igreja solicita disposição”.
Revista Comunicações – Como franciscano, qual a importância desse anúncio do Papa Francisco para o senhor?
Dom Jaime – Sempre gostei de algo que está na Regra Franciscana, quando São Francisco diz: “Eu Frei Francisco, prometo obediência e reverencia ao s Papa Onório e seus sucessores”. Certamente, essa indicação exigirá de nós ainda mais o cultivo dessa reverencia e dessa obediência a Pedro, o Papa, em nosso caso. É um marco na caminhada de vida pessoal. Esperamos poder colaborar da melhor forma possível, com aquilo que estiver ao nosso alcance e ao que nos for solicitado.
Revista Comunicações – Como futuro cardeal, quais serão os compromissos do senhor? Pergunto porque atualmente o senhor é o presidente da CNBB e do Celam.
Dom Jaime – Isso é uma boa pergunta, pois ninguém ainda contou como será. Por enquanto conhecemos aquilo que corresponde à tarefa de um cardeal. Primeiro, ele deve colaborar com o bispo de Roma. Em segundo lugar, colaborar com o bispo de Roma no Exercício do seu ministério para o bem de todo o povo de Deus. Espero que, de forma muito simples e discreta nós possamos continuar aquilo que já havíamos trazendo, como arcebispo na Arquidiocese de Porto Alegre. Nos próximos anos ainda temos esse serviço à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Estamos concluindo esse primeiro ano e meio à frente da conferência e também do Conselho Episcopal Latino Americano, o Celam.
Ainda não sei o que virá pela frente, mas, há sempre explicita a missão de participar da escolha do Pontífice Romano. Faço votos de que o Papa Francisco possa viver muitos anos com saúde, disposição, com sabedoria, guinado a Igreja como tem feito até aqui. Se de repente, num determinado momento da história formos convocados para tanto, e o espírito de Deus verdadeiramente no ilumine para que nós possamos estar nessa sintonia para bem realizar também essa missão que podemos ser chamados a participar.
Revista Comunicações– Além do senhor, outros frades menores serão elevados a cardeais em dezembro. Como senhor acompanha essa presença dos franciscanos como cardeais mais próximos do bispo de Roma?
Dom Jaime – Serão três provenientes da Ordem dos Frades Menores, sendo um arcebispo do Equador, outro da Indonésia, eu do Brasil e um outro franciscano conventual que será elevado a cardeal. Tendo presente aquilo que é a tradição, a história, espiritualidade franciscana se trata de um serviço especial que, como frades menores somos chamados a desenvolver. Nesse contexto vale recordar sempre o querer de Francisco de Assis que os frades pudessem sempre colaborar com a Igreja, da melhor forma possível, ode fosse necessário. Anunciado o Evangelho de forma simples, com o testemunho de vida, sobretudo, e com alegria. Creio que talvez nessas expressões sejam sintetizados o estilo franciscano de ser um evangelizador na atualidade.
Revista Comunicações – Na Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, de onde origina toda a caminhada religiosa do senhor também, tivemos outro cardeal, que foi Dom Paulo Evaristo Arns. O que isso representa para o senhor neste momento que recebe o anúncio do Papa?
Dom Jaime – Antes de tudo eu sou muito grato por tudo aquilo que, ao longo dos anos, a Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil me proporcionou em todos os sentidos. Seja no âmbito da formação, nas oportunidades de exercício do ministério, os trabalhos que me foram solicitados. Creio que tudo isso me ajudou na caminhada humana, cristã e na minha caminhada franciscana. Serei eternamente grato por tudo aquilo que a Província me proporcionou.
Na verdade, tivermos na história dom Paulo Evaristo Arns como Cardeal Arcebispo de São Paulo, numa etapa delicada da história brasileira. Foi um homem que se dedicou de forma apaixonada a promover a paz, a reconciliação, os direitos humanos no nosso Brasil. Nosso país deve muito a figura de Dom Paulo Evaristo Arns. Temos também atualmente, Dom Leonardo Ulrich Steiner, arcebispo de Manaus, que também foi secretário da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil por dois mandatos. Antes ele havia sido bispo na Prelazia de São Félix do Araguaia, no Pará. Como arcebispo de Manaus tem um horizonte de trabalho intenso, haja visto o cuidado e promoção do bioma amazônico, em virtude do futuro saudável do planeta.
Poder recordar essas figuras nos chamam para uma responsabilidade maior. Não sei o que será me solicitado daqui para frente, mas faço votos de que possa responder na melhor forma possível aquilo que foram as solicitações do tempo, da história e da sociedade, da Igreja, a fim de ser testemunha do Evangelho e promotor de vida e vida em abundância para todos.
Sobre a carta enviada pelo Papa aos futuros cardeais. Do Jaime relembrou três atitudes com as quais um poeta argentino – Francisco Luis Bernárdez – descreveu São João da Cruz: “olhos altos, mãos juntas, pés descalços”.
Olhos altos porque o serviço vai exigir a amplitude do olhar, a expansão do coração para poder olhar mais longe e amar de forma mais intensa e universal. Mãos juntas porque a oração é o que mais a Igreja necessita para poder levar adiante a tarefa para apascentar o rebanho de Cristo e promover a obra da evangelização. E a terceira atitude é referente aos pés descalços, ou seja, tocar a aspereza das diversas realidades marcadas pelo sofrimento e pela dor, lembrando das guerras das perseguições, fome, miséria, enfim, as diversas forma de pobreza.
Essas três atitudes que o Santo Padre nos pede, creio que, de alguma forma, devem caracterizar o serviço que fomos chamados a prestar daqui para frente em favor de toda a Igreja.
Ele termina com uma expressão muito bonita. “ O título de servidor ofusque cada vez mais o de “eminência”.
Oxalá que possamos servir ainda melhor a Igreja que amamos, a Igreja que um dia nos acolheu, a Igreja que busca de forma empenhada e ativa levar adiante a obra da evangelização.
Adriana Rabelo