500 anos de São Benedito: História e devoção no Convento Santo Antônio
21/08/2024
O Convento de Santo Antônio do Largo da Carioca, Rio de Janeiro (RJ), estava repleto de devotos, nesta terça-feira (20/08), para a Missa de Ação de Graças pela Visita da Relíquia de São Benedito ao Brasil. O fragmento do corpo do santo foi trazido pelo Frei Fernando Truppia e Frei Marcelo Badalamenti, da Província do Santíssimo Nome de Jesus, na Sicília, Itália.
Desde o último dia 8 de agosto, os frades percorreram localidades em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde as Irmandades do Rosário e de São Benedito estão presentes. No entanto, há mais de 30 dias eles estão em viagem pela América Latina, onde também passaram pela Venezuela e Peru, em comemoração aos 500 anos do nascimento do santo negro franciscano. Em terras brasileiras foram cerca de 10 lugares visitados, nos quais os fiéis puderam louvar São Benedito.
Na cidade carioca, o momento de encontro com a relíquia foi às 10h, na tradicional celebração do convento. Frei Walter Ferreira Junior, guardião e reitor, acolheu a todos e destacou a importância do momento.
A celebração foi presidida por Frei Alvaci Mendes da Silva, diretor da USF (Universidade São Francisco), em Bragança Paulista (SP), que desenvolveu uma pesquisa acadêmica sobre a vida de São Benedito, e coordena a visita da relíquia no país. Os concelebrantes foram Frei Gilberto da Silva, da Fraternidade Sagrado Coração de Jesus, de Petrópolis (RJ), Frei Guido Scottini, residente do convento e o diácono Elmo Irade.
Convidado pelo frade celebrante, Frei Fernando, guardião da relíquia, falou sobre a peregrinação devocional. “Viemos porque queremos solenizar os 500 anos de nascimento de São Benedito, o Mouro. Queremos nos encontrar com todos os devotos do santo e os que seguem a espiritualidade franciscana. Quando fazemos caminho de verdade, de seguimento de Jesus, não há um antes e um depois, somos todos contemporâneos, porque um caminho autêntico de fé nos faz sempre sermos contemporâneos a Jesus. Essa é a mensagem que São Benedito quer nos transmitir nesses 500 anos de seu nascimento. Deus me deu essa alegria de conviver perto de São Benedito e de seus devotos nessa contemporaneidade do santo. Vivemos em Palermo, onde São Benedito viveu”, salientou o frade italiano.
O frade visitante mencionou o incêndio ocorrido, em julho de 2023, na igreja do Convento de Santa Maria de Jesus (Santa Maria di Gesù), onde ficava o corpo incorrupto de São Benedito, que foi danificado. “Desse incêndio ainda salvamos algumas relíquias do santo. Uma parte significativa que restou do corpo de São Benedito está em peregrinação e presente nessa celebração”, explicou.
Frei Fernando comunicou que uma relíquia seria deixada no convento ao final da celebração, como forma de manter ainda mais forte a presença do santo para seus devotos. Ele convidou os fiéis presentes a percorrerem o mesmo caminho do santo fraciscano na terra. “ Não olhem para baixo, olhem para o alto, como dizia São Benedito. Nossa verdadeira pátria não é o Brasil, a Itália ou qualquer parte do mundo, a nossa verdadeira pátria e o céu. Essa experiência que ele viveu, a seu modo, a Palavra de Deus. Como dizia São Benedito: ‘Se percorremos o verdadeiro caminho buscando o céu, nós experimentaremos aquilo que eu estou experimentando’”, concluiu.
Em sua homilia, Frei Alvaci falou sobre a importância da presença da relíquia no Rio de Janeiro. “É muito significativo para nós celebrar São Benedito e encerrar praticamente o programa dessa peregrinação aqui no Convento de Santo Antonio. Frei Fernando e Frei Marcelo, estão percorrendo várias cidades em paróquias, santuários, lugares onde a devoção a São Benedito é forte. É simbólico terminarmos no Convento de Santo Antônio, porque o primeiro milagre atribuído a São Benedito, no Brasil, foi nesse lugar”, destacou
De acordo com o frade, o caso foi relatado por um franciscano que vivia no convento, chamado Frei Apolinário da Conceição, e apresentado em sua primeira biografia entitulada “Flor Peregrina”, na qual descreve o milagre do santo negro.
O milagre
Frei Alvaci contou que uma sinhá (senhora), tinha uma negra escravizada, que era mãe de um menino de aproximadamente 4 anos de idade, muito querido pela dona da casa. Certo dia, a criança engasgou-se com uma espinha de peixe. Rapidamente, a sinhá levou a criança ao convento, e pediu para que o frade passasse o cordão de Santo Antônio no pescoço do menino para que ele desengasgasse. O frade atendeu o pedido, mas de nada adiantou. Então, ela pediu aos frades que rezassem para São Francisco e, novamente, a tentativa foi em vão. Diante daquela situação, o guardião do convento lembrou-se de um frade negro, que havia falecido há poucos anos tempo, em Palermo, na Itália, mas já tinha relatos de que aquele homem era santo. Esse frade sugeriu à mulher que rezasse e pedisse para que Frei Benedito intercedesse por aquele menino. A sinhá voltou para casa e disse para a mãe do garoto rezar e pedir para que Benedito curasse seu filho. No outro dia a criança acordou curada. O menino relatou à mãe que um frade, vestido de Santo Antônio, o visitou, chamando-o de parente (forma como os negros escravizados chamavam aqueles que tinham a mesma cor de pele) e o curou. Esse foi o primeiro milagre no Brasil.
O frade salientou que em vida São Benedito já havia feito milagres na região onde morava, e os frades que estavam no Brasil fizeram questão de trazer e fortalecer a devoção e, segundo ele, devido a proximidade com o povo, a devoção ao santo cresceu muito no Brasil. “No começo a devoção a São Benedito era limitada aos altares dos conventos. Depois, devido à popularidade do santo, ele foi para as ruas, para junto do povo, virando festa popular, sendo louvado por meio das congadas, dos moçambiques, das marujadas, do reizado. Também é forte sua presença nas comunidades remanescentes de quilombo e outras comunidades afros. Nesses lugares São Benedito virou um grande modelo de homem santo que pode ser seguido”, destacou.
Passos santos de São Benedito
A homilia também foi um momento para os devotos conhecerem mais detalhes sobre a história de São Benedito. “Primeiro ele foi eremita, recluso, que vivia em constante oração e penitência. Mas, depois, com o fim dos eremitérios, São Benedito foi viver no Convento de Santa Maria de Jesus, onde tornou-se franciscano. Nunca deixou de ser um homem muito simples, iletrado, que também foi porteiro, guardião e chegou a ser mestre de noviços. Com sua simplicidade assumiu várias funções no convento. Ele foi um modelo de santidade que hoje, 500 anos depois, recordamos e lembramos, cantamos, dançamos, festejamos e nos alegramos”.
Segundo o frade, o Evangelho do dia foi muito apropriado para o momento e estava voltado para aqueles que se colocam no seguimento de Jesus Cristo, como fez São Benedito. “ São os pequenos deste mundo que se tornam os primeiros, diz a frase final do Evangelho. “Que possamos olhar para esse modelo de santidade, apresentado no Brasil, lá no começo quando ainda éramos colônia de Portugal. Posso olhar hoje para esse santo, 500 anos depois do seu nascimento, é aprender com sua obediência, simplicidade e humildade. Um olhar para alguém que se colocou a serviço, fazendo bem feito aquilo que escolheu fazer”, disse admirado.
“As escolhas que fazemos são múltiplas, diversas, cada um faz a sua. O bonito é a gente vier bem, com intensidade aquilo que escolhemos fazer. Ainda temos muito o que aprender com São Benedito, aquele que se colocou inteiramente à disposição de Deus, fazendo da sua vida serviço, da sua vida franciscanismo, da sua vida entrega a Deus. Que ele nos ajude a sermos homens e mulheres seguidores de Jesus Cristo, nosso grande modelo de vida, através dos nossos santos’, concluiu.
Seguindo para o final da celebração, Frei Walter agradeceu a presença dos devotos do Rio de Janeiro e Minas Gerais e convidou os presentes para, após a celebração, saborear um bolo de festa oferecido pelo senhor Roberto Curi, em nome da SARCA ( Sociedade Amigos da Rua da Carioca e Adjacentes), para festejar os 500 anos do nascimento de São Benedito.
Uma canção de fé
Frei Athaylton Jorge Monteiro Belo, o Frei Tatá, da Fraternidade Nossa Senhora Aparecida, em Nilópolis (RJ), que também estava presente na celebração, foi convidado para cantar uma música de sua autoria. Mas, antes pediu para todos rezarem a oração de São Benedito.
Glorioso São Benedito, grande confessor da fé, com toda a confiança venho implorar a vossa valiosa proteção. Vós, a quem Deus enriqueceu com os dons celestes, impetra-me as graças que ardentemente desejo para maior glória de Deus. Confortar o meu coração nos desalentos
Fortificai a minha vontade para cumprir bem os meus deveres e vinde orientar-me nas horas decisivas da vida. Dai-me confiança nos desânimos e sofrimentos. Sede o meu companheiro nas horas de solidão e desconforto
Assisti-me e guiai-me na hora da minha morte, para que eu possa bendizer a Deus neste mundo e gozá-lo na eternidade com Jesus Cristo, a quem tanto amastes.
Amém, São Benedito
Na sequência, acompanhado pelos fiéis da sua comunidade, o frade cantou :
O perfume da graça (Letra e Música: Frei Tatá)
O perfume da graça é muito mais que o aroma do café deste homem bom.
Benedito é (bis)
Sejam bem-vindos
O maior milagre é o dom de fé
Ver nosso povo sorrindo, sambando, brincando Moçambique é (bis)
O perfume da graça (Ref)
Vejam as flores, o que era pão, lá no coração é partilha, é dom,
É negra felicidade. (bis)
Após entoar o canto, Frei Tatá agradeceu a chegada das relíquias e a história contada durante a celebração, e falou em voz alta: “Viva São Benedito! Viva Nossa Senhora do Rosário!”. Segundo ele, onde está um santo, o outro também está .
No final da Santa Missa, Frei Fernando deixou uma mensagem a todos e entregou a relíquia de São Benedito que ficará exposta no Convento Santo Antônio.
“Antes de tudo vamos entregar a relíquia para o convento, que contém as cinzas de São Benedito, atestada pelo arcebispo de Palermo”. A pequena relíquia que ficará numa peça de vidro lacrada, com o selo que certifica sua originalidade, foi entregue a Frei Walter.
O frade guardião da relíquia também leu uma mensagem enviada pelos Frades Menores da Sicília.
No final, Frei Alvaci abençoou os pães de Santo Antônio e, junto com os demais frades, finalizou a celebração dando a bênção final com a relíquia do santo negro franciscano.
“São Benedito, santo preto, rogai pelo nosso país, rogai pelas nossas famílias, rogai pela nossa igreja, por cada um de nós. Nós vos pedimos, São Benedito, derrame suas bênçãos sobre cada um de nós. Amém! Viva São Benedito!
Texto: Adriana Rabelo/ Fotos: Frei Felipe Medeiros Carretta