Papa aos pobres em Assis: “Estamos aqui precisamente para aprender com o que São Francisco fez”
12/11/2021
Por ocasião do Encontro de oração e testemunho da quinta edição do Dia Mundial dos Pobres o Papa Francisco foi a Assis nesta sexta-feira, 12 de novembro. Depois de ouvir os testemunhos de alguns presentes e do momento especial de oração o Papa dirigiu algumas palavras aos presentes.
Francisco iniciou agradecendo a presença de todos em Assis e recordando que a cidade de Assis “tem impresso o rosto de São Francisco” que recebeu o chamado para viver o Evangelho à letra. E disse que embora a sua santidade de alguma forma nos assusta porque parece impossível imitá-la, devemos recordar certos momentos da sua vida que valem mais do que os sermões. E falou dos pequenos sacrifícios os “fioretti” que o Santo fazia, que foram reunidos para mostrar a beleza da sua vocação: “somos atraídos por esta simplicidade de coração e de vida: é a própria atração de Cristo, do Evangelho”. O Papa recordou uma dessas passagens quando Francisco vivendo na pobreza extrema conseguia alguma coisa para comer embora fosse pouca ele sempre a considerava como “um tesouro do qual não se sentia digno”, e dizia: “É precisamente isto que considero um grande tesouro, porque não há nada, mas o que temos nos foi dado pela Providência (…) Este é o ensinamento que São Francisco nos dá: saber contentar-se com o pouco que temos e partilhá-lo com os outros”
Homens e mulheres pedras vivas da Igreja
Ao recordar que o encontro se realizava na Porciúncula, uma das pequenas igrejas que São Francisco pensou em restaurar, o Papa disse: “Ele nunca teria pensado que o Senhor lhe pedisse para dar a sua vida para renovar não a igreja feita de pedras, mas a de pessoas, de homens e mulheres que são as pedras vivas da Igreja. E se estamos aqui hoje é precisamente para aprender com o que São Francisco fez”.
Marginalização espiritual
São Francisco “passava muito tempo nesta pequena igreja a rezar”, continuou o Papa, “recolhia-se aqui em silêncio e escutava o Senhor, o que Deus queria dele. Também nós viemos aqui para isto: queremos pedir ao Senhor que ouça o nosso grito e venha em nosso auxílio. Não esqueçamos que a primeira marginalização de que os pobres sofrem é espiritual”. O Papa recordou e agradeceu a todos os que ajudam os pobres, e disse que fica muito feliz quando “as pessoas param para falar e às vezes rezar com eles”.
Em seguida falou da acolhida. “Acolher significa abrir a porta, a porta da casa e a porta do coração, e permitir àqueles que batem à porta de entrar. E que podem sentir-se à vontade, sem medo. Onde existe um verdadeiro sentido de fraternidade, existe também a experiência sincera de acolhimento”
A fraqueza pode se tornar uma força que melhora o mundo
Neste ponto do discurso o Papa falou sobre o encontro.
“Encontrar-se é a primeira coisa, ou seja, ir ao encontro uns dos outros com o coração aberto e a mão estendida. Sabemos que cada um de nós precisa do outro, e mesmo a fraqueza, se experimentada em conjunto, pode tornar-se uma força que melhora o mundo”
O Pontífice em seguida abordou a questão dos que afirmam que os responsáveis pela pobreza são os pobres…. além da “hipocrisia dos que querem se enriquecer para além das medidas, se coloca a culpa sobre os ombros dos mais fracos”. E para contrastar o Papa afirmou com veemência: “É tempo que seja restituída a palavra aos pobres, porque durante demasiado tempo os seus pedidos não foram ouvidos. É tempo que se abram os olhos para ver o estado de desigualdade em que vivem tantas famílias. É tempo de arregaçar as mangas para restituir dignidade através da criação de empregos. É tempo que se volte a se escandalizar diante da realidade de crianças famintas, escravizadas, tiradas das águas quando naufragam, vítimas inocentes de todo o tipo de violência. É tempo que cessem as violências contra as mulheres e as mulheres sejam respeitadas e não tratadas como mercadoria. É tempo que se rompa o círculo da indiferença para retornar a descobrir a beleza do encontro e do diálogo”.
Coragem e sinceridade
Em seguida o Papa comentou os testemunhos das pessoas pobres agradecendo sua coragem e sinceridade. “Coragem, porque quiseram partilhar com todos nós, mesmo que façam parte da sua vida pessoal; sinceridade, porque se mostraram como são e abriram o seu coração com o desejo de serem compreendidos”.
Esperança e resistência
“Percebi um grande sentido de esperança. A marginalização, o sofrimento da doença e da solidão, a falta de muitos meios necessários não os impediu de olharem com os olhos cheios de gratidão para as pequenas coisas que lhes permitiram de resistir”
Por fim o Papa falou sobre resistir além da esperança: “Esta é a segunda impressão que eu percebi e que deriva da esperança. O que significa resistir? Ter a força para continuar apesar de tudo. A resistir não é uma ação passiva, pelo contrário, requer coragem para empreender um novo caminho sabendo que dará frutos”.
Concluindo disse: “Peçamos ao Senhor que nos ajude sempre a encontrar a serenidade e a alegria. Aqui na Porciúncula, São Francisco ensina-nos a alegria que vem de olhar para quem está próximo como a um companheiro de viagem que nos compreende e nos apoia, tal como nós somos para ele ou ela”.
As vozes emocionadas dos pobres que compartilham fé, alegria e dor com Francisco
O encontro de oração do Papa Francisco com os pobres na Porciúncula é como uma ponte de acolhimento longa mais de 800 anos que conecta, o que o Pobrezinho de Assis testemunhava junto com os primeiros frades, Clara de Assis e a fé, ao drama dos pobres de hoje ao lado do Pontífice. No gesto dos três pobres que entregam o manto ao Papa no adro da Basílica de Santa Maria dos Anjos é como se realmente existisse o jovem Francisco que ainda não abraçou a cruz e começou a consertar a Igreja de Cristo.
O manto que São Francisco doa ao nobre caído
Em 1204, o filho de Pietro di Bernardone é um jovem inquieto, vaidoso e bem vestido, mas também sensível e generoso, como conta São Boaventura e, ao encontrar um nobre caído, tem “piedade dele”. Ele tira o lindo vestido que acabou de comprar para si com o dinheiro de seu pai comerciante e o dá ao cavaleiro.
Com Jennifer, Luciano e Abrhaley o primeiro abraço
O jovem Francisco reaparece em Jennifer Amadin da Associação Madalena, ligada ao Irmão, movimento francês que desejou fortemente este encontro, que depois da doação do manto, lê uma saudação ao Papa, escrita numa folha de papel. Luciano, um romeno que mora em Roma, ajudado pela Caritas, digitou o que deveria dizer ao Papa num telefone celular. O terceiro foi Abrhaley Tesfagergs Habte. Ele é um refugiado cego da Eritreia que oferece a Francisco o bastão do peregrino e aperta sua mão. O Papa reza com ele e escuta sua história que vem do coração.
Florence, Thibault e Celeste: em missão com os últimos
Depois da oração silenciosa do Papa na Porciúncula, seguem-se os testemunhos dos pobres e dos que com eles compartilham suas vidas. Como Florence e Thibault Jarry, com a pequena Celeste, que ainda não completou 4 meses. Eles são um jovem casal de missionários entre os últimos da periferia de Paris. Ela conta que conheceu Thibault seis anos atrás no Chile, onde ambos, por conta própria, tinham ido em missão com a Misericórdia, associação fundada pelo casal franco-brasileiro Roman e Renate de Chateauvieux e fruto das palavras do Papa Francisco no Angelus de 17 de março de 2013: “A misericórdia muda o mundo, torna-o mais justo e menos frio”. Em seguida, Thibault contou como depois de um ano de missão, de volta à França, eles se confiaram ao Senhor para viver uma vida simples e pediram para serem enviados como casal missionário. “Nem sempre é fácil”, confessa, “deixar-nos ir ao que Deus preparou para nós. Testemunhamos a alegria de partilhar a vida quotidiana dos nossos vizinhos de bairro, feridos por uma grande pobreza material, mas também espiritual e de relacionamento. É o Senhor que nos espera por meio dos pobres”.
Sebastian: da violência e das drogas ao ressurgiu com Cristo
Na grande Basílica ressoa também a comovida voz de Sebastian del Valle Diaz, de Toledo, que lembro a avó que lhe transmitiu a fé e o amor pelo rosário, mas também a formação militar que o transformou num rapaz violento, que acabou no tráfico de drogas. Depois a prisão e, depois de outras recaídas, a conversão durante a pandemia, que o levou à experiência de saber que Deus cuida de cada um. “Hoje”, disse ele, “sou um mendigo do amor e da misericórdia de Deus. Jesus Cristo me ressuscitou!”
Gabriel, batizado aos 60 anos: “Agora busco a santidade”
O coro da Associação Irmão, com 13 cantores e músicos, entoa o cânone de Taizé “Abençoa Senhor minha alma”, enquanto o ex-morador de rua parisiense Gabriel Barbier, da APA, Association pour l’Amitié, toma a palavra. Aos 60 anos, ele que vem de uma família ateísta, foi batizado. “Nós, pobres de espírito”, disse ele, “podemos encontrar a nossa força em Cristo. Ele é a nossa maior riqueza. Às vezes nos vemos ridicularizados pelo mundo, mas eu sou um lutador. Conheci o desespero num mundo cada vez mais impiedoso, mas encontrei o amor de Deus”. Com o batismo, “Jesus transformou-me, a ponto de me fazer desejar a santidade. O meu receio é não conseguir invocar a Deus nas tentações”. E concluiu com uma oração: “Maria, dá-me a graça de pensar sempre em ti e de te invocar. ‘Vem em meu auxílio”.
Da Polônia Sebastian: “Deus me deu uma nova vida”
Sebastian Olczak, 37 anos, fala polonês. Até aos 16 anos viveu uma vida normal, numa família católica, depois experimentou droga e álcool. “Tive problemas com a lei e perdi o respeito por mim e pelos outros”. Desde 2007, era um sem-teto. Depois, a Associação Obra de Socorro de São Pio se aproximou dele, mas demorou um pouco para se entregar a ela e a Deus. “No final”, confessou ele, “admiti que sozinho eu não conseguia e implorei a Deus que me desse uma vida nova. E Deus não me deu as costas. Ele me mostrou uma vida fácil, mas não necessariamente feliz. A graça de Deus é hoje a minha experiência cotidiana”. “Antes eu me odiava”, concluiu, “e agora me aceito e me sinto um homem livre, que olha para si mesmo e para os outros através do amor de Deus. Tenho consciência de que ainda me espera um grande trabalho sobre mim”.
Farzaneh, voz de dor e orgulho das mulheres afegãs
Nas palavras de Farzaneh Razavi, acolhida em Foligno pela Caritas e pela Arca do Mediterrâneo, há o sofrimento de todas as mulheres afegãs, esmagadas por “uma sociedade patriarcal e misógina, que bloqueou “sonhos e aspirações”. Ela chegou à Itália em agosto, após o retorno dos Talibãs ao poder, “para se levantar com firmeza e seguir em frente”, mas com o coração ela ainda está “com as jovens do dormitório da Universidade de Cabul que hoje não podem ir à universidade, comprar pão, ir à padaria e se divirtir”. Farzaneh disse ao Papa que está preocupada com a sua família que ficou no Afeganistão e explicou que a sua vida lá estava em perigo, também por ser filha de hazari muçulmanos xiitas, e por isso perseguida duas vezes. Ela agradeceu à Igreja italiana por tê-la ajudado e salvado sua vida e a de muitas outras pessoas como ela, e disse que começou uma nova vida aqui, tentando ser útil para ela, sua família e a Itália. Olhando para a pobreza e a fome, que “tiram a vida a milhões de pessoas”, a jovem espera “que o mundo adote uma abordagem global para resolver este problema e não deixe o povo afegão sozinho”.
Abdul faz apelo para salvar os filhos que ficaram em Cabul
Depois dela, outro afegão, Qadery Abdul Razaq, em Foligno com sua esposa Salima, explicou que foi salvo pelo governo italiano, depois de ter trabalhado por 11 anos em Cabul para o Unicef como sociólogo. Abdul agradeceu também à Caritas local “pelo acolhimento, pela casa” e por tudo o que precisam” e aos jovens trabalhadores “que nos tratam como seus pais e nós como filhos”, mas diz estar muito preocupado “com parte da nossa família que permaneceu no Afeganistão”. Em lágrimas, ele se lembrou dos quatro filhos deixados em seu país” que colaboraram durante anos com o Exército italiano, e do outro que foi morto pelos Talibãs e outro ainda que é refugiado na Turquia. Precisamos de sua ajuda, Santo Padre, para salvar eles também”.
A dor de Mariana, apegada aos filhos criados com amor
Por fim, da Romênia o testemunho de Mariana, 43 anos, que chegou à Itália 15 anos atrás. Hoje, numa cadeira de rodas acompanhada por seus filhos de 24 e 22 anos. Ela contou, apesar da dor muito forte, que veio para a Itália para ser cuidadora, deixando os dois filhos com o marido. Quando ele morreu, ela os trouxe consigo para a Itália, mas 11 anos atrás a doença chegou, uma “síndrome dolorosa devastadora na coluna lombar e nas pernas, que abalou sua vida familiar e sua vida profissional. A cirurgia piorou a situação e Mariana hoje está inválida. A providência para ela e para os seus filhos foi a Caritas, cuja ajuda lhe permitiu viver com dignidade e alguns médicos “que Deus pôs em meu caminho”, disse ela, que a tratam gratuitamente. Mas Deus deu a ela força para criar os dois filhos “que hoje fazem de tudo para mim, a cuidadora, a empregada, a cozinheira, eles me dão banho. Encontro forças para seguir este calvário em Jesus. Estou sofrendo há 11 anos, não recuperei a saúde, mas suporto essas dores com uma dose de morfina para “cavalo”, que tira apenas 20 por cento da dor. Agradeço ao Pe. Eduardo que nunca me abandonou e, sobretudo, a Deus pela força que ainda me dá”.
Quinhentos pobres, muitas histórias de todo o mundo
Os quinhentos pobres protagonistas do encontro com o Papa Francisco estão ligados à Caritas da Umbria e à Associação francesa Irmão, e os de Roma à Esmolaria Apostólica, Caritas, Círculo São Pedro, Comunidade de Santo Egídio, Coordenação Regional da Família Vicentina, Centro Astalli e Acli.
Fonte: Vatican News (texto de Jane Nogara e Alessandro Di Bussolo )