“Fratelli tutti”, um ano depois: uma bússola para sonhar novamente
03/10/2021
Passou um ano desde quando o Papa foi ao túmulo do santo padroeiro da Itália para assinar a encíclica ”Fratelli tutti” sobre a fraternidade e a amizade social. Neste documento, que faz parte da Doutrina Social da Igreja, o Pontífice nos convida a sonhar juntos e a enfrentar as sombras do conflito, as sombras de um mundo fechado.
Sonhar o futuro
O Papa se dirige a todas as pessoas e ao mundo inteiro, abalado pela pandemia e dilacerado por flagelos como as guerras e a pobreza. Ele nos exorta a agir juntos, para “reavivar entre todos uma aspiração mundial de fraternidade”. “Sonhemos” – escreve -, “como uma só humanidade, como viajantes feitos da mesma carne humana, como filhos desta mesma terra que acolhe todos nós, cada um com a riqueza de sua fé ou convicções, cada um com sua própria voz, todos irmãos! Diante de “várias formas atuais de eliminar ou ignorar os outros”, o convite do Pontífice é “reagir com um novo sonho de fraternidade e amizade social que não se limite às palavras”. O Papa exorta a abrir caminhos de fraternidade, a “ir além das distâncias devidas à origem, nacionalidade, cor ou religião”. Como fez São Francisco em 1219, quando conheceu o Sultão Malik-al-Kamil no Egito.
A Encíclica sobre a Fraternidade
A encíclica Fratelli tutti abre com uma breve introdução. Está dividida em oito capítulos e reúne muitas reflexões sobre a fraternidade e a amizade social. No primeiro capítulo, “As sombras de um mundo fechado”, o documento se detém nas muitas deformações dos tempos contemporâneos, incluindo a manipulação de conceitos como democracia, liberdade e justiça. O segundo capítulo é dedicado à figura do Bom Samaritano. “Cuidemos”, – lê-se na encíclica -, “da fragilidade de cada homem, de cada mulher, de cada criança e de cada idoso, com a atitude de solidariedade e cuidado, a atitude de proximidade do Bom Samaritano”. No capítulo seguinte, Francisco salienta que “o vírus mais difícil de ser derrotado” é o “individualismo radical”. O quarto e quinto capítulos são dedicados aos temas da migração e “melhor política”. No sexto capítulo, emerge o conceito de vida como a “arte do encontro” com todos, incluindo as periferias do mundo e os povos indígenas. O sétimo capítulo se debruça sobre o valor e a promoção da paz. “A Shoah – lê-se – não deve ser esquecida”. É o “símbolo de onde pode chegar a maldade do homem”. No oitavo e último capítulo, o Papa se detém em “Religiões a serviço da fraternidade no mundo”: “as diferentes religiões, a partir do reconhecimento do valor de cada pessoa humana como criatura chamada a ser filho ou filha de Deus, oferecem uma valiosa contribuição para a construção da fraternidade e para a defesa da justiça na sociedade”.
Nas pegadas de São Francisco
Inspirada nas palavras do Pobrezinho de Assis, a terceira encíclica do Papa Francisco está em continuidade com a mensagem da Laudato Si’ sobre o cuidado da casa comum. E se associa ao encontro de 2019 com o Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb em Abu Dhabi e ao Documento sobre a fraternidade humana pela Paz Mundial e a convivência comum. Frei Carlos Alberto Trovarelli, ministro geral da Ordem dos Frades Menores, salienta que na encíclica Fratelli tutti o Papa Francisco não pensa numa transformação mágica, mas “sugere muitas maneiras de se chegar a um mundo melhor”. O que o Papa quer “é que os processos comecem”.
Comecemos pelo título da encíclica Fratelli tutti, que, como recorda o Papa, é a expressão utilizada por São Francisco “para dirigir-se a todos os irmãos e irmãs e propor-lhes uma forma de vida com o sabor do Evangelho”. O mundo, em todos os momentos históricos, precisa precisamente disto: que todos possam fazer ouvir sua voz e que todos sejam irmãos e irmãs…
Esta expressão é extraída dos escritos de São Francisco, das admoestações. É dirigida a todo o mundo, a todas as pessoas. Consideremos que a era de São Francisco, que não era tão obscura quanto muitos pensam (a Idade Média), foi uma época cheia de ideias, de novos movimentos e, entre eles, muitos movimentos laicos. Naquele ambiente, Francisco queria que todos ouvissem e escutassem a voz do Evangelho. Nesse mundo, onde existiam antigas e novas formas de poder, ouvir a proposta com o sabor do Evangelho é muito importante. Neste sentido, estamos agora em uma época muito semelhante: há tantas mudanças e também tantos novos movimentos. Parece que o mundo ainda precisa ouvir uma proclamação de fraternidade. Certamente, todos nós precisamos ouvir a todos. A Igreja precisa ouvir a todos. Mas o mundo também precisa disso. Parece-me que o Papa respondeu a isto: anunciar a fraternidade, a do Evangelho de Jesus.
Encíclica: uma mensagem dirigida a todo o mundo
Não uma utopia, mas o sonho de uma sociedade fraterna. Na encíclica Fratelli tutti, o Papa escreve que São Francisco “não se envolveu na guerra dialética impondo doutrinas, mas comunicou o amor de Deus”. O pobrezinho de Assis havia compreendido que Deus é amor e “ele despertou – acrescenta o Papa – o sonho de uma sociedade fraterna”. Este é o sonho que somos chamados a realizar…
O sonho que pode ser realizado. É uma questão de fazer existir o que ainda não existe. Isto é possível. Não sei se conseguiremos criar uma sociedade fraterna da noite para o dia. O sonho é realizável. Mas como isso é possível? Com nosso testemunho, como diz o Papa Francisco. Não na guerra dialética, como dizia São Francisco. É realizável com o testemunho. O próprio São Francisco enviou os frades para as cidades para testemunhar, para iniciar processos com o testemunho. Não sei se todos conhecem os nomes das personalidades mais importantes da época de São Francisco. Mas eles se lembram muito bem de São Francisco. Há uma peregrinação constante ao túmulo do Santo. Isto significa que o sonho é algo que existe. E isso é algo que podemos fazer.
Fonte: Vatican News (texto de Amedeo Lomonaco, Silvonei José )