Carisma - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Santa Coleta de Corbie: em retiro e em relação

coleta_070218_500221, editada pelos Franciscanos de Paris, publicou artigo sobre Santa Coleta, clarissa, reformadora, nascida em Corbie. Difícil traduzir adequadamente o título do texto em francês (En retraite et en réseau… Saint Colette). A reformadora do século XV vivia pelas estradas, mantendo incontáveis relacionamentos e, ao mesmo tempo, era a mulher do retiro, do recolhimento, ou seja, vivia em retiro e em relação. Apresentamos uma tradução do texto, com mínimas modificações aqui e ali. O texto é de autoria da Irmã Marie-Colette, OSC.
Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM


Coleta nasceu em Corbie, perto de Amiens, na França, e desde o seu nascimento foi marcada pelo céu. Era o tempo do grande cisma do Ocidente e o governo da Igreja era disputado por três papas, um em Roma, outro em Avignon e um terceiro em Pisa. A França, como a Espanha e a Escócia, prestou juramento de fidelidade ao papa de Avignon, Pedro de Luna, (Bento XIII), Coleta se dirige a Avignon para comunicar ao papa a missão que havia recebido. Bento XIII, muito impressionado com esta religiosa de 25 anos, coloca-lhe o véu e lhe dá o cordão e a nomeia superiora de todos os conventos que ela fundaria ou reformaria. Vemo-la em Besançon, Auxonne, Gand, Poligny, Amiens, etc. É tida como visionária, fanática, louca.

Deus, no entanto, vai semeando milagres ao longo seus passos e conseguiu que as clarissas voltassem ao vigor de sua regra primitiva na França, na Espanha, no país de Flandres e na Savoia. Funda 17 conventos. Ajuda também São Vicente Ferrer a resolver o cisma papal. Morre em Gand (Bélgica) a 6 de março de 1447. Seu culto se desenvolve sobretudo depois da peste de Gand. Suas relíquias foram transferidas para as clarissas de Poligny (Departamento de Jura, na França) num convento fundado por ela mesma.

Soeur Marie-Colette, autora deste texto, Clarissa de Nice-Cimiez, é historiadora da Ordem de Santa Clara e entusiasmada especialista de Colette “a mendiga, cor de poeira”, como a designava Paul Claudel.

“Retiro” e “relação”: são dois termos aparentemente contraditórios, mas ambos se encaixam bem na figura de Santa Coleta, desde que os definamos de maneira bastante ampla. “Retiro” (retrait, em francês), não como fechamento, mas como distância que protege uma intimidade, sem isolar e “relação” (réseau) como um conjunto de relacionamentos que coloca a pessoa em contato com diferentes espaços de vida e com uma finalidade bem demarcada. Duas imagens se me impõem: a de uma reclusa dentro de muros de um mosteiro e de seus aposentos acanhados e a imagem, talvez um pouco insólita, com seu amplo chapéu percorrendo as estradas da França. Chegam-me à mente também passagem de um belo poema de juventude de Paul Claudel que vê “essa mendiga de cor de poeira caminhando por ladeiras empinadas e pedregosas, seguida por quatro ou cinco mulheres ou camponeses em fileira, a primeira montada num burrico que olha para Deus”.

Coleta tinha o desejo de permanecer junto a Deus na oração e, ao mesmo tempo, se lançava através das estradas em vista de uma missão que manifestamente a ultrapassava: a reforma da Ordem. Desenvolvia intensa atividade e, ao mesmo tempo, respondia a um apelo fortíssimo e imperioso de dedicar-se somente a Deus. Graças a seu notável equilíbrio não parecia um ser dilacerado. Mas afinal de contas, quem era ela na realidade?

Coleta nasceu em Corbie, na região da Picardia, na França em 1381, no lar de um modesto artesão carpinteiro. Seu nome era Nicolette Boillet, nome que recebeu em homenagem ou agradecimento a São Nicolau já que tinha nascido de pais com idade avançada. Os pais tinham a convicção de que a menina era fruto de pedido que haviam endereçado a São Nicolau. Passou a ser conhecida pelo apelido de “Colette”. Sua cidade, na verdade, vivia à sombra da venerável abadia de São Pedro e desde sua mais tenra infância Coleta, fascinada pela oração dos monges, escapava de casa para escutá-los cantar. Seus biógrafos são unânimes em registrar, desde sua infância, seu gosto pelo recolhimento. Distanciava-se das brincadeiras das crianças de sua idade e se escondia na parte mais retirada da casa, para rezar em segredo.

Bem rapidamente revelou-se sua forte personalidade. Ainda adolescente, reunia mulheres da vizinhança, escreve Irmã Perrine, para lhes falar “do perfeito amor de Deus, da profunda humildade de nosso Senhor Jesus Cristo, de sua amaríssima morte e de sua Paixão e de como é necessário servi-lo diligente e fervorosamente”… Estas exortações não duraram muito tempo, mas continham em germe dois movimentos: vida recolhida e vida em relação, sede de Cristo e ardor em transmitir aos outros o que recebia na oração.

Na busca de sua vocação
Em torno de seus 18 anos, Coleta perde os pais. Deseja consagrar sua vida ao Senhor, mas não consegue discernir claramente que caminho tomar. Começa então para um penoso tempo de busca. Examina os caminhos clássicos que lhes são próximos: as beguinas, um mosteiro de beneditinas, as clarissas urbanistas da abadia real de Moncel, perto de Beauvais. Nenhuma dessas experiências satisfaz seu desejo de radicalidade. Depois de muitas tentativas, um franciscano, o Padre Pinet, guardião do Convento de Hesdin, que ela havia escolhido como conselheiro lhe propõe a reclusão (reclusage). Tratava-se de uma modalidade de consagração muito frequente na época, sobretudo para as mulheres que não podiam viver como eremitas devido à falta de segurança. Não fugindo do mundo, as reclusas se instalavam nas encruzilhadas estratégicas, ao lado de uma igreja, junto a uma das portas da cidade. Mesmo que a reclusa vivesse no interior de uma casa e fizesse voto de não sair, não estava completamente desligada do mundo. Estava afastada, atrás das grades, mas em comunicação com a população que vinha lhe pedir oração, conselhos, solicitar trabalhos, trazer algo para que comessem. As cidades sentiam-se orgulhosas de ter uma reclusa, já que sua função quase oficial era a de rezar pela cidade.

Em reclusão 1402-1406
Coleta tinha 20 anos quando ingressou na “reclusão”, a 17 de setembro de 1402, depois de ter vestido o hábito de terceira de São Francisco. Muitas pessoas vinham ter com ela e, escreve Irmã Perrine, “trabalhava com muita eficiência através de exortações e conselhos acertados pedindo que se afastassem do pecado e dos laços do inimigo do inferno para levá-las a conhecer a Deus e amá-lo da maneira mais perfeita possível”. Eram tantas as visitas que recebia que o Padre Pinet, num certo momento, precisou limitar seus horários de parlatório a duas ou três horas por dia. Coleta não estava ainda “em rede”, mas permanecia sempre ligada (en lien). A reclusão foi dura prova. Viveu fortes experiências místicas e duros combates contra os demônios e as forças do mal. Foi ali, que segundo Pierre de Vaux, ela teve um dia esta “maravilhosa e espantosa visão em que ficou conhecendo os defeitos e ofensas que, contra Deus e com seu imenso desagrado, eram perpetrados em todos os estados da Igreja e pelo braço secular, quando nosso glorioso pai São Francisco a apresentou ao Senhor para que a enviasse em vista da missão de reformar sua Ordem”. Deve-se dizer que Coleta sempre se sentira impulsionada a trabalhar pela reforma da Igreja, a começar pela família franciscana. Foi um combate interior cheio de angústia, verdadeira agonia, cuja lembrança nunca a deixará. Tinha consciência cruel da falta de meios de que pudesse dispor para a reforma e de sua incompetência. Acabou por dar o assentimento no fundo do coração, esperando o momento de agir.

O contexto não era nada favorável. A França estava dilacerada pela guerra dos cem anos, acrescentada de guerra civil entre facções rivais dos Armagnacs e dos Bourguignons; era ocupada em parte pelos ingleses, saqueada pelos grandes exércitos. Mal e mal estava se recuperando da peste negra. A Igreja estava dividida pelo grande cisma e os dois campos rivais não tinham interesse de reverter a situação. A decadência atingia todas as ordens religiosas. As clarissas não escapavam de tudo isso. A Regra de Santa Clara tinha sido praticamente deixada de lado ou considerada como uma mera utopia. As imponentes abadias reais e ricamente dotadas serviam como modelo de referência e a regra de Urbano IV era a norma, com propriedades, as irmãs servas (leigas) ou conversas e também o cuidado pela administração dos bens e processos contra usurpadores e os maus pagadores. Ocupavam-se de tudo o que as monjas diziam ter abandonado. A reforma era inadiável.

Aqui e ali, é verdade, anteriormente, iam acontecendo reformas. Sem apoio, no entanto, elas vieram a abortar. Pequenos conventos reformados foram surgindo simultaneamente na Itália, na Espanha e na França, em Mirabeau (Poitou). Tratavam-se de iniciativas espontâneas, sem estruturas oficiais e sem coordenação, como se comentava.

Foi então que Henri de Baume, franciscano, natural da Savoia, que deveria ser o maior colaborador de Coleta chegou a Mirebeau em busca de um convento mais fervoroso. Havia um convento em Hesdin, no norte. O Padre Pinet que orientara Coleta na opção pela reclusão residia nele. Os frades ditos “observantes” eram pouco tolerados pelo conjunto dos outros frades e nada podia ser feito de fato sem apoio do papa e dos grandes. A missão de Coleta parecia difícil e até mesmo impossível.

A viagem a Nice e os começos da reforma
Frei Henri de Baume veio visitá-la. Deu sua plena adesão à missão para a qual ela se sentia investida e imediatamente se pôs a seu serviço permitindo que ela se beneficiasse de toda a rede de seus relacionamentos. Frei Henri, descendente de nobre família da Savoia, era, com efeito muito bem relacionado.

A partir de então esta jovem órfã de modesta condição, sem dinheiro, nem cultura, nem renome poderá contar com o apoio de nobres senhores e poderosas senhoras.
Graças a Henri de Baume, recebeu a visita, em Corbie, da baronesa de Brisay cujo esposo era proprietário de terras em Mirabeau e pôde se beneficiar do apoio da condessa Branca de Savoia, irmã do precedente papa de Avignon , Clemente VII.

A baronesa de Brisay acompanhou pessoalmente Colete a Nice onde residia o papa Bento XIII e se encarregou de preparar cuidadosamente o encontro. A entrevista em Nice era decisiva para o futuro da reforma. Conduzida até o papa, Coleta expos o teor de sua solicitação. Tinha dois pedidos a fazer: “O primeiro que ele lhe permitisse entrar no estado de vida evangélica, quer dizer, entrar na segunda ordem, ou seja, a ordem das Senhoras Pobres, observando a Regra que o Pai Francisco havia dado à Senhora Santa Clara, e o segundo, a reparação e restauração das ordens que o Senhor Francisco havia instituído”.

As solicitações eram como que exorbitantes. Após uma perfeitamente compreensível hesitação que lembrava o sentimento de Inocêncio III diante do pedido de São Francisco no Latrão, Bento XIII, ele mesmo, recebeu Coleta na Ordem de Santa Clara. O papa a “faz professa da dita Ordem, colocou-lhe um véu sobre a cabeça, cingiu-a com a corda e entregou-lhe a Regra de Santa Clara. Depois abençoou-a e a fez mãe e abadessa de todas as religiosas que deveriam vir da reforma da dita ordem” (Pierre de Vaux). Era 14 de outubro de 1406. Poucos dias depois, o mesmo papa lhe deu a permissão de fundar um mosteiro, de receber as religiosas de outros mosteiros que desejassem abraçar a reforma, mesmo contra a vontade de suas superioras.

A partir de então Coleta tem a qualificação de “monja da Ordem de Santa Clara”. Sendo clarissa com a permissão de fundar, nada impedindo que fosse também abadessa e pudesse assim dirigir um mosteiro que seria o primeiro elo de uma reforma. O papa concedeu-lhe ainda favor especial: “Que possas ter junto de ti dois frades menores… por ti escolhidos (mesmo no caso em que eles tendo pedido licença a seus superiores e não podendo obtê-la) possam residir e trabalhar contigo na fundação do mosteiro de Hesdin e em todas as outras missões que achares bom lhes confiar… Que possas fazer com esses frades regressem a seus mosteiros e a seus superiores e os substituas por outros com as mesmas funções”.

Assim o papa atendia plenamente os pedidos desta jovem totalmente desconhecida. Sem dúvida Coleta inspirou confiança ao papa, sem esquecer o peso de seus acompanhantes.

Um laborioso começo 1406-1410
De volta à Picardia, Coleta propõe-se a fundar um mosteiro em sua cidade natal. Defronta-se com a oposição tenaz dos monges de Corbie, que não se deixaram impressionar com o aval que lhe dera o papa. Terá também que enfrentar a oposição dos habitantes da cidade que, decepcionados pelo fato de ela ter deixado a reclusão, acusam-na de instabilidade e mesmo de loucura. Deixa Corbie com duas de suas fieis companheiras. Ainda uma vez a intervenção de Henri de Baume é decisiva. Este procura-lhe refúgio no castelo de seu irmão Alard de la Baume e depois Branca de Savoia haveria de abriga-la em seu castelo de Fontenay. Várias jovens se juntam a ela, inclusive duas sobrinhas de frei Henri. Ali vai nascer e viver durante perto de quatro anos a primeira comunidade de clarissas reformadas, até o momento em que o papa lhe conceda o mosteiro de Besançon, no Condado Franco. Ele não estava sendo habitado apenas por duas clarissas urbanistas. Coleta dele toma posse em 1410. Imediatamente apressou-se em transferir as propriedades para o hospital da região e reintroduzir a Regra de Santa Clara. Esta forma de vida bem como seus dons de taumaturga se tornam rapidamente conhecidos e sua reputação se amplia. A reforma começa a dar seus passos. Coleta não tem mais necessidade de apoiar-se nos relações de Frei Henri que continua sendo um colaborador fiel, dando apoio em todos os instantes. Os nobres chegam até ela e ela vai contar com preciosos amigos em seu meio. Criava-se uma rede de relações.

A difusão da reforma e o relacionamento com os “grandes”
Margarida da Baviera, duquesa da Borgonha, esposa de João sem Medo, chama-a para Dijon pensando numa fundação no puro estilo das fundações senhoriais do século precedente, manifestamente para ter perto dela monjas santas a quem pudesse pedir orações. Coleta fica contente com o convite que lhe permite continuar sua obra de reforma. Para sua implantação, no entanto, não escolhe a cidade de Dijon, próxima demais da corte, mas a pequena cidade de Auxonne. Instala-se primeiramente, com algumas irmãs, numa casa provisória para poder acompanhar as construções que ela queria “pequenas, pobres, baixas”, sem sinal nenhum sinal de ostentação. Depois foi a vez de Poligny, em 1417. Coleta estabeleceu também uma comunidade em Seurre no ano de 1423. Sua reputação já havia ultrapassado os limites da Borgonha.

Os laços de parentesco que, apesar de rivalidades, uniam as grandes famílias principescas que já não se sentiam estrangeiras. Havia laços de parentesco entre as Casas de Savoia e de Bourbon . Não é pois de estranhar que ao mesmo tempo Marie de Berry, duquesa de Bourbon venha entrar em relação com Coleta. Se Marie de Berry desejava fundar um convento em Moulins foi como expiação do crime que seu filho havia perpetrado participando do assassinato de João sem Medo, em Montereau, em 1419. Coleta fundava assim comunidades em dois principados rivais. Houve a suposição de uma cumplicidade entre essas esposas ou mães inquietas com todas essas manifestações de violência e desejosas de sufocar a atrocidade dos combates com uma ampla rede de orações.

Pouco depois, sempre no território da duquesa de Bourbon, erige-se o mosteiro de Aigueperse. Foi lá que Isabel de la Marche, filha primogênita do ex-rei de Nápoles Tiago de Bourbon, recebeu o hábito das clarissas e que Coleta entrou em contato pela primeira vez com a poderosa família dos Bourbon-La Marche que lhe foi muito devotada e lhe abriu as portas do Languedoc. Ali houve fundações em Castres (1432) e Lésignan (1436) e foi chamada pela comunidade de Beziers, cidade pertencente também ao rei Tiago para realizar aí a reforma. Foi em Aiguesperse que Claudia de Roussillon, viscondessa de Polignac, encontra Coleta e concebe o projeto de construir um mosteiro em Puy. Deveria enfrentar ferozes oposições notadamente da parte dos franciscanos (cordeliers) e dos cônegos da catedral, mas forte apoio das famílias poderosas da casa real. No final de doze anos consegue levar a empreitada a bom termo.

Seria fastidioso continuar a exposição de todas as reformas, mas não se pode, porém, deixar de recordar que a esses laços de alto nível deve-se juntar o relacionamentos com importantes funcionários que por meio de suas intervenções facilitaram os trâmites. Assim, foi se ampliando grandemente os relacionamentos desta reformadora.

Vicissitudes e discernimento
Coleta viveu no século XIV. Os tempos eram bem outros comparando com a época de Santa Clara. No século XIII, com efeito, as comunidades surgiam muitas vezes por iniciativa de moças e jovens senhoras que desejavam se consagrar ao Senhor e viver o ideal evangélico. Uniam-se e colocavam em comum seus bens. Os começos eram as mais das vezes modestos e o mosteiro crescia na medida em que a comunidade ia se desenvolvendo. Era a primavera das origens: uma primeira explosão informal.

No tempo de Coleta a iniciativa era tomada pelos importantes que desejavam ter em seus territórios comunidades de monjas fervorosas que rezassem prioritariamente em suas intenções. Coleta aproveita da melhor maneira possível tais circunstâncias para empreender sua reforma. Cabe aqui esclarecimentos a respeito da intervenção dos “grandes”.

De um lado, apesar deste poderoso auxílio, a missão de Coleta nem sempre foi fácil. Os adversários da reforma multiplicavam os obstáculos. Em Aigueperse os cônegos da catedral faziam destruir à noite as construções realizadas durante o dia. Em Amiens a oposição foi tão obstinada por parte do clero secular e de uma parte da população que Coleta precisou apelar para seus relacionamentos para obter êxito na empreitada. Em Corbie, quase no final de sua vida, a reformadora tentou ainda uma vez uma nova fundação, mas apesar da autorização do papa Eugênio IV e o apoio de seus grandes protetores, a oposição dos monges da Abadia São Pedro foi irredutível e ela não teve outra alternativa senão desistir do intento.

De outro lado mesmo que as pessoas influentes fossem os fundadores Coleta nunca permitiu que os prédios dos mosteiros fossem vastos e imponentes. Com toda evidência construções modestas destoavam do senso de orgulho dos grandes. Coleta também não permite que os “importantes” se imiscuam nos assuntos internos da comunidade. Não gozavam de privilégios como de nomear a primeira abadessa, de apresentar candidatas, de entrar na clausura, etc… A única exceção foi o que concede à sua velha amiga Branca de Savoia: ser enterrada na capela do mosteiro. As constituições das capelanias e fundações de missas ficavam encarregadas de mandar celebrar missas na intenção de sua alma.

Assim o tipo de coerções sociais que tanto haviam pesado sobre os mosteiros urbanistas do século XVI e que estiveram na raiz da decadência tornaram-se forte motivo para a reforma.
Quando morre em Gand (Bélgica) a 6 de março de 1447 ela havia fundado 15 mosteiros e reformado 2. Nunca poderia ter tido êxito se não contasse com o apoio de famílias nobres que colocavam seus poderosos meios à sua disposição: um terreno para construir, homens e material para a construção, autorização e dispensas necessárias e religiosas para povoar as novas casas.

Evidentemente as fontes de que dispomos, privilegiam a ação dos grandes porque tinham condições de dar uma contribuição mais eficaz para a reforma. Isso, no entanto, não quer dizer que a população como tal estivesse alheia ao empenho das reformas.

Em Gand foram os burgueses da cidade que pediram a fundação de um mosteiro e Coleta os encarregou de zelarem pela bom nome da comunidade: “A única preocupação que deveis ter é a de que neste mosteiro nada se faça contra a observância regular”.

Alguns desses personagens se dedicavam completamente ao serviço das irmãs como Bartolomeu de Dijon para quem Coleta endereça uma carta de agradecimento e de afiliação. No tocante ao povo as fontes são mais discretas. O que se nota é aqui e ali menção a alguns milagres. Vemos pessoas acorrerem aos caminhos por onde a reformadora devia passar. Esta escassez de informações se deve à natureza dos documentos conservados. Não se pode falar de “rede”.

O segundo grupo de relacionamentos é representado pelos frades: porque a construção de mosteiros não bastava. Necessário se fazia garantir o apoio espiritual às comunidades e sua fidelidade à reforma.

A “rede” religiosa

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Santa Clara e Santa Coleta (c. 1520), pelo Mestre da Lourinhã (Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, Portugal).

Bento XIII havia bem compreendido esta necessidade. Havia concedido a Coleta uma bula autorizando que ela escolhesse dois frades menores para ajuda-la em seus propósitos. Bem cedo nem isto era suficiente.

Coleta retoma a Regra de santa Clara que determinava a assistência de quatro frades, sendo dois sacerdotes e dois irmãos leigos e inscreveu esta determinação nas constituições aprovadas em 1434. Queria somente frades que estivessem em consonância com a reforma para que com sua assistência espiritual e não desviassem as irmãs do caminho que ia sendo traçado. Tal preocupação de Coleta era legítima já que os conventos conheciam uma época de vida menos observante. Não havia convento reformado na região da Bourgongne nem em sua circunvizinhança. Desde o momento em que se estabeleceu em Besançon procurou convencer os frades a que se reformassem. Contava apenas com sua força de persuasão e a do padre Henri de Baume que lhe havia ajudado de maneira eficaz. Não foi nada fácil a tarefa. Os frades “cordeliers” de Besançon obstinadamente se recusaram. Em 1412 “vários notáveis, padres da comunidade de Dole, vieram ter com ela”. Num primeiro momento ela enviou Frei Henri e depois ela mesma se dirigiu ao convento de Dole e, escreve Irmã Perrine, “houve bom entendimento entre os frades e suas irmãs”. Coleta conseguiu persuadir os frades. A partir de então o convento de Dole foi considerado como o “seminário da reforma coletina”.

Em 1427, o Ministro Geral tomando conhecimento do fato, concedeu-lhes uma certa autonomia designado a Frei Henri vigário dos “coletinos”. Para eles Coleta foi mãe venerada e acatada guia espiritual. Uma das poucas cartas de Coleta conservada foi dirigida a Frei Pierre de Vaux, seu principal colaborador, depois do falecimento de Frei Henri de Baume. O documento em questão é rico em conselhos espirituais “Aquecei vosso coração na bendita paixão de vosso bendito salvador. Carregai e senti seus sofrimentos como verdadeiros filhos… andai com ele por todas as partes… menosprezai todo amor que não seja o seu… Que vossa esperança seja nele colocada”.

Coleta sabe fazer valer sua autoridade na qualidade de responsável pela reforma. Em carta a Frei Lainé, confessor das clarissas de Puy, comunica com firmeza a chegada de seu substituto já que, diz ela: “Compreendi que não podeis mais exercer boamente o ofício” e o encoraja exortando: “Assumi com paciência vossa fraqueza e idade já avançada, reconhecei as graças que vos foram concedidas na santa vocação que vos foi concedida por bondade…”

Seu relacionamento com os frades e as irmãs tem um tom afetuoso como num ambiente familiar. Percebe-se uma conivência através do relato da Irmã Perrine. Quando esta descreve um acontecimento da vida de Coleta assinala muitas vezes que o havia escutado da boca de um frade. Pressente-se “uma intensa vida fraterna, fundada na decisão de se dar juntas a uma obra da qual Coleta é o pivô e o motor”, escreve Elisabeth Lopez em seu livro Culture et Sainteté. Colette de Corbie (1381-1447), 1994, coleção do CERCOR.

Coleta cuida de não se fechar no seu pequeno círculo, junto dos que lhes são fieis, Alimenta laços estreitos com o ministro Geral Guilherme de Casal que aprova suas constituições em 1434 juntamente com membros dos altos escalões a Igreja. Foram encontradas cartas dirigidas a Coleta pelo Cardeal Cesarini, presidente do Concílio de Bâle. Há relacionamentos entre as duas “redes”.
Com o Cardeal Cesarini os laços não são apenas circunstanciais. Um outra carta, data de 7 de setembro de 1438, dá a entender uma maior frequência na correspondência: “rendo muitas graças porque vos dignastes me visitar várias vezes através de vossas amáveis cartas”. O eclesiástico pede suas orações para o Concilio e anexa à correspondência uma oferta de 12 florins para a compra de roupas “porque é justo que um filho supra as necessidades da mãe… e eu sou vosso filho”.

Com os responsáveis de outros ramos da reforma, animados do mesmo desejo de radicalidade evangélica certamente houve contatos mas não se pode falar de uma “rede”. No que tange ao relacionamento com os observantes franciscanos o entendimento não foi dos melhores.

O objetivo era o mesmo: alcançar a reforma da Ordem. Em 1425 São Bernardino de Sena, num de seus sermões dá graça a Deus: “pelos mosteiros reformados da Ordem de São Francisco e de Santa Clara na Bourgogne graças à senhora Nicolette de França”.

Depois do capitulo de 1443 que fez soçobrar toda esperança de união muda-se a situação: a luta da influência entre observantes e conventuais se acentua cada vez mais e cada campo procura agregar o maior número de frades… O apoio de Coleta é sobremodo requisitado. O novo vigário geral dos observantes ultramontanos, Jean Maubert, escreveu-lhe em diversas ocasiões.
Coleta é mulher de relação e de ação. Devido às necessidades da reforma está sempre disposta a percorrer as estradas, a entrar em contato com pessoas que possam ajuda-la. Como fica então o aspecto do “retiro”?

Em retiro
É claro o testemunho daqueles que a conheceram. Pierre de Vaux escreveu: “A principal ocupação da pequena serva de Nosso Senhor, durante o tempo de sua vida, foi de louvar, honra e rezar a Deus. Onde quer que estivesse, parada ou andando, seu coração e seu pensamento esavam voltados para Deus, rezando sem cessar mental ou vocalmente”. Sempre que podia procurava um lugar recolhido afastados das pessoas. Em viagem procurava isolar-se o mais que podia para guardar sua solidão com Deus; em todas as casas em que se encontrava, guardava a solidão e a clausura e se mantinha num pequeno espaço, que cercava com lençóis e cobertas e ali permanecia até o momento da partida, escreve também Pierre de Vaux. Inclusive em seus conventos Coleta vivia uma vida de certa solidão: “Tinha um oratório particular onde permanecia comumente e onde ouvia a missa”, escreve Pierre de Vaux. Na verdade, mais do que as outras ela é observada, espiada em seus menores gestos.

Manifestamente o retiro é para Coleta seu ambiente natural do qual se ausenta por dever para as necessidades de sua reforma. Esta é sua primeira vocação. Paradoxalmente pouco escreveu a esse respeito. Suas exortações mais frequentes se referem à pobreza, à caridade fraterna e ao ofício divino.

Há uma exortação sua que volta sempre de novo: “colocar seu coração perfeitamente em Deus”. Para tanto será importante expulsar todos os pensamentos mundanos e para tanto a clausura lhe parecia um meio privilegiado. Não é em primeiro lugar proteção para a castidade. Pode-se ler em seu testamento: “Ó bem-aventurada clausura! Ó alma fechada que não divaga por coisinhas pequenas. Estar encerrada por meio uma contínua recordação das preciosas chagas de Jesus Cristo”.

Para evitar que os rumores do mundo não impeçam as irmãs dessa vida em Deus, promulga medidas bem precisas: substitui as irmãs que servem fora do mosteiro mencionadas na Regra de Clara por servas que não entram na clausura. Retoma assim uma medida editada em 1336 pelo Papa Bento XII.

Limita ao máximo o contato com o exterior e recorda firmemente as medidas prescritas já na Regra de Santa Clara e em vigor desde as constituições do Cardeal Hugolino. Conforme seu hábito, eventualmente, acrescenta precisões suplementares, por exemplo, a questão das portas duplas que não deixam possibilidade de ver as pessoas do exterior ou serem vistas por elas. Quer conservar suas irmãs somente para Deus.

Se ela opta por pequenas cidades para implantar seus conventos, em parte, é para evitar a multiplicidade dos parlatórios. Manifesta pressa em poder dispor de um poço no interior do convento para evitar “as distrações às porteiras e as conversas desnecessárias com os que carregavam água”.

Adverte as irmãs a que não se preocupem demais com seus parentes. Recomenda à Irmã Luísa do convento de Auxonne: “Coloca perfeitamente teu coração em Deus uma vez que nós, que abandonamos o mundo, não precisamos nos preocupar com parentes e amigos mas isto sim rezar por eles e por sua salvação”.

Um tal preocupação não quer dizer fuga. Quando necessário ela não hesita em percorrer as estradas. Mesmo quando solitária, sua oração se dirige aos demais. Muitas vezes é uma súplica de intercessão pelos “pobres pecadores e desvalidos” e se ela dá muitas prescrições para o oficio litúrgico, é porque deve ser rezado “para a glória de Deus e a edificação do povo”. Esta expressão que repete com frequência indica o eixo de seu pensamento. O determinante não nem as relações ou retiro em si mesmos, mas o progresso da reforma.

Em relação e em retiro: a vida de suas comunidades
Depois de sua morte, as coletinas formaram um corpo unido e constituíram entre elas uma rede fraterna de mútuo encorajamento para que pudessem manter-se firmes aos ensinamentos de Coleta e difundir a reforma. As novas fundações por longo tempo foram co-fundações como, por exemplo, Nantes em 1457, Cambrai em 1494; Montbrison em 1496, Gien em 1500 e muitas outras.
Até o século XIX a clausura não impede que as irmãs estejam muito ligadas à população que as alimenta e que se confia às suas orações. O recrutamento é muito local e nas cidades menores. Muitos habitantes têm uma filha, uma irmã ou uma tia religiosa. A solidariedade é grande e as irmãs vivem no mesmo ritmo, ouvem todos os ecos da vida da cidade, os anúncios dos pregoeiros públicos, a chegada de personagens importantes, as festas e comemorações ; participam de tudo, das mesmas provações, penúrias, epidemias, incêndios, guerras. Apesar da clausura a vida das clarissas se passa fortemente imbricada no tecido social e eclesial e gozam da geral simpatia da população. Os testemunhos por ocasião da Revolução francesa (1789) constituem prova.

Conclusão
A partir do século XIX os laços das clarissas com a cidade que foi crescendo e se secularizando foram se tornando mais fluidos. Os mosteiros foram se tornando ilhas visitadas sobretudo por amigos fiéis. O relacionamento mesmo no caso de um mosteiro muito dinâmico, tornou-se como que mais estendido geograficamente, porém mais limitado proporcionalmente. O retiro, mesmo que a clausura seja mais flexível é psicologicamente maior com relação à cultura ambiental. O discernimento se faz de acordo com o mesmo objetivo indicado por Santa Coleta: “Guardar o coração sempre junto de Deus”. Todas as comunidades monásticas são convocadas para essa difícil missão que conserva lugar privilegiado no concerto dos carismas da Igreja de Jesus Cristo.

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